Incômodos espelhos – Roberto Barbato Jr
Ainda moleque notei uma disposição ímpar para suscitar desditas. Elas se me apresentavam amiúde, sem hora nem lugar certo. Acometiam-me os assombros dos espíritos de má fé que, sempre sequiosos de aporrinhar alguém, encontravam em mim presa fácil. Já estava desconfiado de que o pagamento de certos tributos mundanos me era mesmo uma dessas imposições as quais não se pode delir. Cogitei da possibilidade de uma sina, um destino adrede traçado. Mas, ora, isso não podia ser...
Pouco a pouco percebi que modificara a forma como vislumbrava minhas desventuras. Tudo agora se cifrava a uma tortura psicológica, eivada de idéias fixas, tormentos íntimos e outras coisas mais. Se outrora importunavam-me as agressões evidentes, hoje vivo perplexo diante de uma evidência sutil, porém nada rasa.
Sua presença em minha vida tornou-se tão insidiosa que me flagro pensando em sua morada. Ele vive numa edícula, nos fundos de um imóvel velho, quase abandonado. Ao abrir a porta da entrada, nota-se estranhamente espelhos dispostos irregularmente. Sente-se logo o cheiro de mofo e o olor indecente das fezes dos felinos que lá fincaram raízes, com seu consentimento. Recebem-no com indiferença, resignando-se a mover apenas os olhos. Depois, instados a sair de onde estão, rebelam-se à farta, berram um grito quase humano. Correm lépidos para fora da sala, não sem antes esbarrar em seus sapatos. Ele coloca sua sacola rente ao sofá puído, furado pelas guimbas de cigarro que lá caíram porque negligenciou a busca do cinzeiro. Senta no chão e ali fica horas, inerte. Não sabe se come os restos da refeição que logrou fazer na rua, colocados num saco plástico já deteriorado. Imagina que seria prudente tomar um banho após quase duas semanas de abstenção à água. Incomoda-se muito pouco com o cheiro que exala de suas roupas e do suor escuro, porque misturado com as crostas de sujeira de seu corpo. Regozija-se, aliás, com elas. Crava-lhe as unhas compridas para depois deleitar-se ao tirar as pequenas fileiras de gordura ali acumuladas e levá-las ao nariz. Desiste da refeição e do banho. Afaga a testa com o indicador, deslisa o dedo até encontrar o limite da peruca loira, amarelo-cor-de-gema, que lhe atribui um inconteste aspecto postiço. Deita no colchão, boceja e dorme um sono profundo, bastante atormentado. Sua aparência repugnante é mais uma cor a compor o quadro daquele lugar sombrio.
Ele somente sonha um sonho tranqüilo quando Alferes posta-se ao seu lado, a cabeça empinada, como a insinuar que o assiste a cada instante. Por certo não tem ciência da presença do felino, mas a sente. O nariz adunco não lhe é bastante para aspirar o ar que precisa; por isso, recorre à abertura da boca com certa freqüência. O cheiro fétido exalado de seu estômago já constituiu interesse para o bichano que, com andar ressabiado, chegara perto do dono, olhara furtivamente as lacunas frontais de sua dentição e abandonara o intento de saborear o que quer que se mostrasse atraente.
Ao acordar, já na manhã seguinte, não boceja, não espreguiça; apenas olha com indiferença para os raios do sol que incidem sobre o rabo de Alferes. Imagina que poderia dar ao gato dileto um tratamento mais requintado: tosa, banho e consultas periódicas ao veterinário. No inverno colocar-lhe-ia uma roupa meticulosamente planejada para seu corpo. As patas, ah... as patas seriam calçadas com meias antiderrapantes... No verão, como a insinuar a fidalguia do bicho, limitar-se-ia a colocar um laço pomposo em sua cabeça. Fosse qual fosse a estação do ano, não deixaria de passar algum xampu manipulado em farmácias, dessas que atendem gente... Tudo isso só faria sentido uma vez rico. Uma vez rico! Sim, ele já fora rico. Houve, em tempos mais ditosos, um conforto a permear aquela vida hoje decadente.
Ele agora permanece deitado, como a recordar sua história pretérita. Lembra-se de quando, concluído o colegial, dissera ao pai que pretendia mesmo gozar a vida. Não lhe passava pela cabeça a possibilidade de qualquer labor; não havia, ademais, descoberto sua vocação. Na falta de uma, resolvera que vagabundear não seria mau negócio. Especializara-se em modalidades várias de vícios: bebidas, fumos, jogos e também mulheres. Estas lhe eram tão íntimas que não usava o tempo para conhecê-las; restringia-se apenas a aproveitar aquelas disponíveis. Eram muitas, invariavelmente ao seu dispor. Não se importava se alguma delas não lhe pudesse satisfazer a contento. Nesses casos, solicitava a presença de outra que certamente o saciaria de pronto. Era generoso com a retribuição dos favores sexuais prestados. Ao término da cópula, sentia ainda mais prazer emitindo frêmitos cadenciados enquanto tateava levemente as notas destinadas ao pagamento. Dobrava-as em seqüência de valores; do menor para o maior, como a sugerir que tudo tenciona ocorrer evolutivamente. Pegava o elástico amarelo, manchado, dava duas voltas no maço de notas e ouvia o estalar da borracha no papel. Era o ápice!
Não quisera casar-se. Tivera um rompante caso de amor, desses arrebatadores. A princípio, Lucélia lhe deixara inebriado de paixão, suspirando forte sempre que a via. Emoções batiam-lhe no peito e o coração batia forte, sempre muito forte. Sentia odores, os mais agradáveis. A moça entrevira sua preferência por aromas doces, dulcíssimos. Banhava-se com ervas, fragrâncias finas. Sabia como lhe agradar. Seduzira-o pela primeira vez num bosque, enquanto passeavam. Ali mesmo, entre um jequitibá e outro, consumaram a paixão. Ele, afoito; ela, tranqüila e sem medo. A partir de então passaram a abusar da privacidade que quatro paredes poderiam lhes propiciar. Os lençóis cheirosos, limpos e passados; o tinto, devidamente respirado, aguardando pelo primeiro trago; o som tocado de alguma composição apta a estimular a lascívia; a facilidade para o despojamento das indumentárias... Isso apetecia mais a ele do que a ela. Era, enfim, um rapaz de costumes refinados. Ela sabia disso...
Propusera-lhe casamento. Lucélia ansiava constituir família. Os parcos proventos que recebia não lhe eram suficientes. Ele declinou da proposta, que julgou, aliás, indecorosa. Um desvario! Onde já se viu! Casamento... Continuara com a vida promíscua, pródiga e em tudo exagerada!
Morrera-lhe o pai. Chorou a morte do velho ciente de que o vultoso patrimônio herdado logo mais seria digerido, queimado juntamente com as mulheres, os jogos, os vícios, os vinhos. E, assim, deixara de copular, de jogar, de tragar...
Naquela manhã, pelejando compreender sua aviltante condição social, sobreviera-lhe algum traço de consciência possível. Em profunda solidão, depositara o olhar rútilo nos incômodos espelhos dispersos pela sala e vira, de modo inequívoco, a si próprio. Era eu quem me olhava, buscando sonegar, ao menos dessa vez, os tributos que a vida me cobrava.
"Modelando o artista ao seu feitio/ O tempo, com seu lápis impreciso/ Põe-lhe rugas ao redor da boca/ Como contrapesos de um sorriso. "Tempo e artista" - Chico Buarque/1993
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Tom Jobim, sempre
Hoje faz 16 anos que Tom Jobim morreu. Pela falta de tempo e pela necessidade de recordá-lo, sempre, segue abaixo o link para o post publicado em 08/12/2008.
Trata-se de A morte do Maestro Soberano
Trata-se de A morte do Maestro Soberano
domingo, 28 de novembro de 2010
Preconceito: blog é coisa de veado (e vagabundo)
- Blog é coisa de veado!
- Com certeza: coisa de veado.
- Veado e vagabundo!
- Claro: o cara, além de veado, é vagabundo.
- Veado, porque blog é como diário. E diário é coisa de menina adolescente. Se o cara escreve diário na Internet, não importa. Continua sendo diário. Portanto, quem escreve diário, sendo homem, não é homem, é veado.
- É isso aí. Veado e vagabundo.
- Vagabundo mesmo. Quem escreve em blog não tem mais o que fazer da vida. Imagine: o cara escreve todo dia. É sempre aquela conversa mole. Se ainda fosse jornalista, vá lá....
- É mesmo. Se o cara trabalhasse, não teria tempo para escrever em blog, em diário ou sei lá.
- Isso não é nada. Quem quer saber da vida dele? Saber da vida de um veado e vagabundo?
- Quem? Quem quer saber?
- Só se forem outros veados que também têm blogs. Vira uma veadagem só! Um monte de veados vagabundos. Porque ser veado, vá lá, tudo bem. Agora, ser veado e vagabundo é o fim da picada.
- É verdade. Uma legião de blogueiros vagabundos.
- Blogueiros vagabundos é pleonasmo.
- Verdade. Pleonasmo. Pleonasíssimo.
- E tem vagabundo que escreve em blog porque diz que faz literatura. Publica lá uns contos, umas crônicas. Se fossem bons, publicaria em livros. Teria um monte de editoras querendo publicar. Mas, não. Os caras gostam mesmo é de blog.
- Veados! Uns veados! Uns vagabundos!
- Acham que o blog tem mais penetração.
- Tá vendo: isso é papo de veado. Penetração....
- Atinge um público maior, eles dizem. Não ficam presos às teias editoriais, ao controle do mercado literário.
- Pois é. Essa história de liberdade literária só pode ser coisa de veado.
- Homem que é homem não briga por liberdade. Homem que é homem, é livre. E pronto. O cara escreve o que quer e a editora publica. E ai do editor se não publicar.
- Mas é aí que está o ponto.
- Que ponto?
- Vou explicar. Preste a atenção: o editor só não publica se perceber que o cara é veado ou vagabundo. Aí, recusa os originais e manda o veado-vagagundo escrever em blog. O veado fica triste porque o livro não vai sair, mas, logo depois, percebe que o melhor é escrever em blog mesmo (afinal, também é vagabundo). Acha que sua obra será melhor difundida. É a tal história da penetração que você falou....
- Eu? Penetração?
- É. Penetração!
- Tô achando que você é que é veado. Você tem blog?
- Com certeza: coisa de veado.
- Veado e vagabundo!
- Claro: o cara, além de veado, é vagabundo.
- Veado, porque blog é como diário. E diário é coisa de menina adolescente. Se o cara escreve diário na Internet, não importa. Continua sendo diário. Portanto, quem escreve diário, sendo homem, não é homem, é veado.
- É isso aí. Veado e vagabundo.
- Vagabundo mesmo. Quem escreve em blog não tem mais o que fazer da vida. Imagine: o cara escreve todo dia. É sempre aquela conversa mole. Se ainda fosse jornalista, vá lá....
- É mesmo. Se o cara trabalhasse, não teria tempo para escrever em blog, em diário ou sei lá.
- Isso não é nada. Quem quer saber da vida dele? Saber da vida de um veado e vagabundo?
- Quem? Quem quer saber?
- Só se forem outros veados que também têm blogs. Vira uma veadagem só! Um monte de veados vagabundos. Porque ser veado, vá lá, tudo bem. Agora, ser veado e vagabundo é o fim da picada.
- É verdade. Uma legião de blogueiros vagabundos.
- Blogueiros vagabundos é pleonasmo.
- Verdade. Pleonasmo. Pleonasíssimo.
- E tem vagabundo que escreve em blog porque diz que faz literatura. Publica lá uns contos, umas crônicas. Se fossem bons, publicaria em livros. Teria um monte de editoras querendo publicar. Mas, não. Os caras gostam mesmo é de blog.
- Veados! Uns veados! Uns vagabundos!
- Acham que o blog tem mais penetração.
- Tá vendo: isso é papo de veado. Penetração....
- Atinge um público maior, eles dizem. Não ficam presos às teias editoriais, ao controle do mercado literário.
- Pois é. Essa história de liberdade literária só pode ser coisa de veado.
- Homem que é homem não briga por liberdade. Homem que é homem, é livre. E pronto. O cara escreve o que quer e a editora publica. E ai do editor se não publicar.
- Mas é aí que está o ponto.
- Que ponto?
- Vou explicar. Preste a atenção: o editor só não publica se perceber que o cara é veado ou vagabundo. Aí, recusa os originais e manda o veado-vagagundo escrever em blog. O veado fica triste porque o livro não vai sair, mas, logo depois, percebe que o melhor é escrever em blog mesmo (afinal, também é vagabundo). Acha que sua obra será melhor difundida. É a tal história da penetração que você falou....
- Eu? Penetração?
- É. Penetração!
- Tô achando que você é que é veado. Você tem blog?
sábado, 20 de novembro de 2010
Mané Fogueteiro e a minha angústia
Existem certas angústias e sentimentos que, aos olhos da maioria das pessoas, poderiam soar insossas, não houvesse razão bastante peculiar que as justificassem....
Em 1992, quando Caetano fez 50 anos, houve um especial de comemoração de seu aniversário. Se não me engano, era época do então LP (também vendido na versão CD) "Circuladô de Fulô". O vídeo foi veiculado não sei onde e, depois, virou VHS.
No especial, Caetano cantava sua primeira música, que é digna de nota e merecia ter sido gravada. Também falava dos compositores que lhe inspiraram, sem se esquecer, obviamente, daquele que credita ser o mais importante da música popular brasileira: João Gilberto.
Referindo-se à sua música "Genipapo Absoluto", do LP "Estrangeiro", disse que havia emprestado uma parte da música de Braguinha (João de Barro), chamada "Mané Fogueteiro". O último trecho da música de Caetano é o seguinte:
"'Aquele que considera' a saudade
Uma mera contraluz que vem
Do que deixou pra trás
Não, esse só desfaz o signo
E a 'rosa também'".
Mané Fogueteiro, por sua vez, tem o seguinte trecho:
"Mané Fogueteiro gostava da Rosa
Cabocla mais linda esse mundo não tem
Mas o pior é que o Zé Boticário
Gostava um bocado da Rosa também".
Fiquei com "Mané Fogueteiro" na cabeça durante anos, sem saber a letra inteira. Como em 1992 a internet muito longe estava da nossa realidade, não tinha onde procurar pela música. Perguntei ao meu avô e à minha avó. Por serem mais velhos, provavelmente, conheceriam a composição de Braguinha. Ninguém, entretanto, ouvira falar dela.
Depois que meu avô morreu, ainda insisti com minha avó. Nenhuma lembrança, por mais vaga que fosse, ocupava a cabeça dela. Era o que dizia, embora eu tivesse a convicção de que, repentinamente, ainda fosse se recordar da melodia e, consequentemente, da letra. No ano passado, consegui uma bela versão da música. Baixei-a da internet e a remeti para minha irmã, que estava indo para Rio Preto visitar minha avó. Bastaria reproduzi-la no laptop para que sua memória fosse refrescada. Minha irmã de fato dormiu em seu apartamento, conversou com ela e riu de suas histórias. Por algum motivo que agora me escapa, esqueci-me de perguntar à minha irmã sobre a resposta dada por D. Líbia quando da suposta audição da música.
Recentemente, indagada a respeito dessa resposta, minha irmã chegou a sugerir, hesitante, que nem sequer executou a música para sanar minha dúvida. Indignado, cobrei-lhe uma posição precisa, mas de nada adiantou.
Minha avó se foi pouco depois e o Mané Fogueteiro agora está atrelado a uma angústia que talvez me consuma o resto da vida.
Em 1992, quando Caetano fez 50 anos, houve um especial de comemoração de seu aniversário. Se não me engano, era época do então LP (também vendido na versão CD) "Circuladô de Fulô". O vídeo foi veiculado não sei onde e, depois, virou VHS.
No especial, Caetano cantava sua primeira música, que é digna de nota e merecia ter sido gravada. Também falava dos compositores que lhe inspiraram, sem se esquecer, obviamente, daquele que credita ser o mais importante da música popular brasileira: João Gilberto.
Referindo-se à sua música "Genipapo Absoluto", do LP "Estrangeiro", disse que havia emprestado uma parte da música de Braguinha (João de Barro), chamada "Mané Fogueteiro". O último trecho da música de Caetano é o seguinte:
"'Aquele que considera' a saudade
Uma mera contraluz que vem
Do que deixou pra trás
Não, esse só desfaz o signo
E a 'rosa também'".
Mané Fogueteiro, por sua vez, tem o seguinte trecho:
"Mané Fogueteiro gostava da Rosa
Cabocla mais linda esse mundo não tem
Mas o pior é que o Zé Boticário
Gostava um bocado da Rosa também".
Fiquei com "Mané Fogueteiro" na cabeça durante anos, sem saber a letra inteira. Como em 1992 a internet muito longe estava da nossa realidade, não tinha onde procurar pela música. Perguntei ao meu avô e à minha avó. Por serem mais velhos, provavelmente, conheceriam a composição de Braguinha. Ninguém, entretanto, ouvira falar dela.
Depois que meu avô morreu, ainda insisti com minha avó. Nenhuma lembrança, por mais vaga que fosse, ocupava a cabeça dela. Era o que dizia, embora eu tivesse a convicção de que, repentinamente, ainda fosse se recordar da melodia e, consequentemente, da letra. No ano passado, consegui uma bela versão da música. Baixei-a da internet e a remeti para minha irmã, que estava indo para Rio Preto visitar minha avó. Bastaria reproduzi-la no laptop para que sua memória fosse refrescada. Minha irmã de fato dormiu em seu apartamento, conversou com ela e riu de suas histórias. Por algum motivo que agora me escapa, esqueci-me de perguntar à minha irmã sobre a resposta dada por D. Líbia quando da suposta audição da música.
Recentemente, indagada a respeito dessa resposta, minha irmã chegou a sugerir, hesitante, que nem sequer executou a música para sanar minha dúvida. Indignado, cobrei-lhe uma posição precisa, mas de nada adiantou.
Minha avó se foi pouco depois e o Mané Fogueteiro agora está atrelado a uma angústia que talvez me consuma o resto da vida.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Heresia
Estava na Siciliano. Vi o livro, peguei um exemplar e sentei no chão. Comecei a ler. Era fantástico, como todas as demais obras daquele autor. Gargalhei aos montes e, além disso, o clima da narrativa me tomou por inteiro. Não conseguia parar de lê-la. Continuei mais um pouco. Quando a trama anunciou o que realmente viria pela frente, tive de encerrar a leitura. Já era hora de ir embora. Não comprei o livro naquele dia, mas fiquei com água na boca.
Logo depois, ganhei a obra, que chegou pelos Correios. Como não havia lido muitas páginas, reiniciei a leitura e, pouco a pouco, fui notando que a história se arrastava. Parei para pensar que algo devia estar equivocado.
Seria porque o autor é especialista em outro gênero? Seria porque não estava no clima daquele texto? Mas, como? Na Siciliano eu podia jurar que o livro era delicioso....
Insisti. Não se deixa de ler um livro sem um motivo realmente forte. Por certo, eu estava enganado. Talvez fosse questão de algumas páginas. Bastaria ler mais um pouco para encontrar a felicidade. De nada adiantou, contudo. Prosseguir já não era mais um caminho agradável. Era incompatível com o prazer da leitura. Resolvi abandoná-la. Ainda tenho a esperança de que, em uma oportunidade qualquer, possa retomá-la e me envolver com ela.
Hoje, olhando para aquela situação, imagino que pareça uma grande heresia o fato de eu não ter conseguido terminar a leitura do livro. Trata-se de Os espiões, do Luis Fernando Veríssimo. Paciência. Quem sabe um dia?
Logo depois, ganhei a obra, que chegou pelos Correios. Como não havia lido muitas páginas, reiniciei a leitura e, pouco a pouco, fui notando que a história se arrastava. Parei para pensar que algo devia estar equivocado.
Seria porque o autor é especialista em outro gênero? Seria porque não estava no clima daquele texto? Mas, como? Na Siciliano eu podia jurar que o livro era delicioso....
Insisti. Não se deixa de ler um livro sem um motivo realmente forte. Por certo, eu estava enganado. Talvez fosse questão de algumas páginas. Bastaria ler mais um pouco para encontrar a felicidade. De nada adiantou, contudo. Prosseguir já não era mais um caminho agradável. Era incompatível com o prazer da leitura. Resolvi abandoná-la. Ainda tenho a esperança de que, em uma oportunidade qualquer, possa retomá-la e me envolver com ela.
Hoje, olhando para aquela situação, imagino que pareça uma grande heresia o fato de eu não ter conseguido terminar a leitura do livro. Trata-se de Os espiões, do Luis Fernando Veríssimo. Paciência. Quem sabe um dia?
sábado, 6 de novembro de 2010
Era carnaval
Era carnaval – Roberto Barbato Jr
Era carnaval. O desfile das Escolas de Samba talvez fosse o único programa para aquela noite. Hesitara ligar a TV, temendo que todo seu passado viesse à tona, em quadros nítidos, detalhistas. Temia por isso e não raro evitava qualquer situação capaz de fazê-la regredir no tempo. Pensara que devesse dormir, mas a idéia lhe soara covarde. Aceitara o desafio, não sem antes preparar uma dose de malte importado que houvera guardado para ocasiões especiais.
Uísque em punho, TV ligada. Acompanhava o desfile observando cada minúcia das fantasias. Apreciava-as. A velhice não fora capaz de elidir o despudor que tivera nos anos de juventude. As mulheres desnudas, seios aparentes e as nádegas destacadas pelas câmeras não lhe causavam nenhuma espécie de repulsa. Não tinha, ademais, o falso moralismo característico das mulheres de sua geração. Não sabia, por questão de natureza, ser hipócrita. Agira assim desde sempre. Agora, tão-só e concentrada, via a pouca vergonha de que outrora fora cúmplice, sem ter de opinar e tampouco se defender. Se quisessem, poderiam se desnudar por inteiro, pensava sobre as meninas da tela. Tanto fazia. Era carnaval.
Lembrava-se com sabor dos anos em que figurava como a mais destacada vedete do Teatro de Revista. À época, tachada de sirigaita, fazia questão de afrontar as senhoras de família. Deixava as coxas à mostra, despertando a lascívia masculina. Não abria mão do alto salto, sempre a retesar a panturrilha, de modo a evidenciá-la em seus mais definidos contornos. Rebolava vulgarmente, içava a anca, dando giros sutis para que parecesse provocante. Mesmo os homens menos abnegados lhe enxergavam um excesso de leviandade.
O ônus de sua irreverência, contudo, fora pesado: apaixonara-se e casara-se com Heitor Fontana. Político ambicioso, Heitor logo se encarregara de enfrear a mulher. Dela exigia que o acompanhasse, resignadamente, em jantares os mais enfadonhos, típicos da classe política de então. Dela também exigia que se vestisse assaz contida. Por ele, teria que abandonar os hábitos da vida pregressa, os dizeres, as indumentárias. Não foi sem relutância que fizera tudo isso. Depois, dera um, dois, três filhos ao marido.
Os meninos cresceram ouvindo, sempre à socapa, comentários sobre o passado da mãe. Acometia-os um sentimento de injustiça, como duvidassem do teor daquelas narrativas. Trancavam-se na biblioteca com o pai, a fim de confirmar a veracidade dos boatos.
Eram filhos da puta!
Do dia para a noite, os comentários cessaram: Heitor ocupara pasta no Ministério. Já não eram filhos da puta, os meninos. Eram filhos-do-Ministro. Ela passou a ser a mulher-do-Ministro, a senhora Fontana. Tivera de se conter ainda mais. Haveria de reprimir-se demasiado, senão pela vontade, pela força. Passara a freqüentar, com relativa assiduidade, eventos ligados a ações beneméritas. Chás com primeiras damas e salões de beleza, embora não lhe interessassem, eram-lhe menos inconvenientes. A proximidade com o poder, o requinte e a abundância financeira não lhe causavam prazer, entretanto. Pudesse optar, continuaria na vida de tempos pretéritos, participando de espetáculos de casas de show, exibindo os belos dotes físicos que Deus felizmente lhe dera.
Rebelara-se um dia. Deixara de ser a mulher de Heitor, mãe de seus filhos, mulher de ministro, enfim. Tivera um repente e voltara para vida noturna. Assinara contrato com uma casa de prestígio. Lá fatalmente compareceriam os amigos do marido e - quem sabe? – até os filhos.... Sentira orgulho da decisão. Irromperia contra qualquer adversidade, manteria seu firme propósito. A idade, já um pouco avançada para quem possui tamanhas pretensões, não lhe dedicara peso nenhum. Era com leveza que reacendia as chamas do antigo ofício, com paz de espírito e, sobretudo, com serenidade.
Inconformado, Heitor fizera várias diligências: fechara a casa, procurara abafar o pretenso escândalo, comprara a imprensa. Tudo quanto pudesse ser resumido às cifras de sua posse seria devidamente utilizado. Lançara mão de todos os expedientes para que sua reputação não fosse conspurcada. Não escondera a verdade dos meninos, já crescidos. Desde então Julieta jamais fora vista em festas e coquetéis. Passara extenso tempo reclusa em casa. Dizia-se que sofria dos nervos, tendo se submetido, inclusive, a incansáveis tratamentos de choque e terapia.
Mudara o governo. A carreira promissora de Heitor não resistira ao segundo ato. Sobreviera-lhe um infortúnio quando, imprudente, deixara-se levar pelos sedutores louros da corrupção. Não fora capaz de se aprumar tal como seus pares faziam com tanta facilidade. Restara-lhe apenas o ofício de causídico e, mesmo este, diante de circunstâncias tão vexaminosas, não lhe pudera garantir o padrão de vida com o qual havia se acostumado. As causas que assumia eram raras e pouco rentáveis. Os filhos, destituídos de habilidades profissionais, tiveram de procurar emprego! Findaram-se as polpudas mesadas que serviam a extravagâncias de variado gênero.
Emprego!, diziam de si para si mesmos, a boca desdenhosa, torta.
Julieta a tudo assistia calada. Testemunhava a decadência material da família sem um mínimo de compaixão pelos seus. Achava mesmo que os filhos deveriam tomar tento, mostrando-se úteis de alguma maneira. Chamava-os para conversar.
Vagabundos! Eram vagabundos! Uns indolentes.
Desentendera-se com todos, não falava mais palavra com nenhum. Heitor expulsara-a de casa. Que fosse aos infernos! À merda! Pagara-lhe o aluguel de uma edícula fétida, no subúrbio da cidade. Deixara-a apenas com a memória sadia, apta a lhe dar alguma satisfação. Vivia só, embriagada de recordações.
Naquela noite, por longas horas, entre cores, sons, alegorias e nomes, pôde rever toda sua vida. Esboçando um riso furtivo e sarcástico, pensou em Heitor. Pensou no ministro. Pensou nos vagabundos. Pensou nos filhos da puta. Pensou também que nada mais importava: era carnaval.
Era carnaval. O desfile das Escolas de Samba talvez fosse o único programa para aquela noite. Hesitara ligar a TV, temendo que todo seu passado viesse à tona, em quadros nítidos, detalhistas. Temia por isso e não raro evitava qualquer situação capaz de fazê-la regredir no tempo. Pensara que devesse dormir, mas a idéia lhe soara covarde. Aceitara o desafio, não sem antes preparar uma dose de malte importado que houvera guardado para ocasiões especiais.
Uísque em punho, TV ligada. Acompanhava o desfile observando cada minúcia das fantasias. Apreciava-as. A velhice não fora capaz de elidir o despudor que tivera nos anos de juventude. As mulheres desnudas, seios aparentes e as nádegas destacadas pelas câmeras não lhe causavam nenhuma espécie de repulsa. Não tinha, ademais, o falso moralismo característico das mulheres de sua geração. Não sabia, por questão de natureza, ser hipócrita. Agira assim desde sempre. Agora, tão-só e concentrada, via a pouca vergonha de que outrora fora cúmplice, sem ter de opinar e tampouco se defender. Se quisessem, poderiam se desnudar por inteiro, pensava sobre as meninas da tela. Tanto fazia. Era carnaval.
Lembrava-se com sabor dos anos em que figurava como a mais destacada vedete do Teatro de Revista. À época, tachada de sirigaita, fazia questão de afrontar as senhoras de família. Deixava as coxas à mostra, despertando a lascívia masculina. Não abria mão do alto salto, sempre a retesar a panturrilha, de modo a evidenciá-la em seus mais definidos contornos. Rebolava vulgarmente, içava a anca, dando giros sutis para que parecesse provocante. Mesmo os homens menos abnegados lhe enxergavam um excesso de leviandade.
O ônus de sua irreverência, contudo, fora pesado: apaixonara-se e casara-se com Heitor Fontana. Político ambicioso, Heitor logo se encarregara de enfrear a mulher. Dela exigia que o acompanhasse, resignadamente, em jantares os mais enfadonhos, típicos da classe política de então. Dela também exigia que se vestisse assaz contida. Por ele, teria que abandonar os hábitos da vida pregressa, os dizeres, as indumentárias. Não foi sem relutância que fizera tudo isso. Depois, dera um, dois, três filhos ao marido.
Os meninos cresceram ouvindo, sempre à socapa, comentários sobre o passado da mãe. Acometia-os um sentimento de injustiça, como duvidassem do teor daquelas narrativas. Trancavam-se na biblioteca com o pai, a fim de confirmar a veracidade dos boatos.
Eram filhos da puta!
Do dia para a noite, os comentários cessaram: Heitor ocupara pasta no Ministério. Já não eram filhos da puta, os meninos. Eram filhos-do-Ministro. Ela passou a ser a mulher-do-Ministro, a senhora Fontana. Tivera de se conter ainda mais. Haveria de reprimir-se demasiado, senão pela vontade, pela força. Passara a freqüentar, com relativa assiduidade, eventos ligados a ações beneméritas. Chás com primeiras damas e salões de beleza, embora não lhe interessassem, eram-lhe menos inconvenientes. A proximidade com o poder, o requinte e a abundância financeira não lhe causavam prazer, entretanto. Pudesse optar, continuaria na vida de tempos pretéritos, participando de espetáculos de casas de show, exibindo os belos dotes físicos que Deus felizmente lhe dera.
Rebelara-se um dia. Deixara de ser a mulher de Heitor, mãe de seus filhos, mulher de ministro, enfim. Tivera um repente e voltara para vida noturna. Assinara contrato com uma casa de prestígio. Lá fatalmente compareceriam os amigos do marido e - quem sabe? – até os filhos.... Sentira orgulho da decisão. Irromperia contra qualquer adversidade, manteria seu firme propósito. A idade, já um pouco avançada para quem possui tamanhas pretensões, não lhe dedicara peso nenhum. Era com leveza que reacendia as chamas do antigo ofício, com paz de espírito e, sobretudo, com serenidade.
Inconformado, Heitor fizera várias diligências: fechara a casa, procurara abafar o pretenso escândalo, comprara a imprensa. Tudo quanto pudesse ser resumido às cifras de sua posse seria devidamente utilizado. Lançara mão de todos os expedientes para que sua reputação não fosse conspurcada. Não escondera a verdade dos meninos, já crescidos. Desde então Julieta jamais fora vista em festas e coquetéis. Passara extenso tempo reclusa em casa. Dizia-se que sofria dos nervos, tendo se submetido, inclusive, a incansáveis tratamentos de choque e terapia.
Mudara o governo. A carreira promissora de Heitor não resistira ao segundo ato. Sobreviera-lhe um infortúnio quando, imprudente, deixara-se levar pelos sedutores louros da corrupção. Não fora capaz de se aprumar tal como seus pares faziam com tanta facilidade. Restara-lhe apenas o ofício de causídico e, mesmo este, diante de circunstâncias tão vexaminosas, não lhe pudera garantir o padrão de vida com o qual havia se acostumado. As causas que assumia eram raras e pouco rentáveis. Os filhos, destituídos de habilidades profissionais, tiveram de procurar emprego! Findaram-se as polpudas mesadas que serviam a extravagâncias de variado gênero.
Emprego!, diziam de si para si mesmos, a boca desdenhosa, torta.
Julieta a tudo assistia calada. Testemunhava a decadência material da família sem um mínimo de compaixão pelos seus. Achava mesmo que os filhos deveriam tomar tento, mostrando-se úteis de alguma maneira. Chamava-os para conversar.
Vagabundos! Eram vagabundos! Uns indolentes.
Desentendera-se com todos, não falava mais palavra com nenhum. Heitor expulsara-a de casa. Que fosse aos infernos! À merda! Pagara-lhe o aluguel de uma edícula fétida, no subúrbio da cidade. Deixara-a apenas com a memória sadia, apta a lhe dar alguma satisfação. Vivia só, embriagada de recordações.
Naquela noite, por longas horas, entre cores, sons, alegorias e nomes, pôde rever toda sua vida. Esboçando um riso furtivo e sarcástico, pensou em Heitor. Pensou no ministro. Pensou nos vagabundos. Pensou nos filhos da puta. Pensou também que nada mais importava: era carnaval.
sábado, 30 de outubro de 2010
Manezão
Manezão - Roberto Barbato Jr
Com o passar do tempo, adquiriu uma habilidade sui generis: o controle, sempre em uma das mãos, ficava exatamente na posição necessária para mudar o canal da TV. Os dedos eram alocados nos botões que permitiam a passagem para o noticiário. Mesmo que estivesse em momento fundamental da trama, jamais sucumbiria: não poderia ser visto assistindo a novelas. Teria de obstar a vontade quase alucinada de saber o destino do personagem predileto. Quantas vezes estivera na iminência de ser flagrado, ali diante da TV, os olhos inertes, sem piscar.... Foram inúmeras, mas jamais deixou transparecer a afoiteza que o acometia.
Quando, por razões alheias à sua vontade, era impedido de assistir ao capítulo inteiro, prostrava-se na cama, louco a imaginar o que teria acontecido, se houvera ou não o beijo da mocinha, se o protagonista havia logrado algum sucesso em desmascarar o antagonista, aquele crápula que, agora, lhe fazia perder o sono. Ficava irritado, irascível. Contava os minutos faltantes para o raiar do dia. Então, uma longa batalha teria início.
Escondido, ligava furtivamente o computador, com respiração arfante. Isilda, a empregada, bem que o via navegando na internet, mas, analfabeta, não tinha acesso às informações consultadas. Não sabia o que o patrão lia. Ele devorava o resumo do capítulo do dia anterior, justamente aquele que não poderia ter perdido.... Depois, ainda insatisfeito, fecharia a porta do escritório a pretexto de avençar algum negócio importante pelo telefone. Digitaria ansioso o endereço do youtube para ver se o capítulo desejado já estava disponível.
Quando a tarefa não alcançava êxito, corria para o banca do Alemão. Ali, matronas desocupadas comentavam - quase debatiam! – o que teria se passado na novela no dia anterior. Ele manuseava um jornal qualquer, postava os olhos por cima da folha e buscava apreender o relato das senhoras.
Vieram as férias escolares. A mulher, professora, não saía mais de casa à noite. Com ele jantava, assistia ao jornal e o convidava para uma leitura. Não tinha escapatória: simulava devorar a revista semanal, o jornal da cidade ou mesmo algum livro que lhe teriam indicado. O pensamento estava, naturalmente, na novela. Disfarçava, ligava a TV a pretexto de procurar por um filme. Mudava de canal, parava rapidamente na novela para ter uma noção, ainda que exígua, do desenrolar da trama.
Não lhe passava pela cabeça admitir a adoração pelo folhetim televisivo. Sabia que lhe seria saudável. Não geraria ansiedade, não o deixaria sem dormir, não lhe impingiria a frustração de expectativas. Assistiria sem culpa, sem medo e sem sobressaltos a novela das seis, das sete e, principalmente, a das nove. Não, não admitiria. Ao contrário, se o assunto viesse à baila, vociferaria:
- Novela? Vocês assistem novela? Que coisa patética!
Incautos poderiam jurar, apostariam se fosse necessário, que ele jamais passara perto de alguma novela. Por certo, nem sequer sabia os horários de transmissão. Devia ser um homem afeto a leituras, interessado em filmes, músicas e notícias. Um intelectual, enfim. Não perderia seu tempo.
- Não assistir a novelas é questão de higiene mental – asseverava com altivez.
Um dia, aconteceu:
- Ahhhhhhhãããããã, hein!
Puta que o pariu! Me pegaram, pensou desesperado, já enrubescido. A casa caiu!
- Assistindo novela!
Filha da puta! Um descuido e me fodi!, penitenciou-se em pensamento.
- Justo você, hein, pai! Que vergonha....
Arriscou:
- Eu? Imagine.... Estava só trocando de canal e....
A filha gargalhava. Percebia o desconcerto do pai. Aproveitou para tirar onda.
- Imagine só se amanhã o prédio todo ficar sabendo! O Jorginho vai te tirar o pêlo.
O Jorginho, aquele asno, pensou. Tô fodido. Se o Jorginho souber, eu tô fodido. O Jorginho vai rir o ano inteiro. Ele e o condomínio. Até o porteiro vai cascar o bico.
- Mãe! Ô manhêêêê! Corre aqui, mãe!
- Que foi minha filha?
As duas juntas, não vou aguentar, se martirizava.
- O papai, vendo novela! Peguei ele no flagra!
A mãe olhou sem nenhuma cara de excepcionalidade. A filha não entendeu. Afinal, não teria descoberto algo precioso e inédito?
- Você não sabia? – perguntou a mãe. – Seu pai é um mané!
- Manezão! – gritou a filha, a voz com ar de refrega. – Manezão!
Pronto. Talvez agora pudesse ser feliz. Embora envergonhado, estava leve, tranquilo, liberto. O Jorginho que se lascasse! E o condomínio também....
Com o passar do tempo, adquiriu uma habilidade sui generis: o controle, sempre em uma das mãos, ficava exatamente na posição necessária para mudar o canal da TV. Os dedos eram alocados nos botões que permitiam a passagem para o noticiário. Mesmo que estivesse em momento fundamental da trama, jamais sucumbiria: não poderia ser visto assistindo a novelas. Teria de obstar a vontade quase alucinada de saber o destino do personagem predileto. Quantas vezes estivera na iminência de ser flagrado, ali diante da TV, os olhos inertes, sem piscar.... Foram inúmeras, mas jamais deixou transparecer a afoiteza que o acometia.
Quando, por razões alheias à sua vontade, era impedido de assistir ao capítulo inteiro, prostrava-se na cama, louco a imaginar o que teria acontecido, se houvera ou não o beijo da mocinha, se o protagonista havia logrado algum sucesso em desmascarar o antagonista, aquele crápula que, agora, lhe fazia perder o sono. Ficava irritado, irascível. Contava os minutos faltantes para o raiar do dia. Então, uma longa batalha teria início.
Escondido, ligava furtivamente o computador, com respiração arfante. Isilda, a empregada, bem que o via navegando na internet, mas, analfabeta, não tinha acesso às informações consultadas. Não sabia o que o patrão lia. Ele devorava o resumo do capítulo do dia anterior, justamente aquele que não poderia ter perdido.... Depois, ainda insatisfeito, fecharia a porta do escritório a pretexto de avençar algum negócio importante pelo telefone. Digitaria ansioso o endereço do youtube para ver se o capítulo desejado já estava disponível.
Quando a tarefa não alcançava êxito, corria para o banca do Alemão. Ali, matronas desocupadas comentavam - quase debatiam! – o que teria se passado na novela no dia anterior. Ele manuseava um jornal qualquer, postava os olhos por cima da folha e buscava apreender o relato das senhoras.
Vieram as férias escolares. A mulher, professora, não saía mais de casa à noite. Com ele jantava, assistia ao jornal e o convidava para uma leitura. Não tinha escapatória: simulava devorar a revista semanal, o jornal da cidade ou mesmo algum livro que lhe teriam indicado. O pensamento estava, naturalmente, na novela. Disfarçava, ligava a TV a pretexto de procurar por um filme. Mudava de canal, parava rapidamente na novela para ter uma noção, ainda que exígua, do desenrolar da trama.
Não lhe passava pela cabeça admitir a adoração pelo folhetim televisivo. Sabia que lhe seria saudável. Não geraria ansiedade, não o deixaria sem dormir, não lhe impingiria a frustração de expectativas. Assistiria sem culpa, sem medo e sem sobressaltos a novela das seis, das sete e, principalmente, a das nove. Não, não admitiria. Ao contrário, se o assunto viesse à baila, vociferaria:
- Novela? Vocês assistem novela? Que coisa patética!
Incautos poderiam jurar, apostariam se fosse necessário, que ele jamais passara perto de alguma novela. Por certo, nem sequer sabia os horários de transmissão. Devia ser um homem afeto a leituras, interessado em filmes, músicas e notícias. Um intelectual, enfim. Não perderia seu tempo.
- Não assistir a novelas é questão de higiene mental – asseverava com altivez.
Um dia, aconteceu:
- Ahhhhhhhãããããã, hein!
Puta que o pariu! Me pegaram, pensou desesperado, já enrubescido. A casa caiu!
- Assistindo novela!
Filha da puta! Um descuido e me fodi!, penitenciou-se em pensamento.
- Justo você, hein, pai! Que vergonha....
Arriscou:
- Eu? Imagine.... Estava só trocando de canal e....
A filha gargalhava. Percebia o desconcerto do pai. Aproveitou para tirar onda.
- Imagine só se amanhã o prédio todo ficar sabendo! O Jorginho vai te tirar o pêlo.
O Jorginho, aquele asno, pensou. Tô fodido. Se o Jorginho souber, eu tô fodido. O Jorginho vai rir o ano inteiro. Ele e o condomínio. Até o porteiro vai cascar o bico.
- Mãe! Ô manhêêêê! Corre aqui, mãe!
- Que foi minha filha?
As duas juntas, não vou aguentar, se martirizava.
- O papai, vendo novela! Peguei ele no flagra!
A mãe olhou sem nenhuma cara de excepcionalidade. A filha não entendeu. Afinal, não teria descoberto algo precioso e inédito?
- Você não sabia? – perguntou a mãe. – Seu pai é um mané!
- Manezão! – gritou a filha, a voz com ar de refrega. – Manezão!
Pronto. Talvez agora pudesse ser feliz. Embora envergonhado, estava leve, tranquilo, liberto. O Jorginho que se lascasse! E o condomínio também....
sábado, 23 de outubro de 2010
Cães e apartamentos
Acredito que a convivência com animais é extremamente saudável para o homem, desde que não atrapalhe ninguém. Sou radicalmente contra a criação de animais em apartamentos, sobretudo aqueles que fazem barulho de qualquer espécie. Refiro-me, principalmente, aos cachorros.
Criar cachorro em apartamento é uma sacanagem: para o bicho e também para os vizinhos. Animal nasceu para ter liberdade, se locomover e ter contato com a natureza. Em apartamento isso é impossível, naturalmente. O espaço físico, por maior que seja a metragem do imóvel, será sempre insuficiente para o cão.
Quanto aos vizinhos, os argumentos são incontestáveis. E incontáveis. Não me venham com pífias idéias de que há certos cachorros quietos e bem comportados. Todos, sem exceção, acabam fazendo barulho em momentos inadequados. Não faz diferença se estamos nos referindo àqueles cachorrinhos de madame ou a um pit bull. Tanto faz um poodle ou um pastor alemão. No instante em que você mais quer paz, ele irá incomodá-lo.
Será justamente naquele momento em que você está em casa sozinho, sem nenhum barulho, e precisa descansar. Você olha para o sofá, o sofá olha para você. Não há como escapar daquela atração. Já indefeso e prostrado pelo cansaço, você simplesmente deita. O sofá e o silêncio são tudo o que você precisa.
Sorrateiramente, o cachorro do vizinho sairá pela porta que lograram deixar encostada e andará até o elevador do andar. Ouvirá o barulho de alguém conversando enquanto desce ou sobe. Iniciará, então, aquele latido agudo no corredor que parece amplificar cada vez mais o som. Você está iniciando o sono e, de repente, acorda assustado. É o cão do vizinho. Aquele que dizem ser bem comportado e quieto. Tudo bem, isso passa. Embora irritado, você se levanta e desiste do sono no sofá.
Outra situação: o dia foi cansativo. A cabeça não parou de doer, mas você não podia parar de trabalhar. Era enxaqueca. Você rezou a tarde inteira para o tempo passar rápido. Ao final do expediente, correu para casa. Tomou banho, colocou uma bolacha de água e sal na boca, bebeu um copo de água, escovou os dentes e, pela primeira vez em vinte anos, foi dormir às oito da noite. O sono está pesado, mas alguém passa na rua, vê o cachorro do vizinho na sacada acesa e resolve fazer uma graça. O bicho não gosta daquilo e inicia o latido. É claro que você já acordou, mesmo com o sono pesado. O vizinho grita para o cão parar com aquilo e piora ainda mais a situação. O filho da puta que está lá embaixo desiste da brincadeira e vai embora. Mas, como ele é mesmo um filho da puta, resolve dar a volta no quarteirão e aparecer de surpresa para encher novamente a paciência do cachorro. E a sua, é claro.
Quando o cão mora em cima de você.... Além de todo o barulho dos latidos, existe ainda o som das patas do bichano arranhando o chão. Toda noite o animal resolve roçar as unhas cumpridas no carpete de madeira. Aquilo arrepia toda sua alma justamente quando você está relaxado, prestes a pegar no sono. É algo mais assustador do que morder papel alumínio quando se degusta um bombom de chocolate.
Não bastasse o problema do barulho, há a questão da higiene. Não adianta dizer que o cachorro é limpo, que não irá perturbar ninguém. Uma hora você estará no elevador, com a compra feita: pão, queijo, legumes, verduras e um maço de manjericão com a ponta para fora da sacola. O vizinho fará questão de entrar ali com o bicho. Ele tem a convicção de que você não se incomodará com isso. Afinal, o cãozinho dele, supostamente adorado por todos, toma banho com uma frequência invejável, não tem pulgas, usa xampu importado e não solta pêlos. Pois esse bichinho limpo chegará perto do maço de manjericão e enfiará o nariz nas pontas que estão para fora da sacola. Ainda insatisfeito com o cheiro, não hesitará em dar uma lambida nas folhinhas que você pensou em usar na pizza marguerita que pretende fazer. Depois, com feição de galhardia, irá se esconder por detrás das pernas do dono. Este, de modo cínico, encenará uma reprimenda falsa ao quadrúpede. A pizza já era.
Tudo bem: é óbvio que o bicho não tem culpa. Ele age por instinto. O responsável por essa situação é seu dono que, totalmente destituído de bom senso, entra nos elevadores como se estivessem vazios. Ele sempre achará que não há problema em pegar o mesmo elevador que o seu. Coitadinho do cachorro, ele não faz nada.
Ainda tem mais. Como o vizinho precisa levar o animal para passear e está frio, ele resolve fazer isso na garagem do subsolo, aquela mesma que você usa. O animal fica por ali correndo, passeando. Pára perto do pilar que fica ao lado da vaga do seu carro, levanta a perna e urina ali. Que mal isso tem?, pensa o vizinho. Nenhum, ele mesmo responde. Você entra na garagem com o carro, avista o cachorro e pensa que atropelá-lo seria a solução de alguns dos seus problemas. Contudo, bem diferente do vizinho, você é dotado de bom senso. Jamais atropelaria o bicho inocente. Em realidade, você adoraria atropelar o vizinho. Isso, entretanto, também está fora de questão. O animalzinho entra na sua frente, você breca e consegue conter o carro. Suspira aliviado. O incauto do vizinho faz cara feia. Olha para você como a reprovar sua conduta. Já emputecido, você desce do carro e, quando percebe, já pisou na urina que o cão deixou ali. Você não percebe, mas o vizinho está regozijando atrás de um pilar da garagem. Talvez esteja até gargalhando.
Precisa mais? Não, não precisa. A maioria das situações acima narradas é fictícia. Todavia, todas são factíveis, possíveis.
Honestamente, acho os cachorros criaturas adoráveis. Acho, também, que os defensores dos animais deveriam lutar pela promulgação de uma lei que impedisse qualquer ser humano de criar cachorros em apartamentos. Se estão realmente preocupados com a proteção desses animais, deveriam ponderar sobre as lamentáveis condições sob as quais são criados: sem espaço, sem contato com a natureza e subjugados a uma rotina que não é, nem de longe, adequada ao seu perfil. Isso certamente faria bem aos cães e ao homem.
Em tempo: minha avó sempre teve cachorros, era louca por eles. O dia em que mudou para um apartamento, teve a sensibilidade de perceber que seu amor por eles implicava em abdicar de sua companhia em lugar tão impróprio para criá-los.
Criar cachorro em apartamento é uma sacanagem: para o bicho e também para os vizinhos. Animal nasceu para ter liberdade, se locomover e ter contato com a natureza. Em apartamento isso é impossível, naturalmente. O espaço físico, por maior que seja a metragem do imóvel, será sempre insuficiente para o cão.
Quanto aos vizinhos, os argumentos são incontestáveis. E incontáveis. Não me venham com pífias idéias de que há certos cachorros quietos e bem comportados. Todos, sem exceção, acabam fazendo barulho em momentos inadequados. Não faz diferença se estamos nos referindo àqueles cachorrinhos de madame ou a um pit bull. Tanto faz um poodle ou um pastor alemão. No instante em que você mais quer paz, ele irá incomodá-lo.
Será justamente naquele momento em que você está em casa sozinho, sem nenhum barulho, e precisa descansar. Você olha para o sofá, o sofá olha para você. Não há como escapar daquela atração. Já indefeso e prostrado pelo cansaço, você simplesmente deita. O sofá e o silêncio são tudo o que você precisa.
Sorrateiramente, o cachorro do vizinho sairá pela porta que lograram deixar encostada e andará até o elevador do andar. Ouvirá o barulho de alguém conversando enquanto desce ou sobe. Iniciará, então, aquele latido agudo no corredor que parece amplificar cada vez mais o som. Você está iniciando o sono e, de repente, acorda assustado. É o cão do vizinho. Aquele que dizem ser bem comportado e quieto. Tudo bem, isso passa. Embora irritado, você se levanta e desiste do sono no sofá.
Outra situação: o dia foi cansativo. A cabeça não parou de doer, mas você não podia parar de trabalhar. Era enxaqueca. Você rezou a tarde inteira para o tempo passar rápido. Ao final do expediente, correu para casa. Tomou banho, colocou uma bolacha de água e sal na boca, bebeu um copo de água, escovou os dentes e, pela primeira vez em vinte anos, foi dormir às oito da noite. O sono está pesado, mas alguém passa na rua, vê o cachorro do vizinho na sacada acesa e resolve fazer uma graça. O bicho não gosta daquilo e inicia o latido. É claro que você já acordou, mesmo com o sono pesado. O vizinho grita para o cão parar com aquilo e piora ainda mais a situação. O filho da puta que está lá embaixo desiste da brincadeira e vai embora. Mas, como ele é mesmo um filho da puta, resolve dar a volta no quarteirão e aparecer de surpresa para encher novamente a paciência do cachorro. E a sua, é claro.
Quando o cão mora em cima de você.... Além de todo o barulho dos latidos, existe ainda o som das patas do bichano arranhando o chão. Toda noite o animal resolve roçar as unhas cumpridas no carpete de madeira. Aquilo arrepia toda sua alma justamente quando você está relaxado, prestes a pegar no sono. É algo mais assustador do que morder papel alumínio quando se degusta um bombom de chocolate.
Não bastasse o problema do barulho, há a questão da higiene. Não adianta dizer que o cachorro é limpo, que não irá perturbar ninguém. Uma hora você estará no elevador, com a compra feita: pão, queijo, legumes, verduras e um maço de manjericão com a ponta para fora da sacola. O vizinho fará questão de entrar ali com o bicho. Ele tem a convicção de que você não se incomodará com isso. Afinal, o cãozinho dele, supostamente adorado por todos, toma banho com uma frequência invejável, não tem pulgas, usa xampu importado e não solta pêlos. Pois esse bichinho limpo chegará perto do maço de manjericão e enfiará o nariz nas pontas que estão para fora da sacola. Ainda insatisfeito com o cheiro, não hesitará em dar uma lambida nas folhinhas que você pensou em usar na pizza marguerita que pretende fazer. Depois, com feição de galhardia, irá se esconder por detrás das pernas do dono. Este, de modo cínico, encenará uma reprimenda falsa ao quadrúpede. A pizza já era.
Tudo bem: é óbvio que o bicho não tem culpa. Ele age por instinto. O responsável por essa situação é seu dono que, totalmente destituído de bom senso, entra nos elevadores como se estivessem vazios. Ele sempre achará que não há problema em pegar o mesmo elevador que o seu. Coitadinho do cachorro, ele não faz nada.
Ainda tem mais. Como o vizinho precisa levar o animal para passear e está frio, ele resolve fazer isso na garagem do subsolo, aquela mesma que você usa. O animal fica por ali correndo, passeando. Pára perto do pilar que fica ao lado da vaga do seu carro, levanta a perna e urina ali. Que mal isso tem?, pensa o vizinho. Nenhum, ele mesmo responde. Você entra na garagem com o carro, avista o cachorro e pensa que atropelá-lo seria a solução de alguns dos seus problemas. Contudo, bem diferente do vizinho, você é dotado de bom senso. Jamais atropelaria o bicho inocente. Em realidade, você adoraria atropelar o vizinho. Isso, entretanto, também está fora de questão. O animalzinho entra na sua frente, você breca e consegue conter o carro. Suspira aliviado. O incauto do vizinho faz cara feia. Olha para você como a reprovar sua conduta. Já emputecido, você desce do carro e, quando percebe, já pisou na urina que o cão deixou ali. Você não percebe, mas o vizinho está regozijando atrás de um pilar da garagem. Talvez esteja até gargalhando.
Precisa mais? Não, não precisa. A maioria das situações acima narradas é fictícia. Todavia, todas são factíveis, possíveis.
Honestamente, acho os cachorros criaturas adoráveis. Acho, também, que os defensores dos animais deveriam lutar pela promulgação de uma lei que impedisse qualquer ser humano de criar cachorros em apartamentos. Se estão realmente preocupados com a proteção desses animais, deveriam ponderar sobre as lamentáveis condições sob as quais são criados: sem espaço, sem contato com a natureza e subjugados a uma rotina que não é, nem de longe, adequada ao seu perfil. Isso certamente faria bem aos cães e ao homem.
Em tempo: minha avó sempre teve cachorros, era louca por eles. O dia em que mudou para um apartamento, teve a sensibilidade de perceber que seu amor por eles implicava em abdicar de sua companhia em lugar tão impróprio para criá-los.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
A imagem
A imagem - Roberto Barbato Jr
Conto publicado no Portal Literal
Quando a primeira pedra do prédio foi fincada na terra, todos suspeitaram de que sua construção seria uma falácia. A proposta das Irmãs Beneditinas era mesmo muito audaciosa. A julgar pela pouca tecnologia existente no início do século, uma obra com tais proporções só seria possível se se tratasse de um milagre. Anos depois, chegou-se a acreditar em sua ocorrência. O prédio estava pronto e sugeria existência eterna. Eterna seria também a lenda divulgada após a inauguração da enorme capela do colégio: o Vaticano havia cedido uma imagem de ouro maciço cravejada com diamantes para ostentar a beleza do novo templo católico. No dia em que fora rezada a primeira missa, a imagem desapareceu sem que ninguém soubesse o motivo. O fato teve repercussão nacional, sendo motivo de lamentações de toda sorte.
Hoje parece consensual a opinião de que lá foi criada a maior instituição educacional da pequena cidade. Associada às vantagens que se pode auferir de uma lenda, a simples intenção de educar os filhos das famílias tradicionais converteu-se em um eficaz instrumento de acúmulo de riqueza. Por trás de tanta pregação e devoção havia também o desejo imperioso de enriquecer o patrimônio da instituição. Muitas vezes criticadas por suas intenções um tanto duvidosas, as irmãs resolveram fazer ruir os comentários maldosos amiúde feitos pela comunidade. Assim, investiram em iniciativas filantrópicas, criando o Serviço de Assistência Psicológica, destinado aos jovens carentes. O projeto era tão pretensioso que para sua consecução foi chamada uma psicóloga de renome nacional: a doutora Maria Lúcia.
Saí da redação do jornal rumo ao Colégio. Malu estava ansiosa para me colocar a par do que a trouxera para a cidade depois de tantos anos.
– Mas isso é lenda, não tem fundamento, Malu – disse sem paciência.
– Não tinha fundamento. Agora tem.
– E qual é?
– A história é a seguinte: uma empresa da capital foi contratada para reformar o subsolo do colégio. A estrutura do prédio está comprometida. Existe um aposento que não será mexido, embora seu estado de conservação seja precário. As irmãs teimam em alegar que se trata de um lugar sagrado, porque é lá que está o cadáver do padre que rezou a primeira missa da capela. Para reestruturar as bases do aposento seria necessário exumar o cadáver e removê-lo para um outro lugar. Isso está fora de questão, pois elas jamais aceitariam um fato como esse.
– E o que tem a ver a tal imagem? – indaguei.
– Na revista da Congregação desse mês existe uma reportagem sobre a história do colégio. Dentre os inúmeros fatos narrados, estão registrados o episódio do desaparecimento da imagem e a primeira missa rezada. O padre é mencionado como uma figura enigmática, cujas relações com o clero da época estavam sujeitas a todo tipo de altercações.
– E daí?
– E daí que ele pode ter escondido a imagem. Talvez porque quisesse tirar proveito dela, talvez porque quisesse tê-la para sua contemplação exclusiva. Seja como for, se ela está aqui, seu lugar é junto ao cadáver do padre.
– Tudo bem. Se encontrarmos a imagem, o que faremos com ela?
– O que faremos? Desvendaremos a lenda. E não me parece que você se furtaria a publicar uma reportagem dessa importância. Ou será que estou enganada quanto às suas ambições profissionais?
A noite havia chegado. Acompanhei Malu até o colégio para que pudesse cuidar de suas instalações temporárias. Ela ficaria próxima à ala do misterioso quarto. Se fosse eu, recusaria uma proposta como essa: cadáver de padre enterrado no subsolo de um colégio de freiras? Nem que o tal projeto de assistência me pagasse em dólar. Das duas uma: ou Malu estava ficando louca como seus pacientes ou havia se convertido numa ávida especuladora de acontecimentos históricos. Marcamos encontro para às seis da tarde do dia seguinte.
Pude perceber que ela não estava tão à vontade como no dia anterior. Não dormira bem. Passara a noite ouvindo um som esquisito que vinha, provavelmente, do aposento do padre. Segundo seu relato, parecia uma música sacra, com muitas vozes e repentes graves. Ela então mudou de assunto, falando sobre o primeiro paciente que atendera durante a tarde: um rapaz que foi acolhido pelas irmãs e que prestava serviços de limpeza ao colégio em troca da moradia e refeição. Eventualmente manifestava alguns distúrbios mentais.
Dois dias depois, ao final do expediente, fui para casa. Em poucos minutos recebi a visita de minha amiga.
– Lembra do Alaor? – perguntou ofegante.
– Sei, o bonzinho que bate fora do bumbo!
– Hoje ele teve uma crise. Tentou abrir a porta do quarto do padre. Disse que Deus chamou por ele a noite inteira.
Em face das minhas risadas, Malu repreendeu-me com um olhar severo. Falou-me que o rapaz também tinha ouvido aqueles sons procedentes do quarto misterioso. Era de supor que Deus o tivesse chamado por meio da música. Mas, que música seria tão imponente a esse ponto? O moleque até podia ser louco, mas, achar que Deus fosse cantar para ele, era um grande exagero.
– Ninguém entra lá. Só a madre – ela disse. – Isso só reforça as minhas suspeitas. Por que motivo ela vetaria a entrada das outras irmãs?
– Onde ela dorme? – Suspeitei que fosse junto ao padre.
– Num quarto ao lado do meu.
Acendi um cigarro e comecei a pensar alto:
– Bom, até agora temos o seguinte: na história toda existe uma imagem preciosa, um defunto e um louco. Por razões diferentes da nossa, o louco quer entrar no quarto e é bem possível que não desista, a menos que a música pare de tocar. Se a imagem está lá e nós quisermos descobrir, temos que entrar antes dele. Do contrário, a lenda terá vida longa. Ainda que ele descubra a existência da imagem, ninguém iria acreditar num sujeito como ele.
– E o senhor sabe me dizer como fazer para entrar lá? – ela perguntou insinuando que eu só falara o óbvio.
– Isso é você quem tem de descobrir...
Levei-a ao colégio. Naquela noite pude acompanhá-la até a ala íntima. Antes que ela se despedisse de mim, apontou-me o aposento sagrado. Consegui ouvir a tal música. Não restava dúvida alguma: era o Réquiem de Mozart. Pude perceber, então, que não se tratava de uma música qualquer. Aquilo faria com que até os homens mais sóbrios pudessem enlouquecer. Alaor devia ter razão: Deus estava cantando.
Passaram-se alguns dias. A música continuava a tocar e o rapaz insistia na sua atitude suspeita. Chegamos à conclusão de que havia um ritual diário praticado pela madre superiora: toda noite ela entrava no aposento e colocava o Réquiem para cultuar a alma do padre. Malu passou a frequentar seu quarto, aos finais de tarde, com o pretexto de passar informações sobre o tratamento de Alaor. Era a oportunidade que esperávamos. A chave deveria estar escondida lá. Não foi preciso mais que duas visitas para notar a existência de uma Bíblia com fundo falso.
Na madrugada de uma sexta-feira acordei com um telefonema de Malu. A mensagem que ela me deu foi literalmente telegráfica:
– Tire cópia da chave embaixo do meu carro. Estacionamento do colégio. Devolva antes de amanhecer.
Como eu iria fazer tudo aquilo?
Acordei o chaveiro que conhecia, fiz a cópia da chave e a coloquei no lugar em que a encontrara. Não dormi. Cheguei à redação antes de todo mundo e resolvi pesquisar o arquivo do jornal. Encontrei material sobre a família de Alaor. Curiosamente, seus parentes eram proprietários de uma joalheria na capital. A pesquisa foi interrompida pelo telefonema de Malu.
– Pode ser impressão minha, mas acho que o rapazinho tem um outro motivo para entrar no quarto do padre. O moleque é um delinqüente, isso sim – falei com tom debochado.
– Como, delinqüente? Clinicamente ele é louco.
– Então é um louco safado!
Ela me contou que só foi possível pegar a chave quando viu a madre sair do aposento sagrado, por volta das três da manhã. Naquele momento a música tinha parado de tocar. A madre já estava pronta para dormir quando Alaor teve uma crise e começou a bater na porta de seu quarto. Foi aí que Malu se prontificou a ajudá-la e apanhou a chave que já estava no fundo falso da Bíblia. Até o dia raiar, sua falta não seria notada. Depois, bastaria uma desculpa qualquer para repô-la: minha amiga lhe pediu uma aspirina e fez a reposição.
Como a restauração do colégio começaria em breve, resolvemos entrar no quarto no dia seguinte. Restava saber o que faríamos se a imagem estivesse lá. A fim de lograr a credibilidade da população decidimos levar uma filmadora para registrar sua existência. Depois disso, publicaria meu furo de reportagem sobre o sumiço da preciosa imagem e sairia do anonimato jornalístico.
No dia seguinte, almocei com Malu, que me confirmou o horário do ritual macabro e me disse também que Alaor andava de vigília. Ele acompanhava cada movimento de quem quer que fosse no corredor escuro. Combinamos executar nosso plano às três e quinze da madrugada.
Após o expediente, encontramo-nos para repassar todo o itinerário a ser cumprido. Fui para casa, tomei banho e esperei até as três horas. Parti para o colégio. Encontrei Malu no estacionamento. Entramos sorrateiramente na parte íntima do prédio. Não havia sequer uma única lâmpada acesa. Com a exígua luminosidade da minha lanterna chegamos à porta do aposento. Entramos e acendemos um abajur pequeno situado no chão, ao lado direito da porta. Quanto à Malu não sei, mas fui tomado por um medo assombroso. Aquilo era uma filial do inferno! No escuro, o túmulo do padre assumia proporções grandiosas e a vetustez do material empregado em sua construção imprimia um aspecto mórbido ao lugar. A pintura do teto parecia uma reprodução da Capela Sistina fazendo com que, paradoxalmente, aquelas gravuras atenuassem o clima tétrico. Enquanto Malu procurava pela imagem, eu ia iluminando seu caminho com a lanterna. Sem ter a mínima intenção, bati na quina de uma mesa de mármore e avistei a imagem. Nós estávamos diante de algo absolutamente real, alheio a qualquer invenção. A razão de tanto mistério só poderia ser encontrada na beleza plástica e no valor material daquele objeto.
– A filmadora – murmurou Malu ainda perplexa diante da descoberta.
Jamais me perdoaria: eu a havia esquecido. Ficamos admirando o brilho dos diamantes cravados na imagem. Chegamos a pensar em tirá-la dali, mas nossa postura moral jamais permitiria. Como já tínhamos a chave e sabíamos como proceder novamente, não nos preocupamos. Meu dia de glória estava por vir. Eufóricos e quase realizados pela descoberta, fomos embora de lá. Voltaríamos na noite seguinte. Cheguei em casa e desmaiei de sono no sofá.
Assim que amanheceu tocou o telefone. Falei com Malu e saí às pressas. Cheguei ao colégio em pouco tempo. Um tumulto na entrada me fez perceber que alguma coisa estranha havia acontecido. As irmãs estavam reunidas em frente ao mausoléu do padre. Malu aguardava por mim com uma expressão sôfrega. Deram-me passagem e entrei no quarto, como se não o conhecesse. O Réquiem era tocado e, daquela vez, o Offertorium ecoava por todo o colégio. Ao lado do túmulo do padre, encontrava-se a madre superiora. Inteira retalhada, com o rosto exangue e um pequeno terço na mão esquerda, ela ainda agonizava. Suspirou e morreu.
Imediatamente olhei para a mesa de mármore e senti falta da imagem. Certamente Alaor a teria levado. Minhas últimas esperanças de sucesso foram por água abaixo. A expectativa de tornar pública uma realidade desconhecida não passava de uma grande quimera e o fato de ter desvendado o enigma em nada me consolava. Mesmo que jurássemos diante das câmeras de TV, ninguém acreditaria em nós. A cidade inteira continuaria especulando sobre a lenda. Ela seria definitivamente eterna.
Conto publicado no Portal Literal
Quando a primeira pedra do prédio foi fincada na terra, todos suspeitaram de que sua construção seria uma falácia. A proposta das Irmãs Beneditinas era mesmo muito audaciosa. A julgar pela pouca tecnologia existente no início do século, uma obra com tais proporções só seria possível se se tratasse de um milagre. Anos depois, chegou-se a acreditar em sua ocorrência. O prédio estava pronto e sugeria existência eterna. Eterna seria também a lenda divulgada após a inauguração da enorme capela do colégio: o Vaticano havia cedido uma imagem de ouro maciço cravejada com diamantes para ostentar a beleza do novo templo católico. No dia em que fora rezada a primeira missa, a imagem desapareceu sem que ninguém soubesse o motivo. O fato teve repercussão nacional, sendo motivo de lamentações de toda sorte.
Hoje parece consensual a opinião de que lá foi criada a maior instituição educacional da pequena cidade. Associada às vantagens que se pode auferir de uma lenda, a simples intenção de educar os filhos das famílias tradicionais converteu-se em um eficaz instrumento de acúmulo de riqueza. Por trás de tanta pregação e devoção havia também o desejo imperioso de enriquecer o patrimônio da instituição. Muitas vezes criticadas por suas intenções um tanto duvidosas, as irmãs resolveram fazer ruir os comentários maldosos amiúde feitos pela comunidade. Assim, investiram em iniciativas filantrópicas, criando o Serviço de Assistência Psicológica, destinado aos jovens carentes. O projeto era tão pretensioso que para sua consecução foi chamada uma psicóloga de renome nacional: a doutora Maria Lúcia.
Saí da redação do jornal rumo ao Colégio. Malu estava ansiosa para me colocar a par do que a trouxera para a cidade depois de tantos anos.
– Mas isso é lenda, não tem fundamento, Malu – disse sem paciência.
– Não tinha fundamento. Agora tem.
– E qual é?
– A história é a seguinte: uma empresa da capital foi contratada para reformar o subsolo do colégio. A estrutura do prédio está comprometida. Existe um aposento que não será mexido, embora seu estado de conservação seja precário. As irmãs teimam em alegar que se trata de um lugar sagrado, porque é lá que está o cadáver do padre que rezou a primeira missa da capela. Para reestruturar as bases do aposento seria necessário exumar o cadáver e removê-lo para um outro lugar. Isso está fora de questão, pois elas jamais aceitariam um fato como esse.
– E o que tem a ver a tal imagem? – indaguei.
– Na revista da Congregação desse mês existe uma reportagem sobre a história do colégio. Dentre os inúmeros fatos narrados, estão registrados o episódio do desaparecimento da imagem e a primeira missa rezada. O padre é mencionado como uma figura enigmática, cujas relações com o clero da época estavam sujeitas a todo tipo de altercações.
– E daí?
– E daí que ele pode ter escondido a imagem. Talvez porque quisesse tirar proveito dela, talvez porque quisesse tê-la para sua contemplação exclusiva. Seja como for, se ela está aqui, seu lugar é junto ao cadáver do padre.
– Tudo bem. Se encontrarmos a imagem, o que faremos com ela?
– O que faremos? Desvendaremos a lenda. E não me parece que você se furtaria a publicar uma reportagem dessa importância. Ou será que estou enganada quanto às suas ambições profissionais?
A noite havia chegado. Acompanhei Malu até o colégio para que pudesse cuidar de suas instalações temporárias. Ela ficaria próxima à ala do misterioso quarto. Se fosse eu, recusaria uma proposta como essa: cadáver de padre enterrado no subsolo de um colégio de freiras? Nem que o tal projeto de assistência me pagasse em dólar. Das duas uma: ou Malu estava ficando louca como seus pacientes ou havia se convertido numa ávida especuladora de acontecimentos históricos. Marcamos encontro para às seis da tarde do dia seguinte.
Pude perceber que ela não estava tão à vontade como no dia anterior. Não dormira bem. Passara a noite ouvindo um som esquisito que vinha, provavelmente, do aposento do padre. Segundo seu relato, parecia uma música sacra, com muitas vozes e repentes graves. Ela então mudou de assunto, falando sobre o primeiro paciente que atendera durante a tarde: um rapaz que foi acolhido pelas irmãs e que prestava serviços de limpeza ao colégio em troca da moradia e refeição. Eventualmente manifestava alguns distúrbios mentais.
Dois dias depois, ao final do expediente, fui para casa. Em poucos minutos recebi a visita de minha amiga.
– Lembra do Alaor? – perguntou ofegante.
– Sei, o bonzinho que bate fora do bumbo!
– Hoje ele teve uma crise. Tentou abrir a porta do quarto do padre. Disse que Deus chamou por ele a noite inteira.
Em face das minhas risadas, Malu repreendeu-me com um olhar severo. Falou-me que o rapaz também tinha ouvido aqueles sons procedentes do quarto misterioso. Era de supor que Deus o tivesse chamado por meio da música. Mas, que música seria tão imponente a esse ponto? O moleque até podia ser louco, mas, achar que Deus fosse cantar para ele, era um grande exagero.
– Ninguém entra lá. Só a madre – ela disse. – Isso só reforça as minhas suspeitas. Por que motivo ela vetaria a entrada das outras irmãs?
– Onde ela dorme? – Suspeitei que fosse junto ao padre.
– Num quarto ao lado do meu.
Acendi um cigarro e comecei a pensar alto:
– Bom, até agora temos o seguinte: na história toda existe uma imagem preciosa, um defunto e um louco. Por razões diferentes da nossa, o louco quer entrar no quarto e é bem possível que não desista, a menos que a música pare de tocar. Se a imagem está lá e nós quisermos descobrir, temos que entrar antes dele. Do contrário, a lenda terá vida longa. Ainda que ele descubra a existência da imagem, ninguém iria acreditar num sujeito como ele.
– E o senhor sabe me dizer como fazer para entrar lá? – ela perguntou insinuando que eu só falara o óbvio.
– Isso é você quem tem de descobrir...
Levei-a ao colégio. Naquela noite pude acompanhá-la até a ala íntima. Antes que ela se despedisse de mim, apontou-me o aposento sagrado. Consegui ouvir a tal música. Não restava dúvida alguma: era o Réquiem de Mozart. Pude perceber, então, que não se tratava de uma música qualquer. Aquilo faria com que até os homens mais sóbrios pudessem enlouquecer. Alaor devia ter razão: Deus estava cantando.
Passaram-se alguns dias. A música continuava a tocar e o rapaz insistia na sua atitude suspeita. Chegamos à conclusão de que havia um ritual diário praticado pela madre superiora: toda noite ela entrava no aposento e colocava o Réquiem para cultuar a alma do padre. Malu passou a frequentar seu quarto, aos finais de tarde, com o pretexto de passar informações sobre o tratamento de Alaor. Era a oportunidade que esperávamos. A chave deveria estar escondida lá. Não foi preciso mais que duas visitas para notar a existência de uma Bíblia com fundo falso.
Na madrugada de uma sexta-feira acordei com um telefonema de Malu. A mensagem que ela me deu foi literalmente telegráfica:
– Tire cópia da chave embaixo do meu carro. Estacionamento do colégio. Devolva antes de amanhecer.
Como eu iria fazer tudo aquilo?
Acordei o chaveiro que conhecia, fiz a cópia da chave e a coloquei no lugar em que a encontrara. Não dormi. Cheguei à redação antes de todo mundo e resolvi pesquisar o arquivo do jornal. Encontrei material sobre a família de Alaor. Curiosamente, seus parentes eram proprietários de uma joalheria na capital. A pesquisa foi interrompida pelo telefonema de Malu.
– Pode ser impressão minha, mas acho que o rapazinho tem um outro motivo para entrar no quarto do padre. O moleque é um delinqüente, isso sim – falei com tom debochado.
– Como, delinqüente? Clinicamente ele é louco.
– Então é um louco safado!
Ela me contou que só foi possível pegar a chave quando viu a madre sair do aposento sagrado, por volta das três da manhã. Naquele momento a música tinha parado de tocar. A madre já estava pronta para dormir quando Alaor teve uma crise e começou a bater na porta de seu quarto. Foi aí que Malu se prontificou a ajudá-la e apanhou a chave que já estava no fundo falso da Bíblia. Até o dia raiar, sua falta não seria notada. Depois, bastaria uma desculpa qualquer para repô-la: minha amiga lhe pediu uma aspirina e fez a reposição.
Como a restauração do colégio começaria em breve, resolvemos entrar no quarto no dia seguinte. Restava saber o que faríamos se a imagem estivesse lá. A fim de lograr a credibilidade da população decidimos levar uma filmadora para registrar sua existência. Depois disso, publicaria meu furo de reportagem sobre o sumiço da preciosa imagem e sairia do anonimato jornalístico.
No dia seguinte, almocei com Malu, que me confirmou o horário do ritual macabro e me disse também que Alaor andava de vigília. Ele acompanhava cada movimento de quem quer que fosse no corredor escuro. Combinamos executar nosso plano às três e quinze da madrugada.
Após o expediente, encontramo-nos para repassar todo o itinerário a ser cumprido. Fui para casa, tomei banho e esperei até as três horas. Parti para o colégio. Encontrei Malu no estacionamento. Entramos sorrateiramente na parte íntima do prédio. Não havia sequer uma única lâmpada acesa. Com a exígua luminosidade da minha lanterna chegamos à porta do aposento. Entramos e acendemos um abajur pequeno situado no chão, ao lado direito da porta. Quanto à Malu não sei, mas fui tomado por um medo assombroso. Aquilo era uma filial do inferno! No escuro, o túmulo do padre assumia proporções grandiosas e a vetustez do material empregado em sua construção imprimia um aspecto mórbido ao lugar. A pintura do teto parecia uma reprodução da Capela Sistina fazendo com que, paradoxalmente, aquelas gravuras atenuassem o clima tétrico. Enquanto Malu procurava pela imagem, eu ia iluminando seu caminho com a lanterna. Sem ter a mínima intenção, bati na quina de uma mesa de mármore e avistei a imagem. Nós estávamos diante de algo absolutamente real, alheio a qualquer invenção. A razão de tanto mistério só poderia ser encontrada na beleza plástica e no valor material daquele objeto.
– A filmadora – murmurou Malu ainda perplexa diante da descoberta.
Jamais me perdoaria: eu a havia esquecido. Ficamos admirando o brilho dos diamantes cravados na imagem. Chegamos a pensar em tirá-la dali, mas nossa postura moral jamais permitiria. Como já tínhamos a chave e sabíamos como proceder novamente, não nos preocupamos. Meu dia de glória estava por vir. Eufóricos e quase realizados pela descoberta, fomos embora de lá. Voltaríamos na noite seguinte. Cheguei em casa e desmaiei de sono no sofá.
Assim que amanheceu tocou o telefone. Falei com Malu e saí às pressas. Cheguei ao colégio em pouco tempo. Um tumulto na entrada me fez perceber que alguma coisa estranha havia acontecido. As irmãs estavam reunidas em frente ao mausoléu do padre. Malu aguardava por mim com uma expressão sôfrega. Deram-me passagem e entrei no quarto, como se não o conhecesse. O Réquiem era tocado e, daquela vez, o Offertorium ecoava por todo o colégio. Ao lado do túmulo do padre, encontrava-se a madre superiora. Inteira retalhada, com o rosto exangue e um pequeno terço na mão esquerda, ela ainda agonizava. Suspirou e morreu.
Imediatamente olhei para a mesa de mármore e senti falta da imagem. Certamente Alaor a teria levado. Minhas últimas esperanças de sucesso foram por água abaixo. A expectativa de tornar pública uma realidade desconhecida não passava de uma grande quimera e o fato de ter desvendado o enigma em nada me consolava. Mesmo que jurássemos diante das câmeras de TV, ninguém acreditaria em nós. A cidade inteira continuaria especulando sobre a lenda. Ela seria definitivamente eterna.
sábado, 9 de outubro de 2010
Periquito não fala
Ainda na infância, talvez pré-adolescência, meti na cabeça que queria um papagaio. O bicho, por certo, falaria, conversaria, talvez trocasse idéias.... Era uma imagem bastante interessante – e equivocada – aquela que criei a respeito dele.
- Pode ser periquito?, perguntaram-me.
- Não, não pode. Tem que ser papagaio.
- Por quê?
- Papagaio fala. Periquito, não.
- Fala, sim. Se você treinar o bicho, ele fala. Mesmo sendo periquito.
- Quero um papagaio!
De nada adiantou a resistência. Ganhei mesmo foi periquito. Dois, aliás. Verdinhos. Ok, se eles falam, vamos lá, pensei. Comecei a provocá-los na expectativa de que, repentinamente, fossem emitir algum som que se aproximasse da língua portuguesa. Som não faltou: fizeram muito barulho. Durante a noite a coisa era difícil e, ao raiar do dia, estavam já em polvorosa. Era um sufoco. Comiam, bebiam, cagavam aos montes e gastavam muito jornal. O cheiro da gaiola também era horrível, tinha uma capacidade de propagação fantástica.
Acho que um mês foi tempo mais que suficiente para me desiludir. Aos poucos fui descuidando deles. Minha mãe generosamente assumiu o trato dos dois. Logo, contudo, se cansou. O assunto virou motivo de discussão familiar. Alguma coisa deveria ser feita com os periquitos. Abriríamos a gaiola e deixaríamos que os dois se libertassem. Era, por certo, o que mais desejavam.
A gaiola foi aberta. Um deles hesitou no primeiro momento. Depois, colocou o bico para fora, se ajeitou e bateu asas. Foi em direção ao local que sabíamos ser o campo de futebol do clube, localizado em frente de casa. Metade do problema estava resolvido.
O outro periquito, desconfiado, não quis sair do cativeiro. Nada havia a fazer senão doá-lo. Foi o que fizemos. Levaram-no para casa da Geni, a doméstica de então. Na semana seguinte, ao indagar a ela como estava o bichano, fui informado de que havia sido devorado.
- Como?
- O gato comeu ele – respondeu Geni com a expressão mais tranquila do mundo.
- Mas, comeu com gaiola e tudo?
É óbvio que algum infeliz tirou o coitado da gaiola. Eu sabia disso, mas queria que ela confessasse, justamente para admitir que foram imprudentes com o bicho.
Com uma cara-de-pau inenarrável, ela disse:
- Ele escapou da gaiola!
Depois que a raiva passou, fiquei um bocado chateado e decidi que não teria mais bicho algum. Havia chegado à conclusão de que não valeria a pena. Além dessa, cheguei a outra conclusão: periquito não fala.
- Pode ser periquito?, perguntaram-me.
- Não, não pode. Tem que ser papagaio.
- Por quê?
- Papagaio fala. Periquito, não.
- Fala, sim. Se você treinar o bicho, ele fala. Mesmo sendo periquito.
- Quero um papagaio!
De nada adiantou a resistência. Ganhei mesmo foi periquito. Dois, aliás. Verdinhos. Ok, se eles falam, vamos lá, pensei. Comecei a provocá-los na expectativa de que, repentinamente, fossem emitir algum som que se aproximasse da língua portuguesa. Som não faltou: fizeram muito barulho. Durante a noite a coisa era difícil e, ao raiar do dia, estavam já em polvorosa. Era um sufoco. Comiam, bebiam, cagavam aos montes e gastavam muito jornal. O cheiro da gaiola também era horrível, tinha uma capacidade de propagação fantástica.
Acho que um mês foi tempo mais que suficiente para me desiludir. Aos poucos fui descuidando deles. Minha mãe generosamente assumiu o trato dos dois. Logo, contudo, se cansou. O assunto virou motivo de discussão familiar. Alguma coisa deveria ser feita com os periquitos. Abriríamos a gaiola e deixaríamos que os dois se libertassem. Era, por certo, o que mais desejavam.
A gaiola foi aberta. Um deles hesitou no primeiro momento. Depois, colocou o bico para fora, se ajeitou e bateu asas. Foi em direção ao local que sabíamos ser o campo de futebol do clube, localizado em frente de casa. Metade do problema estava resolvido.
O outro periquito, desconfiado, não quis sair do cativeiro. Nada havia a fazer senão doá-lo. Foi o que fizemos. Levaram-no para casa da Geni, a doméstica de então. Na semana seguinte, ao indagar a ela como estava o bichano, fui informado de que havia sido devorado.
- Como?
- O gato comeu ele – respondeu Geni com a expressão mais tranquila do mundo.
- Mas, comeu com gaiola e tudo?
É óbvio que algum infeliz tirou o coitado da gaiola. Eu sabia disso, mas queria que ela confessasse, justamente para admitir que foram imprudentes com o bicho.
Com uma cara-de-pau inenarrável, ela disse:
- Ele escapou da gaiola!
Depois que a raiva passou, fiquei um bocado chateado e decidi que não teria mais bicho algum. Havia chegado à conclusão de que não valeria a pena. Além dessa, cheguei a outra conclusão: periquito não fala.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Segundo turno
Ninguém deu aquele voto! Aquele que poderia tornar Dilma Rousseff Presidente da República. Vamos, então, ao segundo turno. Felizmente....
sábado, 2 de outubro de 2010
Pergunta básica
Não me lembro de uma eleição presidencial cujas pesquisas eleitorais apontavam alguma incerteza relativamente ao resultado. Ainda que houvesse disputa acirrada, as pesquisas indicavam sempre o vencedor ou a existência do segundo turno. Nunca houve nenhum desencontro nesse sentido....
Agora há pouco, quando liguei o computador, vi que o Datafolha, em pesquisa realizada ontem e hoje, apontou para 50% das intenções de voto para Dilma Rousseff, sendo os demais 50% distribuídos entre os demais candidatos. Supondo ser precisa a aferição da pesquisa, Dilma somente será eleita amanhã Presidente do Brasil se tiver um voto a mais a seu favor. Ou seja, tendo os 50% dos votos computados pelo Datafolha mais um único voto, estará no Palácio do Planalto.
Minha pergunta é simples: de quem será esse voto?
Agora há pouco, quando liguei o computador, vi que o Datafolha, em pesquisa realizada ontem e hoje, apontou para 50% das intenções de voto para Dilma Rousseff, sendo os demais 50% distribuídos entre os demais candidatos. Supondo ser precisa a aferição da pesquisa, Dilma somente será eleita amanhã Presidente do Brasil se tiver um voto a mais a seu favor. Ou seja, tendo os 50% dos votos computados pelo Datafolha mais um único voto, estará no Palácio do Planalto.
Minha pergunta é simples: de quem será esse voto?
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Mudança ?
Pois é.... O blog mudou de cara, de design, de forma. O conteúdo continua o mesmo, as mesmas besteiras, a mesma falta de compromisso e aquela necessidade de justificar coisas injustificáveis.
No fundo, nada mudou. Ou, como diria o personagem de Lampedusa, "para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude".
Sigamos, enfim....
No fundo, nada mudou. Ou, como diria o personagem de Lampedusa, "para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude".
Sigamos, enfim....
domingo, 19 de setembro de 2010
Cagaram no Arco-Íris
Com essa história de baixar músicas da internet, nunca sabemos, ao certo, o que estamos adquirindo. Por várias vezes, ao encontrar um título, fiquei animadíssimo. Contudo, depois de baixado o arquivo, percebi que a música pretendida era outra.
Também acontece de adquirir uma canção como se ela fosse interpretada por alguém que nem sequer a cantou. Quando se trata de música instrumental, a coisa é ainda mais complicada.
Foi o que me aconteceu recentemente. Encontrei na rede Somewhere Over the Rainbow, clássico interpretado por vários ícones da música norte-americana, entre eles Ray Charles. Baixei o arquivo porque notei que a interpretação era do Deep Purple. Isso, em si, já era motivo suficiente para aguçar minha curiosidade.
Ouvi a música e fiquei embasbacado. É belíssima a interpretação na guitarra, com agudos e escalas comedidas. Fiquei imaginando Ritchie Blackmore tocando aquela obra-prima com seu inegável virtuosismo. A curiosidade foi, contudo, além da audição da música. Busquei na rede informações sobre a gravação. Se Deep Purple gravou aquilo, deveria haver referência em um de seus discos....
Qual não foi minha surpresa ao notar que vários guitarristas gravaram o clássico? O time é feito só de craques. Se não me engano, estão entre eles Jeff Beck, Jimi Hendrix, Steve Vai, Yngwie Malmsteen, Ritchie Blackmore e Eric Clapton.
Repentinamente, descobri que a versão por mim baixada não era do Deep Purple e tampouco desses guitarristas mencionados. Era do Joe Satriani, cujas mãos flutuam sobre as cordas da guitarra como se fizesse mágica.
Bastante animado, enviei a música para meu pai com uma frase lacônica: "Ouça isso". Por conhecer tantas interpretações, supunha que fosse achar original o arranjo do Satriani e sua banda. Esqueci-me, entretanto, que ele não aprecia virtuosismos.
A resposta, bastante jocosa, não se fez esperar:
- Estridente demais. Para mim, esse conjuntinho cagou no arco-íris.
Também acontece de adquirir uma canção como se ela fosse interpretada por alguém que nem sequer a cantou. Quando se trata de música instrumental, a coisa é ainda mais complicada.
Foi o que me aconteceu recentemente. Encontrei na rede Somewhere Over the Rainbow, clássico interpretado por vários ícones da música norte-americana, entre eles Ray Charles. Baixei o arquivo porque notei que a interpretação era do Deep Purple. Isso, em si, já era motivo suficiente para aguçar minha curiosidade.
Ouvi a música e fiquei embasbacado. É belíssima a interpretação na guitarra, com agudos e escalas comedidas. Fiquei imaginando Ritchie Blackmore tocando aquela obra-prima com seu inegável virtuosismo. A curiosidade foi, contudo, além da audição da música. Busquei na rede informações sobre a gravação. Se Deep Purple gravou aquilo, deveria haver referência em um de seus discos....
Qual não foi minha surpresa ao notar que vários guitarristas gravaram o clássico? O time é feito só de craques. Se não me engano, estão entre eles Jeff Beck, Jimi Hendrix, Steve Vai, Yngwie Malmsteen, Ritchie Blackmore e Eric Clapton.
Repentinamente, descobri que a versão por mim baixada não era do Deep Purple e tampouco desses guitarristas mencionados. Era do Joe Satriani, cujas mãos flutuam sobre as cordas da guitarra como se fizesse mágica.
Bastante animado, enviei a música para meu pai com uma frase lacônica: "Ouça isso". Por conhecer tantas interpretações, supunha que fosse achar original o arranjo do Satriani e sua banda. Esqueci-me, entretanto, que ele não aprecia virtuosismos.
A resposta, bastante jocosa, não se fez esperar:
- Estridente demais. Para mim, esse conjuntinho cagou no arco-íris.
domingo, 12 de setembro de 2010
Ainda política: opções e anulação
Estou parecendo alguns políticos: prometi que não falaria de política aqui. No entanto....
Meu desânimo com a política é tão grande que fico receoso de chegar à conclusão de que vale a pena anular meus votos.
Nunca anulei voto algum. Nunca. Nem mesmo quando tive de optar, no segundo turno de uma eleição majoritária, entre o capeta e o coisa-ruim. Fui para a urna com uma sensação terrível, sabendo que um dos dois fatalmente ganharia o pleito eleitoral. Se fosse o coisa-ruim, estaríamos perdidos. Se fosse o capeta, seria pior ainda. Depois, inferi que os dois seriam desastrosos. Ambos eram realmente terríveis e, sob todos os pontos de vista, tinham suas trajetórias maculadas por toda sorte de desventuras morais e éticas. Pois bem, acho que o coisa-ruim virou o capeta e piorou ainda mais a situação. O outro capeta, excluído do poder, continuou com sua sanha antiquada, mas ainda bastante sedutora para os quadros reacionários da nossa sociedade.
Essa experiência deveria ter servido para me mostrar que, em certas situações, é realmente desejável que se anule o voto. Todavia, até hoje não me convenci disso. Explico minhas razões de forma simples.
Não tenho dúvida sobre a necessidade de refinar, na nossa sociedade, os instrumentos políticos e o processo eleitoral. E não se pode fazer isso abrindo mão da representatividade. É fundamental que aqueles desejosos de melhorar o mundo em que vivem assumam compromissos políticos, tal como assumem compromissos profissionais, sentimentais e religiosos. Disso defluirá a possibilidade de alcançar a maturidade política. Aliás, a educação política deve iniciar-se ainda na fase de desenvolvimento intelectual e cultural do indivíduo. Discutir política, ao contrário do infame ditado popular, é essencial para o amadurecimento da sociedade.
Avaliar propostas e debater programas político-partidários são formas indiretas de intervenção na realidade social. Associado a elas, a escolha de candidatos em pleitos eleitorais cumpre um papel sobremaneira importante para a organização da própria sociedade.
Assim, ainda que repute pertinente sob determinadas situações, discordo da idéia de que o voto nulo é uma forma de protesto. Que protesto é esse? Qual é seu alcance? Qual é o seu sentido prático? O que esse protesto nos diz na discussão da agenda política?
Protesta-se, afinal, contra o quê?
Alguns protestam contra a obrigatoriedade do voto. Não admitem nenhum tipo de imposição e, por isso, se furtam a votar. Não sabemos, entretanto, se não se trata de uma boa desculpa, um grande álibi, que justificaria a alienação política de tanta gente. E se o sufrágio fosse facultativo? Será que os protestos existiriam? Não haveria, porventura, outra razão para se anular o voto? Não se criaria outro álibi para a velha apatia política?
Enfim, não consigo, ainda, elidir a idéia de que todos nós devemos assumir compromissos políticos e não consigo ver a anulação do voto como protesto concreto, viável e útil.
Mário de Andrade tinha toda a razão quando, há vários anos, disse que vivemos a idade política do homem e que a ela temos de servir. Por que não fazemos isso?
Meu desânimo com a política é tão grande que fico receoso de chegar à conclusão de que vale a pena anular meus votos.
Nunca anulei voto algum. Nunca. Nem mesmo quando tive de optar, no segundo turno de uma eleição majoritária, entre o capeta e o coisa-ruim. Fui para a urna com uma sensação terrível, sabendo que um dos dois fatalmente ganharia o pleito eleitoral. Se fosse o coisa-ruim, estaríamos perdidos. Se fosse o capeta, seria pior ainda. Depois, inferi que os dois seriam desastrosos. Ambos eram realmente terríveis e, sob todos os pontos de vista, tinham suas trajetórias maculadas por toda sorte de desventuras morais e éticas. Pois bem, acho que o coisa-ruim virou o capeta e piorou ainda mais a situação. O outro capeta, excluído do poder, continuou com sua sanha antiquada, mas ainda bastante sedutora para os quadros reacionários da nossa sociedade.
Essa experiência deveria ter servido para me mostrar que, em certas situações, é realmente desejável que se anule o voto. Todavia, até hoje não me convenci disso. Explico minhas razões de forma simples.
Não tenho dúvida sobre a necessidade de refinar, na nossa sociedade, os instrumentos políticos e o processo eleitoral. E não se pode fazer isso abrindo mão da representatividade. É fundamental que aqueles desejosos de melhorar o mundo em que vivem assumam compromissos políticos, tal como assumem compromissos profissionais, sentimentais e religiosos. Disso defluirá a possibilidade de alcançar a maturidade política. Aliás, a educação política deve iniciar-se ainda na fase de desenvolvimento intelectual e cultural do indivíduo. Discutir política, ao contrário do infame ditado popular, é essencial para o amadurecimento da sociedade.
Avaliar propostas e debater programas político-partidários são formas indiretas de intervenção na realidade social. Associado a elas, a escolha de candidatos em pleitos eleitorais cumpre um papel sobremaneira importante para a organização da própria sociedade.
Assim, ainda que repute pertinente sob determinadas situações, discordo da idéia de que o voto nulo é uma forma de protesto. Que protesto é esse? Qual é seu alcance? Qual é o seu sentido prático? O que esse protesto nos diz na discussão da agenda política?
Protesta-se, afinal, contra o quê?
Alguns protestam contra a obrigatoriedade do voto. Não admitem nenhum tipo de imposição e, por isso, se furtam a votar. Não sabemos, entretanto, se não se trata de uma boa desculpa, um grande álibi, que justificaria a alienação política de tanta gente. E se o sufrágio fosse facultativo? Será que os protestos existiriam? Não haveria, porventura, outra razão para se anular o voto? Não se criaria outro álibi para a velha apatia política?
Enfim, não consigo, ainda, elidir a idéia de que todos nós devemos assumir compromissos políticos e não consigo ver a anulação do voto como protesto concreto, viável e útil.
Mário de Andrade tinha toda a razão quando, há vários anos, disse que vivemos a idade política do homem e que a ela temos de servir. Por que não fazemos isso?
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Opções políticas
Já não encontro mais desculpas para justificar comentários políticos aqui no blog. Então, vamos lá.
As eleições se aproximam. Desta vez, não condicionarei meus votos à filiação partidária dos candidatos. Antes da minha desilusão com um certo senhor e seu partido, acreditava na necessidade de criar uma cultura política que valorizasse os partidos, que primasse pela fidelidade partidária, que concorresse para a conquista da coerência das condutas ligadas à administração da coisa pública.
Era mais ou menos isso que norteava minha concepção política. Muitas vezes deixei de votar em um candidato que acreditava ser sério e competente apenas porque ele não estava filiado a um partido que correspondesse, ao menos em tese, àquilo que reputava relevante em matéria política. Cheguei a votar em partidos, e não em candidatos. Entendia a lição de Gramsci – segundo a qual o partido político moderno é a expressão fiel do príncipe descrito por Maquiavel – como uma máxima que deveria ser seguida.
Se havia um político num partido liberal, ainda que tivesse grandes virtudes pessoais, meu voto não era dele. Se tivesse, igualmente, enormes virtudes políticas, tanto fazia: não votava nele. A legenda, a ideologia partidária e a trajetória daquele partido no Brasil me impediam de fazê-lo.
Embora nunca tenha me filiado a ele, tinha em alta conta aquele partido que, a despeito de todas as suas deficiências, não aceitava políticos que pudessem incorrer em condutas moralmente questionáveis ou ilícitas. Nele, dissessem o que quisessem, não havia nenhum político envolvido com escândalos, com fraudes ou bandalheiras. Dizia-se, com frequência, que em seus quadros reinava a decência, a lisura, a honestidade, e outros tantos adjetivos tão importantes ao padrão médio da moralidade "pequeno burguesa".
Foi esse mesmo partido que, após algumas desventuras na esfera ética, fez-me mudar, radicalmente, a maneira pela qual deveria vislumbrar a política. Hoje, pouco se me dá se o partido do meu candidato tem um pé na social-democracia ou mesmo na liberal-democracia. Isso já não constitui razão bastante para eliminar um determinado candidato de minhas opções.
Entendo que todos os partidos estão sujeitos a acolherem políticos de variada estirpe. Todos, sem exceção, devem abrigar homens que não vivem para a política, mas que vivem da política como um meio de auto promoção material e social. Não creio ser tarefa fácil enumerar os políticos com vocação, alheios a interesses pessoais, dispostos a lutar pelo bem comum, como seria de se supor relativamente à atividade política.
Pode até parecer que esteja reproduzindo o velho jargão de que "todo político é igual, que todos os partidos são iguais". Será que não são? Não, é claro que não são todos iguais. São "quase" iguais. A linha de ruptura, de separação entre eles, é fina, tênue, muito lábil....
Demorou bastante para que eu, ingênuo, constatasse essa infame realidade. E o que me causa mais perplexidade é que a opinião pública e o senso comum "quase" estavam com a razão: são todos iguais. É uma pena....
As eleições se aproximam. Desta vez, não condicionarei meus votos à filiação partidária dos candidatos. Antes da minha desilusão com um certo senhor e seu partido, acreditava na necessidade de criar uma cultura política que valorizasse os partidos, que primasse pela fidelidade partidária, que concorresse para a conquista da coerência das condutas ligadas à administração da coisa pública.
Era mais ou menos isso que norteava minha concepção política. Muitas vezes deixei de votar em um candidato que acreditava ser sério e competente apenas porque ele não estava filiado a um partido que correspondesse, ao menos em tese, àquilo que reputava relevante em matéria política. Cheguei a votar em partidos, e não em candidatos. Entendia a lição de Gramsci – segundo a qual o partido político moderno é a expressão fiel do príncipe descrito por Maquiavel – como uma máxima que deveria ser seguida.
Se havia um político num partido liberal, ainda que tivesse grandes virtudes pessoais, meu voto não era dele. Se tivesse, igualmente, enormes virtudes políticas, tanto fazia: não votava nele. A legenda, a ideologia partidária e a trajetória daquele partido no Brasil me impediam de fazê-lo.
Embora nunca tenha me filiado a ele, tinha em alta conta aquele partido que, a despeito de todas as suas deficiências, não aceitava políticos que pudessem incorrer em condutas moralmente questionáveis ou ilícitas. Nele, dissessem o que quisessem, não havia nenhum político envolvido com escândalos, com fraudes ou bandalheiras. Dizia-se, com frequência, que em seus quadros reinava a decência, a lisura, a honestidade, e outros tantos adjetivos tão importantes ao padrão médio da moralidade "pequeno burguesa".
Foi esse mesmo partido que, após algumas desventuras na esfera ética, fez-me mudar, radicalmente, a maneira pela qual deveria vislumbrar a política. Hoje, pouco se me dá se o partido do meu candidato tem um pé na social-democracia ou mesmo na liberal-democracia. Isso já não constitui razão bastante para eliminar um determinado candidato de minhas opções.
Entendo que todos os partidos estão sujeitos a acolherem políticos de variada estirpe. Todos, sem exceção, devem abrigar homens que não vivem para a política, mas que vivem da política como um meio de auto promoção material e social. Não creio ser tarefa fácil enumerar os políticos com vocação, alheios a interesses pessoais, dispostos a lutar pelo bem comum, como seria de se supor relativamente à atividade política.
Pode até parecer que esteja reproduzindo o velho jargão de que "todo político é igual, que todos os partidos são iguais". Será que não são? Não, é claro que não são todos iguais. São "quase" iguais. A linha de ruptura, de separação entre eles, é fina, tênue, muito lábil....
Demorou bastante para que eu, ingênuo, constatasse essa infame realidade. E o que me causa mais perplexidade é que a opinião pública e o senso comum "quase" estavam com a razão: são todos iguais. É uma pena....
domingo, 29 de agosto de 2010
O fim do mundo e o século XXI
"Até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada" (Assis Valente)
Desde sempre ouvi falar sobre a passagem para o século XXI. O ano 2000 era amiúde comentado na minha infância e, cada vez mais, parecia mais distante. Eram inúmeras as previsões que se faziam a respeito do que existiria, do que deixaria de existir. Especulava-se muito e com grandes expectativas.
Talvez não andássemos mais de carros, mas sim com pequenos veículos voadores, tais como aqueles que víamos nos desenhos dos Jetsons, da Hanna Barbera. A lua não seria mais um satélite inatingível, mas um lugar de veraneio para os mais abonados, entre os quais, naturalmente, eu não me incluía. A bem da verdade, ao contrário dos meus amigos, nunca tive interesse em ir para lá.
A fantasia do século XXI perdeu algum espaço na minha cabeça quando houve um diz-que-diz-que profetizando o fim do mundo em setembro de 1999. Algum lunático não se furtou a expor sua teoria numa noite de domingo, no Fantástico. Segundo ele, um meteoro gigante colidiria com a Terra e nada sobraria. Ainda moleque, passei a me preocupar com a impossibilidade de viver os anos dois mil. Fiz as contas de qual idade teria quando fosse acometido pela grande catástrofe. Morreria antes dos trinta. Que sacanagem....
Pouco tempo depois, a idéia de que o fim do mundo se daria mediante uma hecatombe nuclear passou a acompanhar minhas preocupações. The day after, datado de 1983, seguramente meteu muito medo na cabeça dos desavisados, sobretudo das crianças. O cogumelo nuclear, devastando tudo o que encontrasse, passou a ser o grande vilão da história. Sobrariam apenas baratas e, a exemplo da fruição dos humanos na lua, apenas uns poucos mortais poderiam se refugiar nos abrigos profetizados no filme.
Veio o ano 2000 e, como diz a música, "o tal do mundo não se acabou". Depois da meia-noite de 2001 parei em frente à TV e achei que estivesse bêbado: a Globo passava 2001: uma odisséia no espaço, do grande Kubrick. Perguntei-me onde estaria aquela realidade prometida e me dei conta de que a noção do tempo é realmente insidiosa.
Recentemente, Stephen Hawking asseverou que o destino da humanidade está fora da Terra. "Eu vejo grandes perigos para a raça humana". Disse que a solução consiste em "evacuar o planeta e se espalhar pelo espaço". (Folha de S. Paulo – 10/08/2010).
Agora que já passei dos trinta, que nada daquilo que foi dito e vaticinado não aconteceu, não quero sair da Terra. Quero ver o mundo se acabar, de uma vez só. Sem poupar ninguém, nem as baratas.
Desde sempre ouvi falar sobre a passagem para o século XXI. O ano 2000 era amiúde comentado na minha infância e, cada vez mais, parecia mais distante. Eram inúmeras as previsões que se faziam a respeito do que existiria, do que deixaria de existir. Especulava-se muito e com grandes expectativas.
Talvez não andássemos mais de carros, mas sim com pequenos veículos voadores, tais como aqueles que víamos nos desenhos dos Jetsons, da Hanna Barbera. A lua não seria mais um satélite inatingível, mas um lugar de veraneio para os mais abonados, entre os quais, naturalmente, eu não me incluía. A bem da verdade, ao contrário dos meus amigos, nunca tive interesse em ir para lá.
A fantasia do século XXI perdeu algum espaço na minha cabeça quando houve um diz-que-diz-que profetizando o fim do mundo em setembro de 1999. Algum lunático não se furtou a expor sua teoria numa noite de domingo, no Fantástico. Segundo ele, um meteoro gigante colidiria com a Terra e nada sobraria. Ainda moleque, passei a me preocupar com a impossibilidade de viver os anos dois mil. Fiz as contas de qual idade teria quando fosse acometido pela grande catástrofe. Morreria antes dos trinta. Que sacanagem....
Pouco tempo depois, a idéia de que o fim do mundo se daria mediante uma hecatombe nuclear passou a acompanhar minhas preocupações. The day after, datado de 1983, seguramente meteu muito medo na cabeça dos desavisados, sobretudo das crianças. O cogumelo nuclear, devastando tudo o que encontrasse, passou a ser o grande vilão da história. Sobrariam apenas baratas e, a exemplo da fruição dos humanos na lua, apenas uns poucos mortais poderiam se refugiar nos abrigos profetizados no filme.
Veio o ano 2000 e, como diz a música, "o tal do mundo não se acabou". Depois da meia-noite de 2001 parei em frente à TV e achei que estivesse bêbado: a Globo passava 2001: uma odisséia no espaço, do grande Kubrick. Perguntei-me onde estaria aquela realidade prometida e me dei conta de que a noção do tempo é realmente insidiosa.
Recentemente, Stephen Hawking asseverou que o destino da humanidade está fora da Terra. "Eu vejo grandes perigos para a raça humana". Disse que a solução consiste em "evacuar o planeta e se espalhar pelo espaço". (Folha de S. Paulo – 10/08/2010).
Agora que já passei dos trinta, que nada daquilo que foi dito e vaticinado não aconteceu, não quero sair da Terra. Quero ver o mundo se acabar, de uma vez só. Sem poupar ninguém, nem as baratas.
sábado, 14 de agosto de 2010
Ponto e vírgula
Língua brasileira 8
Comecei a ler Os espiões, do Veríssimo (editora Alfaguara). Nele, há um personagem fantástico (professor Fortuna), cujas características não pretendo descrever para não estragar o prazer da leitura daquele que se interessar pela obra. Abaixo reproduzo um pequeno trecho com sua posição sobre o uso do ponto e vírgula.
"- Qual é a sua posição sobre a vírgula, professor?
E ele:
- Sou contra!
Tese do professor: vírgula qualquer um põe onde quiser. O verdadeiro teste para um escritor é o ponto e vírgula, que, segundo ele, até hoje ninguém soube como usar".
VERÍSSIMO, Luis Fernando. Os espiões. Rio de Janeiro: Alfaguara/Objetiva, 2009, p. 13.
Comecei a ler Os espiões, do Veríssimo (editora Alfaguara). Nele, há um personagem fantástico (professor Fortuna), cujas características não pretendo descrever para não estragar o prazer da leitura daquele que se interessar pela obra. Abaixo reproduzo um pequeno trecho com sua posição sobre o uso do ponto e vírgula.
"- Qual é a sua posição sobre a vírgula, professor?
E ele:
- Sou contra!
Tese do professor: vírgula qualquer um põe onde quiser. O verdadeiro teste para um escritor é o ponto e vírgula, que, segundo ele, até hoje ninguém soube como usar".
VERÍSSIMO, Luis Fernando. Os espiões. Rio de Janeiro: Alfaguara/Objetiva, 2009, p. 13.
sábado, 7 de agosto de 2010
O mesmo
Língua brasileira 7
Tanto quanto o gerundismo, o uso do "mesmo" é uma praga. A título de mera curiosidade, veja-se alguns exemplos:
- Recado da professora: "Por favor, avisem os alunos que o texto já está disponível no xerox. Todos devem levar o mesmo para a aula de amanhã"
Perguta-se: quem é o mesmo? O xerox ou o texto? É claro que é o texto, mas....
- Uma sentença judicial: "o processo versa sobre acidente ocorrido na rodovia, nas proximidades deste município, tendo o mesmo ocorrido por ter o acusado perdido o controle do veículo em razão do cansaço apresentado pelo mesmo"
Que tristeza! E o nobre redator do texto é Juiz!
- O técnico da eletrônica: "A televisão está quebrada. A mesma precisa ser trocada ou consertada".
Não sei como o "mesmo" ganhou tanta notoriedade. Mas imagino que algo simples tenha contribuído para sua divulgação: a Lei nº 9.502/97. O texto dela é bastante conhecido: "Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado no andar".
Por constar de lei, o texto deve ter levado os usuários de elevador (o mesmo) a acreditar que sua redação corresponde à forma culta da língua portuguesa. Ou seja, o texto de lei, criado por algum incauto, serviu para legitimar mais uma moda da nossa "inculta e bela".
Nem tudo está perdido, entretanto. Há algum tempo, uma aluna, cansada de me ouvir reclamar do "mesmo", me mandou um e-mail com uma foto de um elevador. O título do e-mail era "Viva la Revolución!". De fato, trata-se de uma revolução.
Apreciem a foto!
sábado, 24 de julho de 2010
Hotel Novo Mundo
LEITE, Ivana Arruda. Hotel Novo Mundo. São Paulo: Editora 34, 2009, 128p.
Logo que saiu Hotel Novo Mundo, de Ivana de Arruda Leite, resolvi não lê-lo. Como estava naquelas fases em que não se tem tempo para leitura tranquila, achei melhor saborear o texto em momento posterior. Fui adiando a leitura até que.... ganhei o livro de presente. Coloquei-o naquela fila de prioridades que nunca é cumprida, pois tendo, sempre, a subornar minhas vontades e a inverter a ordem estabelecida.
Também não quis ler nenhuma resenha, nenhuma crítica sobre a obra. É o que procuro fazer: não deixar me impregnar pelas impressões alheias, ainda que sejam confiáveis, antes de terminar a leitura de um livro qualquer. Assim, Hotel Novo Mundo permaneceu inédito até que comecei a lê-lo. Alameda Santos, segundo livro da autora, já veio a lume e ainda nem vi a cara dele....
É curioso experimentar a primeira aventura de um autor num determinado gênero quando já estamos acostumados com outra faceta de sua produção. Não é difícil imaginar um romance escrito por alguém especialista em contos. Todavia, pareceu-me bastante complicado pensar num romance escrito pela Ivana, pois seus contos, salvo melhor juízo, têm extensão reduzida. São contos curtos, enxutos e diretos. São capazes de mobilizar sentimentos e expressões densas em exígua narrativa.
O drama central de Hotel Novo Mundo, a contradição literária – se assim podemos chamá-la – está no conflito interno dos personagens, sobretudo da narradora-protagonista.
Renata é uma paulistana que, depois de longa experiência como prostituta, junta-se com o Dr. César, passando a residir com ele no Rio de Janeiro. Leva uma vida luxuosa, tranquila, com abonança material. Fútil, chega inclusive a cuidar dos filhos do parceiro. Mantém-se fiel a ele, embora seja constantemente cortejada por seus amigos. Num determinado dia, flagra-o na saída de um motel, com uma mulher. É esse o momento apto a determinar a trajetória de Renata ao longo do romance. É esse também o ponto de partida para a busca de algo que nem sequer se delineou. Num instante de raiva, Renata decide romper com a rotina que levava. Sem avisar o parceiro, sai do Rio de Janeiro, de sua casa, sem levar nada que possa garantir sua subsistência por longo tempo. Conta apenas com uma grana capaz de sustentá-la por curto período: exatamente uma semana. A estrutura do romance se circunscreve nesse prazo.
Rumo a São Paulo, no avião, conhece Divino. Como uma intrusa, Renata o acompanha rumo ao Hotel Novo Mundo, sem prever o quanto é conhecido por lá. Passa, então, a fazer parte – perdoem-me o pobre trocadilho - de um novo mundo. Tem início uma inédita socialização da personagem. Ali, na nova vida, Renata vai firmando convicção de que não voltará para o Rio, que não voltará para César, que está disposta romper de vez com a vida que vinha levando. A despeito disso, não sabe exatamente como resolver o impasse de recusar seu passado. Não toma providência alguma. É por isso que o leitor é acometido por um incômodo que persistirá até as páginas finais.
Numa consulta com Lauro - pai-de-santo residente no hotel – é aconselhada a conversar com César, explicitar o rompimento da relação que, para ela, é “cada vez mais quase definitivo”, mas que, para o leitor, ainda soa incógnito.
Essa conversa somente acontece em razão da iminência das privações materiais, ao final da semana, quando já estava envolvida com Divino (sentimentalmente, é claro) e com a maioria dos moradores do hotel. Como seu dinheiro está prestes a acabar, Renata reavalia sua postura e considera que deve ir ao Rio para manifestar sua vontade de separar-se e, contrariando intenção pretérita, amealhar o que os anos de convívio com César lhe facultou no campo dos "direitos". Sim, Renata volta para o Rio, pega jóias que lhe possibilitam comprar um carro e um apartamento (por aí imagina-se a disparidade existente entre a vida que levava e aquela que adotou na Paulicéia). De volta para o Novo Mundo, reencontra Divino, com quem, aliás, tudo leva a crer terá uma relação sem pretensões, destituída de compromisso, serena.
Expondo a narrativa nesses termos, poderia soar que a trama do livro é simples. É, contudo, a descrição do cotidiano que enreda os personagens do Hotel Novo Mundo que traduz a beleza da obra. Trata-se de um cotidiano recheado por histórias de vida muito peculiares: uma menina que carece de uma cirurgia cardíaca; a paixão insistente, quase eterna, de uma mulher por Divino; Zema, desenhista de vestidos de noivas soropositivo, namorado de Lauro, que foi expulso de casa justamente quando o pai descobriu sua homossexualidade; Leão, o pianista boêmio de uma casa de shows decadente, pai de uma médica também homossexual.
Ivana mescla a narrativa da trama com trechos que explicam as trajetórias de vida pessoais dos personagens. Intercala o desenvolvimento da história com entretrechos explicativos que, a rigor, estão descolados da própria trama. Não existissem, talvez não fizessem diferença para o contexto narrativo, mas sim para a densidade psicológica do romance. Um desses trechos é usado, inclusive, para resgatar a infância de Renata e revelar que a mãe - também prostituta - não hesitou em falar para a filha, em momento de adversidade, que, enquanto tivesse boceta, não passariam fome.
Seriam oportunos, aliás, alguns palpites sobre a ligação da trajetória da filha com o passado da mãe. No livro há elementos suficientes para arriscar esses palpites. Jamais arriscaria a fazê-lo, entretanto.
Por fim, vale uma última observação. Em vários momentos da obra, São Paulo é perfilado por seus pontos urbanos e pelas lembranças que Renata tem de sua juventude. No entanto, o retrato que se tem de São Paulo assume definição precisa quando a protagonista faz uma comparação fantástica entre a Paulicéia Desvairada e a Cidade Maravilhosa. No velho "embate" Rio X São Paulo, nunca vi contradições tão bem explicadas. Com as escusas de eventual exagero, acho que nunca alguém conseguiu expressar com tanta sensibilidade as idiossincrasias relativas às duas metrópoles. Veja-se:
"Andar no Rio de Janeiro pela manhã, com essa luz, com esse sol, vendo o mar e essa paisagem deslumbrante chega a me dar raiva. Esta cidade é uma aberração. Não há como fazer jus a este cenário. Ninguém aguenta a responsabilidade de viver num lugar tão lindo. Em São Paulo, você pode ser infeliz à vontade. A sua miséria se junta à miséria da cidade e vira tudo uma coisa só. Vive-se com mais naturalidade. São Paulo deixa você ser quem você é. O Rio é uma cidade para semideuses" (p. 108-109)
Fantástico!
Em tempo: Hotel Novo Mundo é finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria novos autores. Não conheço os demais títulos, mas torço pela Ivana. No próximo dia 02 sairá o resultado.
Logo que saiu Hotel Novo Mundo, de Ivana de Arruda Leite, resolvi não lê-lo. Como estava naquelas fases em que não se tem tempo para leitura tranquila, achei melhor saborear o texto em momento posterior. Fui adiando a leitura até que.... ganhei o livro de presente. Coloquei-o naquela fila de prioridades que nunca é cumprida, pois tendo, sempre, a subornar minhas vontades e a inverter a ordem estabelecida.
Também não quis ler nenhuma resenha, nenhuma crítica sobre a obra. É o que procuro fazer: não deixar me impregnar pelas impressões alheias, ainda que sejam confiáveis, antes de terminar a leitura de um livro qualquer. Assim, Hotel Novo Mundo permaneceu inédito até que comecei a lê-lo. Alameda Santos, segundo livro da autora, já veio a lume e ainda nem vi a cara dele....
É curioso experimentar a primeira aventura de um autor num determinado gênero quando já estamos acostumados com outra faceta de sua produção. Não é difícil imaginar um romance escrito por alguém especialista em contos. Todavia, pareceu-me bastante complicado pensar num romance escrito pela Ivana, pois seus contos, salvo melhor juízo, têm extensão reduzida. São contos curtos, enxutos e diretos. São capazes de mobilizar sentimentos e expressões densas em exígua narrativa.
O drama central de Hotel Novo Mundo, a contradição literária – se assim podemos chamá-la – está no conflito interno dos personagens, sobretudo da narradora-protagonista.
Renata é uma paulistana que, depois de longa experiência como prostituta, junta-se com o Dr. César, passando a residir com ele no Rio de Janeiro. Leva uma vida luxuosa, tranquila, com abonança material. Fútil, chega inclusive a cuidar dos filhos do parceiro. Mantém-se fiel a ele, embora seja constantemente cortejada por seus amigos. Num determinado dia, flagra-o na saída de um motel, com uma mulher. É esse o momento apto a determinar a trajetória de Renata ao longo do romance. É esse também o ponto de partida para a busca de algo que nem sequer se delineou. Num instante de raiva, Renata decide romper com a rotina que levava. Sem avisar o parceiro, sai do Rio de Janeiro, de sua casa, sem levar nada que possa garantir sua subsistência por longo tempo. Conta apenas com uma grana capaz de sustentá-la por curto período: exatamente uma semana. A estrutura do romance se circunscreve nesse prazo.
Rumo a São Paulo, no avião, conhece Divino. Como uma intrusa, Renata o acompanha rumo ao Hotel Novo Mundo, sem prever o quanto é conhecido por lá. Passa, então, a fazer parte – perdoem-me o pobre trocadilho - de um novo mundo. Tem início uma inédita socialização da personagem. Ali, na nova vida, Renata vai firmando convicção de que não voltará para o Rio, que não voltará para César, que está disposta romper de vez com a vida que vinha levando. A despeito disso, não sabe exatamente como resolver o impasse de recusar seu passado. Não toma providência alguma. É por isso que o leitor é acometido por um incômodo que persistirá até as páginas finais.
Numa consulta com Lauro - pai-de-santo residente no hotel – é aconselhada a conversar com César, explicitar o rompimento da relação que, para ela, é “cada vez mais quase definitivo”, mas que, para o leitor, ainda soa incógnito.
Essa conversa somente acontece em razão da iminência das privações materiais, ao final da semana, quando já estava envolvida com Divino (sentimentalmente, é claro) e com a maioria dos moradores do hotel. Como seu dinheiro está prestes a acabar, Renata reavalia sua postura e considera que deve ir ao Rio para manifestar sua vontade de separar-se e, contrariando intenção pretérita, amealhar o que os anos de convívio com César lhe facultou no campo dos "direitos". Sim, Renata volta para o Rio, pega jóias que lhe possibilitam comprar um carro e um apartamento (por aí imagina-se a disparidade existente entre a vida que levava e aquela que adotou na Paulicéia). De volta para o Novo Mundo, reencontra Divino, com quem, aliás, tudo leva a crer terá uma relação sem pretensões, destituída de compromisso, serena.
Expondo a narrativa nesses termos, poderia soar que a trama do livro é simples. É, contudo, a descrição do cotidiano que enreda os personagens do Hotel Novo Mundo que traduz a beleza da obra. Trata-se de um cotidiano recheado por histórias de vida muito peculiares: uma menina que carece de uma cirurgia cardíaca; a paixão insistente, quase eterna, de uma mulher por Divino; Zema, desenhista de vestidos de noivas soropositivo, namorado de Lauro, que foi expulso de casa justamente quando o pai descobriu sua homossexualidade; Leão, o pianista boêmio de uma casa de shows decadente, pai de uma médica também homossexual.
Ivana mescla a narrativa da trama com trechos que explicam as trajetórias de vida pessoais dos personagens. Intercala o desenvolvimento da história com entretrechos explicativos que, a rigor, estão descolados da própria trama. Não existissem, talvez não fizessem diferença para o contexto narrativo, mas sim para a densidade psicológica do romance. Um desses trechos é usado, inclusive, para resgatar a infância de Renata e revelar que a mãe - também prostituta - não hesitou em falar para a filha, em momento de adversidade, que, enquanto tivesse boceta, não passariam fome.
Seriam oportunos, aliás, alguns palpites sobre a ligação da trajetória da filha com o passado da mãe. No livro há elementos suficientes para arriscar esses palpites. Jamais arriscaria a fazê-lo, entretanto.
Por fim, vale uma última observação. Em vários momentos da obra, São Paulo é perfilado por seus pontos urbanos e pelas lembranças que Renata tem de sua juventude. No entanto, o retrato que se tem de São Paulo assume definição precisa quando a protagonista faz uma comparação fantástica entre a Paulicéia Desvairada e a Cidade Maravilhosa. No velho "embate" Rio X São Paulo, nunca vi contradições tão bem explicadas. Com as escusas de eventual exagero, acho que nunca alguém conseguiu expressar com tanta sensibilidade as idiossincrasias relativas às duas metrópoles. Veja-se:
"Andar no Rio de Janeiro pela manhã, com essa luz, com esse sol, vendo o mar e essa paisagem deslumbrante chega a me dar raiva. Esta cidade é uma aberração. Não há como fazer jus a este cenário. Ninguém aguenta a responsabilidade de viver num lugar tão lindo. Em São Paulo, você pode ser infeliz à vontade. A sua miséria se junta à miséria da cidade e vira tudo uma coisa só. Vive-se com mais naturalidade. São Paulo deixa você ser quem você é. O Rio é uma cidade para semideuses" (p. 108-109)
Fantástico!
Em tempo: Hotel Novo Mundo é finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria novos autores. Não conheço os demais títulos, mas torço pela Ivana. No próximo dia 02 sairá o resultado.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
São Paulo e Rio (Ivana Arruda Leite)
São Paulo e Rio de Janeiro: Hotel Novo Mundo.
Cenas da literatura V
Na blogagem coletiva proposta para a próxima sexta-feira (23/07), pretendo escrever sobre o Hotel Novo Mundo, de Ivana Arruda Leite. Antes disso, adianto um parágrafo do livro que precisa fazer parte da seção "Cenas da literatura", já há muito abandonada aqui no blog. Não se trata, contudo, da descrição de nenhuma cena. São observações preciosas! Vejam:
"Andar no Rio de Janeiro pela manhã, com essa luz, com esse sol, vendo o mar e essa paisagem deslumbrante chega a me dar raiva. Esta cidade é uma aberração. Não há como fazer jus a este cenário. Ninguém aguenta a responsabilidade de viver num lugar tão lindo. Em São Paulo, você pode ser infeliz à vontade. A sua miséria se junta à miséria da cidade e vira tudo uma coisa só. Vive-se com mais naturalidade. São Paulo deixa você ser quem você é. O Rio é uma cidade para semideuses" (LEITE, Ivana Arruda. Hotel Novo Mundo. São Paulo: Editora 34, 2009, p. 108-109)
Cenas da literatura V
Na blogagem coletiva proposta para a próxima sexta-feira (23/07), pretendo escrever sobre o Hotel Novo Mundo, de Ivana Arruda Leite. Antes disso, adianto um parágrafo do livro que precisa fazer parte da seção "Cenas da literatura", já há muito abandonada aqui no blog. Não se trata, contudo, da descrição de nenhuma cena. São observações preciosas! Vejam:
"Andar no Rio de Janeiro pela manhã, com essa luz, com esse sol, vendo o mar e essa paisagem deslumbrante chega a me dar raiva. Esta cidade é uma aberração. Não há como fazer jus a este cenário. Ninguém aguenta a responsabilidade de viver num lugar tão lindo. Em São Paulo, você pode ser infeliz à vontade. A sua miséria se junta à miséria da cidade e vira tudo uma coisa só. Vive-se com mais naturalidade. São Paulo deixa você ser quem você é. O Rio é uma cidade para semideuses" (LEITE, Ivana Arruda. Hotel Novo Mundo. São Paulo: Editora 34, 2009, p. 108-109)
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Alguém conhece Lubitsch?
"Henry Van Cleve (Don Ameche), um ex-playboy já maduro, morreu e foi para o inferno. Mas o chefão das trevas, Sua Excelência (Laird Cregar), não está convencido que Van Cleve veio para o lugar certo. Henry começa a contar a história de sua vida, desde seus primeiros arroubos de paixão por uma governanta francesa até quando cortejou e ganhou o coração de sua bela esposa Martha (Gene Tierney). No entanto, apesar de profundamente apaixonado, ele nunca conseguiu ser totalmente fiel e está convencido que merece uma vida de castigos eternos no inferno.
À medida que conta sua história, e uma vida de amor preenche a tela, fica a cargo de Sua Excelência dar a sentença final a Henry. Ricamente ambientado no mundo da alta sociedade da virada do século XX, o tema atemporal do amor versus o desejo é tratado com inteligência, bom gosto e sofisticação. Dirigido por Ernst Lubitsch e abrilhantado por fantásticas interpretações coadjuvantes, este romance clássico foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme e de melhor diretor em 1943".
Essa é a sinopse de "O diabo disse não" (Heaven Can Wait, EUA, 1943), de Ernst Lubitsch, retirada do site 2001 Vídeo (http://www.2001video.com.br).
Se alguém achar uma cópia por aí, em locadoras ou na internet, por favor, me avise. Devo ter ainda uma fita VHS que gravei quando o filme passou na Globo há alguns anos. Por suposto, deve estar em péssima condição de uso e, ademais, meu vídeo já está na iminência do ocaso.
Imagino que hoje poucos conheçam Lubitsch. Todavia, é muito provável que tenham assistido "Mensagem para você", adaptação de Nora Ephron para o clássico "A loja da casa da esquina" ("The Shop Around the Corner"), obra-prima do diretor alemão. Aluguei o filme numa Blockbuster, antes da parceria da locadora com as Americanas Express. Depois de algum tempo, deu-me um estalo: em meio a tantas fitas antigas e renovação do acervo, era bem possível que o filme estivesse em alguma estante, perdido, abandonado. Urgia que eu o alugasse novamente para, talvez, fazer uma cópia e deixá-la à disposição para quando desejasse vê-la. Corri para a locadora e solicitei que fizessem a pesquisa no catálogo.
- Não temos esse filme.
Não me contentei com a resposta e perguntei:
- Você tem certeza?
- Sim. Não temos e nunca tivemos esse filme.
Solicitei que fizesse a busca pelo diretor.
- Lu, o quê? – perguntou o atendente
Soletrei:
- L-U-B-I-T-S-C-H.
- Não temos. Esse filme nunca passou por aqui.
Resignado, agradeci, virei as costas e fui embora.
Até hoje procuro pelos dois títulos. Também procuro por alguém que conheça Lubitsch.
À medida que conta sua história, e uma vida de amor preenche a tela, fica a cargo de Sua Excelência dar a sentença final a Henry. Ricamente ambientado no mundo da alta sociedade da virada do século XX, o tema atemporal do amor versus o desejo é tratado com inteligência, bom gosto e sofisticação. Dirigido por Ernst Lubitsch e abrilhantado por fantásticas interpretações coadjuvantes, este romance clássico foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme e de melhor diretor em 1943".
Essa é a sinopse de "O diabo disse não" (Heaven Can Wait, EUA, 1943), de Ernst Lubitsch, retirada do site 2001 Vídeo (http://www.2001video.com.br).
Se alguém achar uma cópia por aí, em locadoras ou na internet, por favor, me avise. Devo ter ainda uma fita VHS que gravei quando o filme passou na Globo há alguns anos. Por suposto, deve estar em péssima condição de uso e, ademais, meu vídeo já está na iminência do ocaso.
Imagino que hoje poucos conheçam Lubitsch. Todavia, é muito provável que tenham assistido "Mensagem para você", adaptação de Nora Ephron para o clássico "A loja da casa da esquina" ("The Shop Around the Corner"), obra-prima do diretor alemão. Aluguei o filme numa Blockbuster, antes da parceria da locadora com as Americanas Express. Depois de algum tempo, deu-me um estalo: em meio a tantas fitas antigas e renovação do acervo, era bem possível que o filme estivesse em alguma estante, perdido, abandonado. Urgia que eu o alugasse novamente para, talvez, fazer uma cópia e deixá-la à disposição para quando desejasse vê-la. Corri para a locadora e solicitei que fizessem a pesquisa no catálogo.
- Não temos esse filme.
Não me contentei com a resposta e perguntei:
- Você tem certeza?
- Sim. Não temos e nunca tivemos esse filme.
Solicitei que fizesse a busca pelo diretor.
- Lu, o quê? – perguntou o atendente
Soletrei:
- L-U-B-I-T-S-C-H.
- Não temos. Esse filme nunca passou por aqui.
Resignado, agradeci, virei as costas e fui embora.
Até hoje procuro pelos dois títulos. Também procuro por alguém que conheça Lubitsch.
quarta-feira, 30 de junho de 2010
Merquior e Da Matta
Já que evoquei José Guilherme Merquior no post passado, vale a transcrição de um pequeno trecho em que ele comenta a obra Carnavais, Malandros e Heróis, de Roberto da Matta. A crítica foi publicada no Jornal do Brasil em 01/09/1979.
Quem quiser mais informações sobre Merquior poderá acessar o link: "Dez anos sem José Guilherme Merquior". Foi de lá que retirei a citação abaixo:
"Um dos méritos de Roberto da Matta é, aliás, o seu cuidado com a literatura anterior. Nada noto nele dessa pífia presunção, feita de incultura e insegurança, com que vários dos nossos mais novos praticantes de ciências humanas dão as costas ao que se escreveu antes deles - com muita freqüência, muito melhor - sobre seus temas. Em compensação, a linguagem de Carnavais, Malandros e Heróis poderia ser mais apurada. O autor expõe, em geral com clareza, não raro com certa elegância; mas volta e meia sucumbe ao desleixo ou, pior ainda, a esse fraseado esquisito com que tantos textos universitários macaqueiam gratuitamente palavras e construções inglesas ou francesas. O desleixo abrange alguns anacolutos e várias regências incorretas, além da estranha menção a um tal "Alex" de Tocqueville (que intimidades são essas, Professor Matta? O homem se chamava Alexis). O fraseado postiço inclui, por exemplo, um emprego super-abundante do verbo "colocar" (em vez de "observar", "pretender", "argumentar", "postular", etc.). Esse abuso de "colocar" está virando uma verdadeira muleta verbal do nosso jargão universitário. Mas quanto a Roberto da Matta, não tenho dúvida em (agora, sim) colocar esse seu livro bem acima dessas mazelas de expressão. Ele, pelo menos (ao contrário da maioria dos colocadores), tem muito a dizer".
Quem quiser mais informações sobre Merquior poderá acessar o link: "Dez anos sem José Guilherme Merquior". Foi de lá que retirei a citação abaixo:
"Um dos méritos de Roberto da Matta é, aliás, o seu cuidado com a literatura anterior. Nada noto nele dessa pífia presunção, feita de incultura e insegurança, com que vários dos nossos mais novos praticantes de ciências humanas dão as costas ao que se escreveu antes deles - com muita freqüência, muito melhor - sobre seus temas. Em compensação, a linguagem de Carnavais, Malandros e Heróis poderia ser mais apurada. O autor expõe, em geral com clareza, não raro com certa elegância; mas volta e meia sucumbe ao desleixo ou, pior ainda, a esse fraseado esquisito com que tantos textos universitários macaqueiam gratuitamente palavras e construções inglesas ou francesas. O desleixo abrange alguns anacolutos e várias regências incorretas, além da estranha menção a um tal "Alex" de Tocqueville (que intimidades são essas, Professor Matta? O homem se chamava Alexis). O fraseado postiço inclui, por exemplo, um emprego super-abundante do verbo "colocar" (em vez de "observar", "pretender", "argumentar", "postular", etc.). Esse abuso de "colocar" está virando uma verdadeira muleta verbal do nosso jargão universitário. Mas quanto a Roberto da Matta, não tenho dúvida em (agora, sim) colocar esse seu livro bem acima dessas mazelas de expressão. Ele, pelo menos (ao contrário da maioria dos colocadores), tem muito a dizer".
sábado, 26 de junho de 2010
Debates nos anos noventa
Já cheguei a comentar por aqui a efervescência cultural e ideológica que havia na década de 1990. Foi nesse ano que ingressei no curso de Ciências Sociais e passei a acompanhar alguns debates travados no suplemento Letras, da Folha de S. Paulo. Tratava-se de um suplemento que existiu até 1992, quando veio a lume a primeira edição do caderno Mais!, hoje já extinto. Em Letras, os debates em torno de questões políticas eram agudos, provocativos. Talvez Mais! também tenha nascido para dar guarida a discussões acadêmicas. Todavia, não foi capaz de acolher tantas brigas fecundas. Limitou-se, após algum tempo, a mostrar tendências culturais modernas e a versar sobre temas que nem sempre me interessavam.
Em 1990, em Letras, um debate duradouro foi travado pelo saudoso José Guilherme Merquior e um doutorando de Filosofia da USP, Ricardo Musse, hoje docente daquela universidade. Já nem lembro mais qual era o teor da contenda, mas recordo-me de que ela partiu de uma resenha feita por Musse a uma determinada obra de Merquior. Além das questões teóricas propostas, houve ataques de ordem pessoal, que buscavam desqualificar argumentos em razão das atividades intelectuais de seus interlocutores.
Procurando pela rede algo sobre o debate, achei o seguinte trecho de autoria de Merquior:
"O resenhador de minha antologia [...] é apresentado como um jovem 'doutorando em filosofia na USP'. Não sei se aos doutorandos em 'filô' da USP se exige saber ler antes de pretender julgar. Em caso positivo, temo pelo doutoramento de Musse, porque as liberdades que tomou com o texto alheio não são de molde a inspirar confiança". (MERQUIOR, José Guilherme. "Resenhador de 'Crítica' foi apressado e redutor". In: Letras, Folha de S. Paulo. 17/11/1990, p. 6.)
Um trecho da réplica de Musse dizia o seguinte:
"Sem sequer me conhecer, a partir de uma só frase que me apresenta como estudante da USP, ele traça considerações genéricas sobre as minhas atividades escolares, o meu futuro acadêmico, a uni¬versidade, a imprensa, a situação da cultura no Brasil etc. Ao ver a folha de uma árvore, o nosso em¬baixador na Unesco apronta seus canhões e abre fogo — contra a floresta inteira. Foi essa facilidade metodológica que critiquei". (MUSSE, Ricardo. "Merquior vê a folha da árvore e atira na floresta". In: Letras,Folha de S. Paulo. 1º/12/1990, p. 6.).
A polêmica foi longe e acabou envolvendo, também, o jornalista Bernardo Carvalho que entrou na história em razão da transcrição de uma entrevista com Merquior.
Pouco tempo depois, José Guilherme morrera de modo precoce (1991). Quando isso aconteceu, aqueles que militavam nas tendências liberais muito lamentaram pela ausência do intelectual que era o retrato da erudição da direita brasileira. Os esquerdistas talvez tenham ficado satisfeitos por não terem mais um interlocutor de tamanha capacidade: seria mais fácil lidar com alguém que não tivesse o arcabouço teórico do grande diplomata.
Ainda no início dos anos 1990, houve um curto debate entre Antonio Candido e Miguel Reale. Segundo me recordo, no Jornal da USP, Antonio Candido teria dito que a violência é um instrumento de transformação da história. Por certo, sua ponderação estava diretamente ligada à famosa frase de Marx no capítulo "A assim chamada acumulação primitiva", d' O capital. A afirmação de Marx é simples: "A violência é a parteira da história".
Pois foi a partir do resgate de Marx por Candido que Reale publicou sua réplica, talvez na Folha de S. Paulo. A discussão era mais discreta, calcada em idéias e não em agressões sobre a personalidade acadêmica de quem quer que fosse. Creio que Antonio Candido fora incapaz de fazer qualquer comentário pessoal sobre seu interlocutor. Não deve ter trazido à baila o passado integralista de Reale e tampouco seu apoio ao Golpe de 1964. Reale, que teria iniciado o debate, silenciou quando Candido publicou um curto artigo na seção Tendências & Debates da Folha de S. Paulo. O título era algo como "pingos nos is". Morreu aí outra polêmica....
Muito tempo depois, já em 1997, acompanhei uma pequena discussão entre Maria Silvia de Carvalho Franco e Boris Fausto. Era um debate bobo, quase insosso, sobre "o que é um clássico". Homens livres na ordem escravocrata, de Maria Silvia, foi classificado com um clássico por Boris Fausto (seria isso mesmo?). Seguiu-se então uma discussão meio melindrosa....
Esses e outros debates eram extremamente úteis para quem iniciava a carreira, pois ofereciam referenciais nos quais os inexperientes e ainda sem leituras consistentes poderiam se apoiar. Circunscritos a um inequívoco maniqueísmo, tínhamos fome de debates. Não sei se aprendemos com eles.
Em 1990, em Letras, um debate duradouro foi travado pelo saudoso José Guilherme Merquior e um doutorando de Filosofia da USP, Ricardo Musse, hoje docente daquela universidade. Já nem lembro mais qual era o teor da contenda, mas recordo-me de que ela partiu de uma resenha feita por Musse a uma determinada obra de Merquior. Além das questões teóricas propostas, houve ataques de ordem pessoal, que buscavam desqualificar argumentos em razão das atividades intelectuais de seus interlocutores.
Procurando pela rede algo sobre o debate, achei o seguinte trecho de autoria de Merquior:
"O resenhador de minha antologia [...] é apresentado como um jovem 'doutorando em filosofia na USP'. Não sei se aos doutorandos em 'filô' da USP se exige saber ler antes de pretender julgar. Em caso positivo, temo pelo doutoramento de Musse, porque as liberdades que tomou com o texto alheio não são de molde a inspirar confiança". (MERQUIOR, José Guilherme. "Resenhador de 'Crítica' foi apressado e redutor". In: Letras, Folha de S. Paulo. 17/11/1990, p. 6.)
Um trecho da réplica de Musse dizia o seguinte:
"Sem sequer me conhecer, a partir de uma só frase que me apresenta como estudante da USP, ele traça considerações genéricas sobre as minhas atividades escolares, o meu futuro acadêmico, a uni¬versidade, a imprensa, a situação da cultura no Brasil etc. Ao ver a folha de uma árvore, o nosso em¬baixador na Unesco apronta seus canhões e abre fogo — contra a floresta inteira. Foi essa facilidade metodológica que critiquei". (MUSSE, Ricardo. "Merquior vê a folha da árvore e atira na floresta". In: Letras,Folha de S. Paulo. 1º/12/1990, p. 6.).
A polêmica foi longe e acabou envolvendo, também, o jornalista Bernardo Carvalho que entrou na história em razão da transcrição de uma entrevista com Merquior.
Pouco tempo depois, José Guilherme morrera de modo precoce (1991). Quando isso aconteceu, aqueles que militavam nas tendências liberais muito lamentaram pela ausência do intelectual que era o retrato da erudição da direita brasileira. Os esquerdistas talvez tenham ficado satisfeitos por não terem mais um interlocutor de tamanha capacidade: seria mais fácil lidar com alguém que não tivesse o arcabouço teórico do grande diplomata.
Ainda no início dos anos 1990, houve um curto debate entre Antonio Candido e Miguel Reale. Segundo me recordo, no Jornal da USP, Antonio Candido teria dito que a violência é um instrumento de transformação da história. Por certo, sua ponderação estava diretamente ligada à famosa frase de Marx no capítulo "A assim chamada acumulação primitiva", d' O capital. A afirmação de Marx é simples: "A violência é a parteira da história".
Pois foi a partir do resgate de Marx por Candido que Reale publicou sua réplica, talvez na Folha de S. Paulo. A discussão era mais discreta, calcada em idéias e não em agressões sobre a personalidade acadêmica de quem quer que fosse. Creio que Antonio Candido fora incapaz de fazer qualquer comentário pessoal sobre seu interlocutor. Não deve ter trazido à baila o passado integralista de Reale e tampouco seu apoio ao Golpe de 1964. Reale, que teria iniciado o debate, silenciou quando Candido publicou um curto artigo na seção Tendências & Debates da Folha de S. Paulo. O título era algo como "pingos nos is". Morreu aí outra polêmica....
Muito tempo depois, já em 1997, acompanhei uma pequena discussão entre Maria Silvia de Carvalho Franco e Boris Fausto. Era um debate bobo, quase insosso, sobre "o que é um clássico". Homens livres na ordem escravocrata, de Maria Silvia, foi classificado com um clássico por Boris Fausto (seria isso mesmo?). Seguiu-se então uma discussão meio melindrosa....
Esses e outros debates eram extremamente úteis para quem iniciava a carreira, pois ofereciam referenciais nos quais os inexperientes e ainda sem leituras consistentes poderiam se apoiar. Circunscritos a um inequívoco maniqueísmo, tínhamos fome de debates. Não sei se aprendemos com eles.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Saramago e Fernando Meirelles
Para homenagear Saramago, segue abaixo o link de um pequeno vídeo comovente. Trata-se do momento em que o grande autor manifesta sua opinião sobre a adaptação de seu Ensaio sobre a cegueira, feita por Fernando Meirelles.
Não deixem de ver!
http://www.youtube.com/watch?v=Y1hzDzAvJOY
Não deixem de ver!
http://www.youtube.com/watch?v=Y1hzDzAvJOY
domingo, 13 de junho de 2010
Blogagem coletiva: livro brasileiro
Em dezembro passado, William Lial – um craque da nossa literatura – promoveu em seu blog uma "blogagem coletiva". A idéia era simples: os convidados deveriam escrever sobre o melhor livro que leram no ano passado.
Pensei em dar continuidade à idéia do Lial (nem pedi autorização a ele!). Contudo, o mote da blogagem coletiva que proponho é "o último livro brasileiro que li". Quem tiver blog e gostar de escrever, poderá fazer comentários sobre o último livro que leu, desde que seu autor seja nacional. Romance, contos, poesia, ensaio, etc.... valem todos os gêneros.
A dinâmica que proponho é a seguinte: cada interessado deverá publicar em seu blog no dia 23/07 (Sexta-feira), os comentários sobre o livro escolhido. Não se trata de nenhuma resenha, nada que seja rigoroso e tampouco que contenha ares de academicismo. O objetivo é falar, de modo descompromissado, sobre o livro escolhido. É claro que, sendo possível, as informações bibliográficas da obra devem abrir a redação (autor, título, cidade de publicação, editora, ano de publicação e número de páginas).
Depois que as postagens tiverem sido feitas em seus blogs, os autores que quiserem participar da blogagem coletiva poderão me encaminhar o link correspondente. Farei a relação dos textos, autores e links aqui no Lápis Impreciso. Os participantes também podem colocar o link em seus blogs.
Imagino que possamos tomar conhecimento de obras que ainda não conhecemos. E o debate sobre elas será sempre bem-vindo!
Todos estão convidados! Manifestem-se nos comentários desse post!
Pensei em dar continuidade à idéia do Lial (nem pedi autorização a ele!). Contudo, o mote da blogagem coletiva que proponho é "o último livro brasileiro que li". Quem tiver blog e gostar de escrever, poderá fazer comentários sobre o último livro que leu, desde que seu autor seja nacional. Romance, contos, poesia, ensaio, etc.... valem todos os gêneros.
A dinâmica que proponho é a seguinte: cada interessado deverá publicar em seu blog no dia 23/07 (Sexta-feira), os comentários sobre o livro escolhido. Não se trata de nenhuma resenha, nada que seja rigoroso e tampouco que contenha ares de academicismo. O objetivo é falar, de modo descompromissado, sobre o livro escolhido. É claro que, sendo possível, as informações bibliográficas da obra devem abrir a redação (autor, título, cidade de publicação, editora, ano de publicação e número de páginas).
Depois que as postagens tiverem sido feitas em seus blogs, os autores que quiserem participar da blogagem coletiva poderão me encaminhar o link correspondente. Farei a relação dos textos, autores e links aqui no Lápis Impreciso. Os participantes também podem colocar o link em seus blogs.
Imagino que possamos tomar conhecimento de obras que ainda não conhecemos. E o debate sobre elas será sempre bem-vindo!
Todos estão convidados! Manifestem-se nos comentários desse post!
domingo, 6 de junho de 2010
Copas do Mundo
Em épocas de Copa do Mundo, lembro-me, sempre, das anteriores. Não sou tão velho, acompanhei sete Copas: 1982, 1986, 1990, 1994, 1998, 2002 e 2006.
Além delas, tenho alguma lembrança vaga da Copa de 1978. Eu tinha 6 anos e vivia brincando no pátio do prédio em que morava. Ouvia gritos de gol que, ao menos para mim, nada significavam.
Em 1982, já com dez anos, fui apresentado realmente à Copa. E da melhor maneira possível: em casa comprávamos salgadinhos e refrigerantes para ver os jogos. Ficávamos na sala, obcecados, absortos. Brasil goleava as demais seleções. A escalação daquela seleção é digna de nota: Sócrates, Zico, Junior, Falcão, Éder, Batista, Leandro, Toninho Cerezo e Valdir Peres no gol. Devo ter esquecido de alguém, mas foi a melhor seleção que vi jogar. Até hoje lembro-me de certos detalhes como, por exemplo, o último escanteio batido pelo Brasil após a fatalidade do gol de Paolo Rossi. Estavam ali minhas esperanças de não sermos eliminados.
Não acreditei na desclassificação. Acho que foi naquela Copa que aprendi a indiscutível lição de que o futebol não é justo. É preciso contar com o senso de oportunidade ou com aquilo que alguns chamam de sorte.
Em 1986, perdemos nos pênaltis para a França. Zico errou um pênalti no tempo regulamentar da partida. Disseram-me, depois, que insistiu em bater o tal pênalti porque havia prometido para o filho que, caso houvesse uma penalidade máxima, assim agiria. Foi longo o tempo em que amaldiçoei o moleque. Doutor Sócrates, então meu ídolo maior do futebol, também errou. Bateu um pênalti displicente, sem garra, sem vontade. Aquilo não combinava com ele.
1990, em plena era Collor, tivemos a pior seleção que já vi jogar. Contaminado por pruridos ideológicos, não queria ver o Brasil campeão. Achava que a eventual conquista da taça pudesse chancelar o aparente clima de prosperidade que o então presidente queria fazer vingar a todo custo. Só não gostei de termos sido eliminados pela Argentina. Maradona havia dado alguma entrevista provocativa em que vaticinara nossa eliminação. A partir de então, continuei a torcer para que perdêssemos o mundial, mas, com mais fervor, torci para que não fôssemos desclassificados pela seleção de Diego Armando. Claro que hoje, olhando para trás, acho aquela torcida uma grande besteira. Onde já se viu, torcer para o Brasil perder a Copa.... Era um sentimento ultrapassado, démodé.
Em 1994, fiquei animado com a possibilidade do título mundial. As eliminatórias foram conturbadas. Chamaram Romário que, com sua genialidade, classificou o Brasil. Para incorrer no exagero alheio, arrisco a dizer que nos trouxe a taça também. Era uma seleção bacana, mas, à exceção de Romário e Bebeto, os demais jogadores não eram fantásticos. Ronaldo, aquele que seria posteriormente apelidado de Fenômeno, foi para os Estados Unidos no banco da seleção. Parece que comprou vinte pares de tênis. Não jogou, ficou quieto aprendendo algumas coisas que certamente lhe serviram para experiências futuras.
Ganhamos a Copa da Itália na disputa de Pênaltis, com um erro de Roberto Baggio. Foi uma vitória esquisita. Tive a sensação de que deveríamos ao menos ganhar a partida com um gol nosso e não com erro da seleção adversária.
Os jogadores foram recebidos aqui com honras de Estado e causaram polêmica por não quererem pagar os impostos das volumosas compras feitas na América. Um dos nossos titulares achou justo que não pagassem impostos: a velha prática do patrimonialismo havia tomado a cabeça dos nossos esportistas. Já que venceram a Copa, “fizeram uma festa bonita”, teriam direito à isenção tributária? Podíamos ficar sem essa....
Em 1998 o Brasil certamente ganharia a Copa. Com uma seleção mais competente que a anterior, fomos para as disputas crentes de que não teria para ninguém. O Brasil era o favorito. Fomos à final. Saí no dia anterior para encher a cara de chope. Quando a partida – aquele espetáculo bizarro – começou, cheguei a me perguntar se era realidade ou alguma conseqüência do porre do sábado. Primeiro tempo: dois a zero para a França. Meu pai me ligou no intervalo do jogo. Ainda poderíamos reverter a situação! Mas qual o quê? Tomamos mais um gol e até hoje tentamos entender o que aconteceu com Ronaldinho.
2002 foi a maior zebra da história das Copas das quais participamos, ou seja, de todas. A seleção daquela época havia feito as partidas das eliminatórias sem nenhuma competência, nenhum brilho. Jamais acreditei que pudessem fazer algo em campo. Felipão foi quase agredido por não levar Romário. Brigou com 180 milhões de brasileiros e não arredou pé: Romário não foi.
Fomos campeões. Vi Ronaldinho jogar para valer, obstinado a ganhar a Copa, como disse em várias entrevistas. Era a redenção do menino. Todos duvidaram que ele pudesse, depois das cirurgias do joelho, voltar a jogar como antes. Foi o artilheiro daquela Copa que fez brasileiros acordarem de madrugada para torcer. Ganhamos o título numa manhã de domingo, por volta das dez horas da manhã.
Tal como aconteceu em 1998, fomos para a Copa de 2006 convictos de que iríamos faturar outro título. Vimos uma seleção brasileira apática perder para a França. Ouvi Cafu, com a maior cara-de-pau, retrucar para um jornalista que a sua geração era vencedora e que a derrota para a França não poderia ser parâmetro para avaliá-la. Ainda que tivesse razão, seria melhor ter ficado quieto ou se desculpado pelo vexame de seus colegas. Pela terceira vez, fomos eliminados da Copa pela França.
Agora, a poucos dias da estréia da Copa de 2010, quero crer que a seleção de Dunga possa nos surpreender. Para não arriscar palpite, fico na expectativa. Essa, de todas as seleções que vi jogar, é a mais misteriosa, aquela que menos conheço.
Ainda assim, merece minha torcida.
Além delas, tenho alguma lembrança vaga da Copa de 1978. Eu tinha 6 anos e vivia brincando no pátio do prédio em que morava. Ouvia gritos de gol que, ao menos para mim, nada significavam.
Em 1982, já com dez anos, fui apresentado realmente à Copa. E da melhor maneira possível: em casa comprávamos salgadinhos e refrigerantes para ver os jogos. Ficávamos na sala, obcecados, absortos. Brasil goleava as demais seleções. A escalação daquela seleção é digna de nota: Sócrates, Zico, Junior, Falcão, Éder, Batista, Leandro, Toninho Cerezo e Valdir Peres no gol. Devo ter esquecido de alguém, mas foi a melhor seleção que vi jogar. Até hoje lembro-me de certos detalhes como, por exemplo, o último escanteio batido pelo Brasil após a fatalidade do gol de Paolo Rossi. Estavam ali minhas esperanças de não sermos eliminados.
Não acreditei na desclassificação. Acho que foi naquela Copa que aprendi a indiscutível lição de que o futebol não é justo. É preciso contar com o senso de oportunidade ou com aquilo que alguns chamam de sorte.
Em 1986, perdemos nos pênaltis para a França. Zico errou um pênalti no tempo regulamentar da partida. Disseram-me, depois, que insistiu em bater o tal pênalti porque havia prometido para o filho que, caso houvesse uma penalidade máxima, assim agiria. Foi longo o tempo em que amaldiçoei o moleque. Doutor Sócrates, então meu ídolo maior do futebol, também errou. Bateu um pênalti displicente, sem garra, sem vontade. Aquilo não combinava com ele.
1990, em plena era Collor, tivemos a pior seleção que já vi jogar. Contaminado por pruridos ideológicos, não queria ver o Brasil campeão. Achava que a eventual conquista da taça pudesse chancelar o aparente clima de prosperidade que o então presidente queria fazer vingar a todo custo. Só não gostei de termos sido eliminados pela Argentina. Maradona havia dado alguma entrevista provocativa em que vaticinara nossa eliminação. A partir de então, continuei a torcer para que perdêssemos o mundial, mas, com mais fervor, torci para que não fôssemos desclassificados pela seleção de Diego Armando. Claro que hoje, olhando para trás, acho aquela torcida uma grande besteira. Onde já se viu, torcer para o Brasil perder a Copa.... Era um sentimento ultrapassado, démodé.
Em 1994, fiquei animado com a possibilidade do título mundial. As eliminatórias foram conturbadas. Chamaram Romário que, com sua genialidade, classificou o Brasil. Para incorrer no exagero alheio, arrisco a dizer que nos trouxe a taça também. Era uma seleção bacana, mas, à exceção de Romário e Bebeto, os demais jogadores não eram fantásticos. Ronaldo, aquele que seria posteriormente apelidado de Fenômeno, foi para os Estados Unidos no banco da seleção. Parece que comprou vinte pares de tênis. Não jogou, ficou quieto aprendendo algumas coisas que certamente lhe serviram para experiências futuras.
Ganhamos a Copa da Itália na disputa de Pênaltis, com um erro de Roberto Baggio. Foi uma vitória esquisita. Tive a sensação de que deveríamos ao menos ganhar a partida com um gol nosso e não com erro da seleção adversária.
Os jogadores foram recebidos aqui com honras de Estado e causaram polêmica por não quererem pagar os impostos das volumosas compras feitas na América. Um dos nossos titulares achou justo que não pagassem impostos: a velha prática do patrimonialismo havia tomado a cabeça dos nossos esportistas. Já que venceram a Copa, “fizeram uma festa bonita”, teriam direito à isenção tributária? Podíamos ficar sem essa....
Em 1998 o Brasil certamente ganharia a Copa. Com uma seleção mais competente que a anterior, fomos para as disputas crentes de que não teria para ninguém. O Brasil era o favorito. Fomos à final. Saí no dia anterior para encher a cara de chope. Quando a partida – aquele espetáculo bizarro – começou, cheguei a me perguntar se era realidade ou alguma conseqüência do porre do sábado. Primeiro tempo: dois a zero para a França. Meu pai me ligou no intervalo do jogo. Ainda poderíamos reverter a situação! Mas qual o quê? Tomamos mais um gol e até hoje tentamos entender o que aconteceu com Ronaldinho.
2002 foi a maior zebra da história das Copas das quais participamos, ou seja, de todas. A seleção daquela época havia feito as partidas das eliminatórias sem nenhuma competência, nenhum brilho. Jamais acreditei que pudessem fazer algo em campo. Felipão foi quase agredido por não levar Romário. Brigou com 180 milhões de brasileiros e não arredou pé: Romário não foi.
Fomos campeões. Vi Ronaldinho jogar para valer, obstinado a ganhar a Copa, como disse em várias entrevistas. Era a redenção do menino. Todos duvidaram que ele pudesse, depois das cirurgias do joelho, voltar a jogar como antes. Foi o artilheiro daquela Copa que fez brasileiros acordarem de madrugada para torcer. Ganhamos o título numa manhã de domingo, por volta das dez horas da manhã.
Tal como aconteceu em 1998, fomos para a Copa de 2006 convictos de que iríamos faturar outro título. Vimos uma seleção brasileira apática perder para a França. Ouvi Cafu, com a maior cara-de-pau, retrucar para um jornalista que a sua geração era vencedora e que a derrota para a França não poderia ser parâmetro para avaliá-la. Ainda que tivesse razão, seria melhor ter ficado quieto ou se desculpado pelo vexame de seus colegas. Pela terceira vez, fomos eliminados da Copa pela França.
Agora, a poucos dias da estréia da Copa de 2010, quero crer que a seleção de Dunga possa nos surpreender. Para não arriscar palpite, fico na expectativa. Essa, de todas as seleções que vi jogar, é a mais misteriosa, aquela que menos conheço.
Ainda assim, merece minha torcida.
terça-feira, 18 de maio de 2010
Detalhes inúteis 2
Escrever sobre o quanto ficamos presos a certos detalhes inúteis fez-me lembrar de uma cena de um clássico do cinema moderno: Os intocáveis, de Brian de Palma.
Eliot Ness e sua equipe estão no encalço de Al Capone. A luta que se travou entre eles é grande, intensa. Juntamente com o delegado, há um antigo guarda (Connery), um exímio atirador, membro da academia de Polícia (Andy Garcia) e um contador. Cada um a seu modo, contribui para que a caça a Capone tenha êxito. O contador, por exemplo, insistia que o grande mafioso poderia ser pego com na sonegação fiscal.
Pois em meio àquele clima de perseguições estratégicas e mortes, Ness, olhando o infinito, absorto, recebe um recado de sua mulher. Ela deseja saber de que cor será pintada a cozinha.
Ele apenas fala:
- E tem gente que ainda se preocupa com a cor da cozinha.
Eliot Ness e sua equipe estão no encalço de Al Capone. A luta que se travou entre eles é grande, intensa. Juntamente com o delegado, há um antigo guarda (Connery), um exímio atirador, membro da academia de Polícia (Andy Garcia) e um contador. Cada um a seu modo, contribui para que a caça a Capone tenha êxito. O contador, por exemplo, insistia que o grande mafioso poderia ser pego com na sonegação fiscal.
Pois em meio àquele clima de perseguições estratégicas e mortes, Ness, olhando o infinito, absorto, recebe um recado de sua mulher. Ela deseja saber de que cor será pintada a cozinha.
Ele apenas fala:
- E tem gente que ainda se preocupa com a cor da cozinha.
sábado, 8 de maio de 2010
Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
Língua brasileira 6
Alagados, música dos Paralamas do Sucesso, é, sem nenhuma dúvida, um clássico. Creio ter ouvido, há tempos, Hebert dizer que ela foi uma espécie de passaporte para o sucesso da banda. Não me recordo exatamente suas palavras, mas o sentido era esse. A música veio a lume em 1986, no LP Selvagem?
Para quem nunca prestou a atenção em sua letra, segue, ao final desse post, seu conteúdo.
Em recente entrevista ao Paulinho Moska, no programa Zumbido do Canal Brasil, Hebert falou sobre a trilogia das favelas mencionadas na letra: Alagados (Bahia), Trenchtown (Jamaica) e Favela da Maré (Rio de Janeiro). As três são favelas construídas com base em palafitas.
Hebert disse que, por ocasião da criação da música, estava lendo a biografia de Bob Marley que menciona a favela de Trenchtown, na qual ele fora criado. Logo depois, associou-a à favela de Alagados e, por fim, à Favela da Maré, por onde passava quando era universitário no Rio de Janeiro.
Como quase ninguém sabe o que é Trenchtown, por ocasião de shows, o público acaba por cantar: "Alagados, sem sal, Favela da Maré"....
Pois, então, não é "sem sal", mas sim "Trenchtown".
Segue abaixo a letra da música:
****
Alagados
Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão postal
Com os punhos fechados na vida real
Lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal
Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar
Vem das antenas de TV
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
Alagados, música dos Paralamas do Sucesso, é, sem nenhuma dúvida, um clássico. Creio ter ouvido, há tempos, Hebert dizer que ela foi uma espécie de passaporte para o sucesso da banda. Não me recordo exatamente suas palavras, mas o sentido era esse. A música veio a lume em 1986, no LP Selvagem?
Para quem nunca prestou a atenção em sua letra, segue, ao final desse post, seu conteúdo.
Em recente entrevista ao Paulinho Moska, no programa Zumbido do Canal Brasil, Hebert falou sobre a trilogia das favelas mencionadas na letra: Alagados (Bahia), Trenchtown (Jamaica) e Favela da Maré (Rio de Janeiro). As três são favelas construídas com base em palafitas.
Hebert disse que, por ocasião da criação da música, estava lendo a biografia de Bob Marley que menciona a favela de Trenchtown, na qual ele fora criado. Logo depois, associou-a à favela de Alagados e, por fim, à Favela da Maré, por onde passava quando era universitário no Rio de Janeiro.
Como quase ninguém sabe o que é Trenchtown, por ocasião de shows, o público acaba por cantar: "Alagados, sem sal, Favela da Maré"....
Pois, então, não é "sem sal", mas sim "Trenchtown".
Segue abaixo a letra da música:
****
Alagados
Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão postal
Com os punhos fechados na vida real
Lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal
Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar
Vem das antenas de TV
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
domingo, 2 de maio de 2010
Detalhes inúteis
Estive recentemente numa pequena cidade do interior paulista. Precisei tirar uns xerox. Entrei na casa onde as cópias seriam feitas. Era um imóvel antigo, com muitos papéis afixados na parede. Ali seria possível tirar cópias xerográficas, converter VHS para DVD e até elaborar e imprimir currículos.
O preço de cada versão do currículo, incluindo 10 cópias, era R$ 3,00 (três reais). Se a esse valor fosse aduzido R$ 1,00 (um real), o consumidor ganharia uma lista de classificados de empregos da cidade. Nada mais coerente: o indivíduo vai lá, imprime seu currículo e ainda ganha as opções para enviá-lo. Serviço quase completo.
Justamente no momento em que entrei na fila para ser atendido, notei que uma moça estava a ditar os dados de seu currículo para a atendente que ali trabalhava sozinha. O currículo em questão nem era extenso, mas demorou um bocado para ser concluído e impresso.
Embora estivesse com pressa, fiquei quieto e pensei que a situação exigia compreensão. Afinal, estava diante de alguém que procurava por emprego e necessitava garantir sua subsistência. Notei que as informações do currículo lhe eram muito caras. Ela fazia questão produzir seu histórico de maneira didática.
Sucedeu que, quando da impressão da versão final do currículo, a moça notou que as folhas estavam com "pequenas manchinhas", segundo suas próprias palavras. Eu teria de esperar mais um tempo para ser atendido. Curioso, desloquei-me sutilmente para ver as manchinhas. Não as vi. Pensei que os óculos recentemente trocados pudessem ter me levado a algum equívoco. Aproximei-me das folhas à procura do problema apontado. Nada. Travou-se quase um debate entre a moça e a atendente.
Ainda sem ver as tais manchas, cogitei de falar com a moça, explicando que, tratando-se de algo tão singelo, quase imperceptível, ela não teria prejuízo algum. Diria que o importante no currículo é o conteúdo e não a forma como ele é apresentado. A essa altura dos acontecimentos, notei que ela pôs as mãos no rosto e esboçou uma cara de profunda insatisfação, quase um choro.
Já quase em desespero, disse à atendente:
- Veja! São mínimos detalhes que vão fazer toda a diferença para quem for receber meu currículo.
Embora insignificantes, os detalhes lhe eram sobremaneira importantes e muito provavelmente justificariam eventual insucesso na conquista de outro emprego.
Saí de lá sem saber o desfecho daquela história. Todavia, fiquei pensando em quanto tempo perdemos com detalhes inúteis.
O preço de cada versão do currículo, incluindo 10 cópias, era R$ 3,00 (três reais). Se a esse valor fosse aduzido R$ 1,00 (um real), o consumidor ganharia uma lista de classificados de empregos da cidade. Nada mais coerente: o indivíduo vai lá, imprime seu currículo e ainda ganha as opções para enviá-lo. Serviço quase completo.
Justamente no momento em que entrei na fila para ser atendido, notei que uma moça estava a ditar os dados de seu currículo para a atendente que ali trabalhava sozinha. O currículo em questão nem era extenso, mas demorou um bocado para ser concluído e impresso.
Embora estivesse com pressa, fiquei quieto e pensei que a situação exigia compreensão. Afinal, estava diante de alguém que procurava por emprego e necessitava garantir sua subsistência. Notei que as informações do currículo lhe eram muito caras. Ela fazia questão produzir seu histórico de maneira didática.
Sucedeu que, quando da impressão da versão final do currículo, a moça notou que as folhas estavam com "pequenas manchinhas", segundo suas próprias palavras. Eu teria de esperar mais um tempo para ser atendido. Curioso, desloquei-me sutilmente para ver as manchinhas. Não as vi. Pensei que os óculos recentemente trocados pudessem ter me levado a algum equívoco. Aproximei-me das folhas à procura do problema apontado. Nada. Travou-se quase um debate entre a moça e a atendente.
Ainda sem ver as tais manchas, cogitei de falar com a moça, explicando que, tratando-se de algo tão singelo, quase imperceptível, ela não teria prejuízo algum. Diria que o importante no currículo é o conteúdo e não a forma como ele é apresentado. A essa altura dos acontecimentos, notei que ela pôs as mãos no rosto e esboçou uma cara de profunda insatisfação, quase um choro.
Já quase em desespero, disse à atendente:
- Veja! São mínimos detalhes que vão fazer toda a diferença para quem for receber meu currículo.
Embora insignificantes, os detalhes lhe eram sobremaneira importantes e muito provavelmente justificariam eventual insucesso na conquista de outro emprego.
Saí de lá sem saber o desfecho daquela história. Todavia, fiquei pensando em quanto tempo perdemos com detalhes inúteis.
sexta-feira, 30 de abril de 2010
Os normais 2
O grande, enorme, fabuloso e inquestionável mérito de Os normais 2 (Direção de José Alvarenga Jr, 2009) é sua duração: apenas e tão-somente 75 minutos.
domingo, 11 de abril de 2010
Salve Geral
Quando da estréia de Salve Geral (Direção de Sérgio Resende, 2009), li uma crítica que apontava para seu didatismo. A narrativa do filme poderia ajudar a compreensão do modus operandi do PCC e dos já famosos ataques de Maio de 2006.
O filme é realmente interessante. Vale a pena assisti-lo.
De minha parte, acho que seu mérito, inegável, foi ter mostrado, ainda que de forma ficcional a existência do acordo entre a cúpula do PCC e a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Esse acordo foi, durante algum tempo, motivo de dúvidas para aqueles que acompanharam os fatos em torno daquele Dia das Mães.
Em meu livro Direito informal e criminalidade: os códigos do cárcere e do tráfico, cheguei a apontar a possível realização dessa negociação a partir de indícios que a mídia paulista havia dado na época. Três matérias significativas a esse respeito foram publicadas na Folha de S. Paulo:
"Gestão Lembo faz negociação com o PCC" (15.05.2006);
"Cúpula do PCC ordena fim dos ataques" (16.05.2006) e
"Marcola confirma acordo com governo, diz deputado" (09.06.2006).
A despeito de a imprensa ter sugerido o acordo, muitos duvidaram dele. Eu mesmo, embora convicto de sua existência e tendo informações de um Promotor de Justiça, preferi não tomar posição no livro; limitei-me a indicar as matérias acima mencionadas.
Hoje, vendo o filme e pensando na situação de modo mais distanciado, não consigo ver que os ataques tenham cessado sem que Marcola e os líderes do PCC tivessem dado algum tipo de ordem.
Tais ataques, relembre-se, somente começaram porque Marcola foi transferido para o DEIC (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) e, depois dele, algumas lideranças do PCC foram isoladas em Presidente Venceslau. Como resposta, o Partido resolveu retaliar o governo, envolvendo a sociedade numa guerra que parou o Estado de São Paulo e causou várias mortes.
A negociação, como bem mostra o filme, se deu de modo célere. Um dos líderes do PCC comentou, entretanto, que somente estando em cadeia nacional de rádio e televisão conseguiriam acabar com os ataques em uma hora, conforme o pedido de uma autoridade pública.
Outro momento significativo do filme é a elaboração do estatuto do PCC. Piloto, filho da protagonista da trama (Andréa Beltrão), recebe das mãos de X, seu parceiro de cela, um papel impresso. No transcurso de sua leitura, em voz alta, faz correção de um erro de concordância, cometido pelo redator do estatuto. X faz uma observação interessante que poderia, salvo melhor juízo, demonstrar a grande ambição transformadora do PCC.
- E enquanto as crianças morrerem de fome, dormirem na rua, não terem oportunidade de alfabetização. Espera aí, tá errado....
- Como errado, porra? É o Partido, mano!
- Tá errado, está escrito "crianças terem". É "crianças tiverem". Olha: Enquanto as crianças morrerem de fome, dormirem na rua, não tiverem a oportunidade de alfabetização". Entendeu? É "tiverem".
- Tu vai copiar do jeito que tá, mano.
- Ué! Não querem alfabetizar as crianças? Então, vai deixar errado?
- O Partido vai tomar conta do país, se ligou?
- E dái, Xisão? O que isso tem a ver com "terem" e "tiverem"?
- Daí que a gente muda o alfabeto. "Terem" fica sendo o certo.
Curiosamente, na versão do Estatuto do PCC que tenho – e que está reproduzida em meu livro – não existe o trecho lido no filme. Nem sequer se fala em alfabetização de crianças.
Será que as fontes a embasar os dois trabalhos são diferentes? Ou será que se trata, no caso do filme, de alguma licença poética?
Enfim, assistir Salve Geral pode resultar num bom programa, em que pese nos fazer recordar de dias difíceis.
O filme é realmente interessante. Vale a pena assisti-lo.
De minha parte, acho que seu mérito, inegável, foi ter mostrado, ainda que de forma ficcional a existência do acordo entre a cúpula do PCC e a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Esse acordo foi, durante algum tempo, motivo de dúvidas para aqueles que acompanharam os fatos em torno daquele Dia das Mães.
Em meu livro Direito informal e criminalidade: os códigos do cárcere e do tráfico, cheguei a apontar a possível realização dessa negociação a partir de indícios que a mídia paulista havia dado na época. Três matérias significativas a esse respeito foram publicadas na Folha de S. Paulo:
"Gestão Lembo faz negociação com o PCC" (15.05.2006);
"Cúpula do PCC ordena fim dos ataques" (16.05.2006) e
"Marcola confirma acordo com governo, diz deputado" (09.06.2006).
A despeito de a imprensa ter sugerido o acordo, muitos duvidaram dele. Eu mesmo, embora convicto de sua existência e tendo informações de um Promotor de Justiça, preferi não tomar posição no livro; limitei-me a indicar as matérias acima mencionadas.
Hoje, vendo o filme e pensando na situação de modo mais distanciado, não consigo ver que os ataques tenham cessado sem que Marcola e os líderes do PCC tivessem dado algum tipo de ordem.
Tais ataques, relembre-se, somente começaram porque Marcola foi transferido para o DEIC (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) e, depois dele, algumas lideranças do PCC foram isoladas em Presidente Venceslau. Como resposta, o Partido resolveu retaliar o governo, envolvendo a sociedade numa guerra que parou o Estado de São Paulo e causou várias mortes.
A negociação, como bem mostra o filme, se deu de modo célere. Um dos líderes do PCC comentou, entretanto, que somente estando em cadeia nacional de rádio e televisão conseguiriam acabar com os ataques em uma hora, conforme o pedido de uma autoridade pública.
Outro momento significativo do filme é a elaboração do estatuto do PCC. Piloto, filho da protagonista da trama (Andréa Beltrão), recebe das mãos de X, seu parceiro de cela, um papel impresso. No transcurso de sua leitura, em voz alta, faz correção de um erro de concordância, cometido pelo redator do estatuto. X faz uma observação interessante que poderia, salvo melhor juízo, demonstrar a grande ambição transformadora do PCC.
- E enquanto as crianças morrerem de fome, dormirem na rua, não terem oportunidade de alfabetização. Espera aí, tá errado....
- Como errado, porra? É o Partido, mano!
- Tá errado, está escrito "crianças terem". É "crianças tiverem". Olha: Enquanto as crianças morrerem de fome, dormirem na rua, não tiverem a oportunidade de alfabetização". Entendeu? É "tiverem".
- Tu vai copiar do jeito que tá, mano.
- Ué! Não querem alfabetizar as crianças? Então, vai deixar errado?
- O Partido vai tomar conta do país, se ligou?
- E dái, Xisão? O que isso tem a ver com "terem" e "tiverem"?
- Daí que a gente muda o alfabeto. "Terem" fica sendo o certo.
Curiosamente, na versão do Estatuto do PCC que tenho – e que está reproduzida em meu livro – não existe o trecho lido no filme. Nem sequer se fala em alfabetização de crianças.
Será que as fontes a embasar os dois trabalhos são diferentes? Ou será que se trata, no caso do filme, de alguma licença poética?
Enfim, assistir Salve Geral pode resultar num bom programa, em que pese nos fazer recordar de dias difíceis.
domingo, 4 de abril de 2010
Romances policiais
"Para mim, a história de nosso tempo não se exprime nem na guerra nem na bomba atômica, mas no casamento de uma idealista com um gângster e na maneira como sua vida familiar e suas crianças evoluem". Com tais palavras, Raymond Chandler traçava com exímia acuidade o retrato de seu tempo. Discípulo fiel de Dashiell Hammett, considerado o maior escritor de romances policiais, Chandler escrevia também roteiros para cinema. É dele, por exemplo, o roteiro de Pacto de Sangue, obra-prima dirigida por Billy Wilder (meu diretor preferido) e baseada no clássico Double indemnity (Dupla indenização), de James Cain. Hammett e Chandler criaram dois detetives que se tornaram célebres: Sam Spade e Philip Marlowe.
Durante muito tempo recusei-me, por puro preconceito, a ler romances policiais. A exemplo de tantos incautos, reputava-os literatura de baixa qualidade. Não perderia meu tempo!
Em 1998, topei com dois livros que, casualmente, me fariam "rever meus conceitos", como diz uma propaganda já quase antiga. O silêncio da chuva, de Luiz Alfredo Garcia-Roza (merecidamente premiado com o Jabuti e o Prêmio Nestlé de Literatura) e Bellini e o demônio, de Tony Bellotto.
O silêncio da chuva, já de pronto, me fez acreditar que é possível conciliar a literatura policial com uma narrativa sensível, aprimorada e bem escrita. Garcia-Roza havia conseguido me mostrar que meu preconceito antigo não era, em verdade, preconceito, mas sim burrice. Lembro-me de uma entrevista que ele deu, no final dos anos 90 no Multishow, em que confessava sempre ler paralelamente a literatura clássica (assim considerada) e a literatura policial. Alguém com um mínimo de bom senso perceberia, pelas suas palavras, a inequívoca possibilidade de apreciar a literatura como um todo, sem desmerecer méritos.
Seus livros seguintes (Achados e perdidos; Uma janela em Copacabana, Vento sudoeste, Berenice procura e Perseguido), foram adquirindo uma agilidade "mais compatível", por assim dizer, com a narrativa policial. Tornaram-se mais rápidos, mas nem por isso perderam o requinte que o autor soube dar à sua primeira obra. Há tempos, mandei a ele uma carta na qual dizia isso. Na gentil resposta que me enviou, chegou a concordar comigo ou, pelo menos, não divergiu frontalmente das minhas observações. Garcia-Roza é o escritor de romances policiais que, mais do que ninguém, alia a pena fina e elegante a tramas bem urdidas, protagonizadas ou não pelo espetacular Delegado Espinosa.
Bellotto, com narrativa também ágil e seca, despertou-me interesse por Dashiell Hammett. Hammett era, até então, apenas o autor de um livro (O falcão maltês) que ficou durante anos na estante da minha casa, juntamente com um volume de Raymond Chandler. É claro que eu já havia ouvido falar no filme homônimo, mas não me atrevi a ler o livro. Pois foi a narrativa do segundo livro de Bellotto que me fez procurar pela produção de Dashiell Hammett.
Depois de ler sua obra-prima, li os contos de Ferradura dourada, traduzido inicialmente no Brasil pela Editora Círculo do Livro e, após muitos anos, publicado pela Companhia das Letras com o título de Continental Op, com belíssima nota introdutória de Ruy Castro. Tiros na noite, por muito tempo inédito no Brasil, fora publicado em primorosa edição pela Record.
Voltando ao Bellotto.... Seus livros com o personagem Remo Bellini – cheio de contradições, fã de blues e morador de uma São Paulo quase noir – conseguiram uma façanha que eu ainda não conhecia: o segundo e terceiro títulos (Bellini e o demônio e Bellini e os espíritos) são muito superiores ao primeiro (Bellini e a esfinge). São apenas esses os três romances nos quais Bellini aparece. Recentemente, Bellotto confessou, em entrevista a Edney Silvestre, que escrevera outros livros sem Bellini para não ficar marcado como autor de um único personagem. Bobagem dele....
Também descobri duas Patrícias, a Melo (brasileira) e a Cornwell (norte-americana).
A nossa Patrícia, a Melo, se diz herdeira da literatura de Rubem Fonseca, de quem somente conheço alguns contos. É dela o fantástico Elogio da Mentira, que se construiu em meio a referências literárias enxertadas numa trama que visa a consecução do crime perfeito. Patrícia Mello tem uma escrita divertidíssima, embora o contexto de suas obras sejam densos, pesados.
Já a Cornwell tem um estilo diferente. É dela a personagem Dra. Kay Scarpetta, médica legista capaz de descobrir indícios dos homicidas por meio das necropsias que realiza. Devorei alguns de seus livros e notei que eles têm uma espécie de cronologia dos personagens. É óbvio que cada obra tem lá sua autonomia. Contudo, os personagens modificam-se conforme o tempo. A Dra. Kay Scarpetta, por exemplo, é uma fumante inveterada nos primeiros livros. Creio que a partir do quarto título, deixa de fumar e passa a criticar com muita frequência um colega fumante insuportável: Marino. Enfim, seus personagens envelhecem, obedecendo a uma linha temporal, dificilmente verificável em qualquer outro personagem. Basta pensar nos heróis em quadrinhos ou outros ícones de histórias de ficção: eles sempre têm a mesma idade e todas as histórias das quais participam são vividas como se o tempo não fosse implacável. Demonstram sempre a mesma destreza, a mesma inteligência e a mesma capacidade de solucionar os problemas que enfrentam.
O Xangô de Baker Street, do Jô Soares, merece também destaque nessa pequena lista. Não sei como o classificaria senão como a perfeita realização de um clima ficcional misturado com personagens da vida real. Jô foi fiel a esse estilo em seus dois últimos livros (O homem que matou Getúlio Vargas e Assassinatos na Academia Brasileira de Letras).
Agatha Christie? Dela li apenas dois livros: Encontro com a morte (um tanto enfadonho) e O assassinato de Roger Ackroyd (sensacional!).
Apenas para não ser injusto, cabe aqui uma menção àquele que conseguiu, ao menos para a minha geração, fazer com que a molecada adorasse leitura: Marcos Rey. Seus livros com temática infanto-juvenis eram essencialmente policiais. Quem não leu Um cadáver ouve rádio? O mistério dos cinco estrelas? Doze horas de terror? Enigma na TV? Pois é, além da lavra infanto-juvenil, Marcos Rey era um grande romancista, infelizmente pouquíssimo valorizado. Mas isso é outra história....
Devo ter me esquecido de algum autor ou obra que mereceria inclusão nesse post. Vou aproveitar a Páscoa e comer um pouco de chocolate. Quem sabe minha memória me surpreende com alguma surpresa....
A propósito, Feliz Páscoa a todos!
Durante muito tempo recusei-me, por puro preconceito, a ler romances policiais. A exemplo de tantos incautos, reputava-os literatura de baixa qualidade. Não perderia meu tempo!
Em 1998, topei com dois livros que, casualmente, me fariam "rever meus conceitos", como diz uma propaganda já quase antiga. O silêncio da chuva, de Luiz Alfredo Garcia-Roza (merecidamente premiado com o Jabuti e o Prêmio Nestlé de Literatura) e Bellini e o demônio, de Tony Bellotto.
O silêncio da chuva, já de pronto, me fez acreditar que é possível conciliar a literatura policial com uma narrativa sensível, aprimorada e bem escrita. Garcia-Roza havia conseguido me mostrar que meu preconceito antigo não era, em verdade, preconceito, mas sim burrice. Lembro-me de uma entrevista que ele deu, no final dos anos 90 no Multishow, em que confessava sempre ler paralelamente a literatura clássica (assim considerada) e a literatura policial. Alguém com um mínimo de bom senso perceberia, pelas suas palavras, a inequívoca possibilidade de apreciar a literatura como um todo, sem desmerecer méritos.
Seus livros seguintes (Achados e perdidos; Uma janela em Copacabana, Vento sudoeste, Berenice procura e Perseguido), foram adquirindo uma agilidade "mais compatível", por assim dizer, com a narrativa policial. Tornaram-se mais rápidos, mas nem por isso perderam o requinte que o autor soube dar à sua primeira obra. Há tempos, mandei a ele uma carta na qual dizia isso. Na gentil resposta que me enviou, chegou a concordar comigo ou, pelo menos, não divergiu frontalmente das minhas observações. Garcia-Roza é o escritor de romances policiais que, mais do que ninguém, alia a pena fina e elegante a tramas bem urdidas, protagonizadas ou não pelo espetacular Delegado Espinosa.
Bellotto, com narrativa também ágil e seca, despertou-me interesse por Dashiell Hammett. Hammett era, até então, apenas o autor de um livro (O falcão maltês) que ficou durante anos na estante da minha casa, juntamente com um volume de Raymond Chandler. É claro que eu já havia ouvido falar no filme homônimo, mas não me atrevi a ler o livro. Pois foi a narrativa do segundo livro de Bellotto que me fez procurar pela produção de Dashiell Hammett.
Depois de ler sua obra-prima, li os contos de Ferradura dourada, traduzido inicialmente no Brasil pela Editora Círculo do Livro e, após muitos anos, publicado pela Companhia das Letras com o título de Continental Op, com belíssima nota introdutória de Ruy Castro. Tiros na noite, por muito tempo inédito no Brasil, fora publicado em primorosa edição pela Record.
Voltando ao Bellotto.... Seus livros com o personagem Remo Bellini – cheio de contradições, fã de blues e morador de uma São Paulo quase noir – conseguiram uma façanha que eu ainda não conhecia: o segundo e terceiro títulos (Bellini e o demônio e Bellini e os espíritos) são muito superiores ao primeiro (Bellini e a esfinge). São apenas esses os três romances nos quais Bellini aparece. Recentemente, Bellotto confessou, em entrevista a Edney Silvestre, que escrevera outros livros sem Bellini para não ficar marcado como autor de um único personagem. Bobagem dele....
Também descobri duas Patrícias, a Melo (brasileira) e a Cornwell (norte-americana).
A nossa Patrícia, a Melo, se diz herdeira da literatura de Rubem Fonseca, de quem somente conheço alguns contos. É dela o fantástico Elogio da Mentira, que se construiu em meio a referências literárias enxertadas numa trama que visa a consecução do crime perfeito. Patrícia Mello tem uma escrita divertidíssima, embora o contexto de suas obras sejam densos, pesados.
Já a Cornwell tem um estilo diferente. É dela a personagem Dra. Kay Scarpetta, médica legista capaz de descobrir indícios dos homicidas por meio das necropsias que realiza. Devorei alguns de seus livros e notei que eles têm uma espécie de cronologia dos personagens. É óbvio que cada obra tem lá sua autonomia. Contudo, os personagens modificam-se conforme o tempo. A Dra. Kay Scarpetta, por exemplo, é uma fumante inveterada nos primeiros livros. Creio que a partir do quarto título, deixa de fumar e passa a criticar com muita frequência um colega fumante insuportável: Marino. Enfim, seus personagens envelhecem, obedecendo a uma linha temporal, dificilmente verificável em qualquer outro personagem. Basta pensar nos heróis em quadrinhos ou outros ícones de histórias de ficção: eles sempre têm a mesma idade e todas as histórias das quais participam são vividas como se o tempo não fosse implacável. Demonstram sempre a mesma destreza, a mesma inteligência e a mesma capacidade de solucionar os problemas que enfrentam.
O Xangô de Baker Street, do Jô Soares, merece também destaque nessa pequena lista. Não sei como o classificaria senão como a perfeita realização de um clima ficcional misturado com personagens da vida real. Jô foi fiel a esse estilo em seus dois últimos livros (O homem que matou Getúlio Vargas e Assassinatos na Academia Brasileira de Letras).
Agatha Christie? Dela li apenas dois livros: Encontro com a morte (um tanto enfadonho) e O assassinato de Roger Ackroyd (sensacional!).
Apenas para não ser injusto, cabe aqui uma menção àquele que conseguiu, ao menos para a minha geração, fazer com que a molecada adorasse leitura: Marcos Rey. Seus livros com temática infanto-juvenis eram essencialmente policiais. Quem não leu Um cadáver ouve rádio? O mistério dos cinco estrelas? Doze horas de terror? Enigma na TV? Pois é, além da lavra infanto-juvenil, Marcos Rey era um grande romancista, infelizmente pouquíssimo valorizado. Mas isso é outra história....
Devo ter me esquecido de algum autor ou obra que mereceria inclusão nesse post. Vou aproveitar a Páscoa e comer um pouco de chocolate. Quem sabe minha memória me surpreende com alguma surpresa....
A propósito, Feliz Páscoa a todos!
Assinar:
Postagens (Atom)