terça-feira, 30 de junho de 2009

Imaturidade e efervescência

Um recente olhar retrospecto fez-me lembrar de como a década de 1990 tinha uma efervescência política e intelectual bastante interessante. Estudantes de Ciências Sociais, eu e alguns amigos acompanhávamos os debates da época com entusiasmo. Imaturos que éramos, não conseguíamos a isenção necessária para avaliar o momento nacional. Seguíamos a velha necessidade de contrapor a esquerda à direita, os socialistas aos liberais, os democratas aos tirânicos. Éramos, enfim, maniqueístas.

Em 1991, líamos os colunistas diários da Folha. Como estudantes, tínhamos pouco dinheiro. Não assinávamos o jornal e, lúcidos, optávamos sempre pela cerveja e pelo cigarro. Em atitudes pouco éticas, e já ébrios, acabávamos surrupiando furtivamente os jornais dos vizinhos. Com o passar do tempo, essa prática ficou inviável e tivemos de encarar o valor mensal do periódico.

Havia sempre debates em torno do que diziam os colunistas. Eram todos de primeira linha. Às segundas-feiras, Florestan Fernandes; às terças, José Serra; às quartas, Delfim Neto; às quintas, FHC e, às sextas, escrevia alguém cujo nome escapa da minha memória. Se alguém souber, por favor, avise-me.

Florestan escrevia frases de efeito que seduziam a maioria dos socialistas. Suas colunas eram repletas de metáforas e traziam textos densos, jargões que animavam os estudantes marxistas afeitos à tradição revolucionária. Estávamos no período em que Collor era presidente. Florestan pintava e bordava ao criticá-lo. Utilizava-se de descrições históricas e análises sociológicas para combater aquele que chegara a comparar ao Imperador D. Pedro. Líamos empolgadíssimos a tira da segunda.

FHC era, ainda, senador. Contrapúnhamos seus textos aos do Florestan, já que eram, respectivamente, aluno e professor. Estavam, ademais, em campos distintos na arena política. Para nós, o professor estava sempre com a razão. Éramos incapazes de ver que o senador estava mais preocupado em discutir a transição democrática com base em propostas concretas do que avaliar episódios pretéritos de nossa história.

Delfim, via de regra, sempre encontrava um jeito de atacar o marxismo, embora não fizesse menção expressa a nenhum texto de Florestan. Ficamos surpresos quando descobrimos que, embora liberal, Delfim é um profundo conhecedor do marxismo inglês. Disseram-nos que de sua biblioteca constam milhares de volumes sobre marxismo. E daí?, perguntávamos. Delfim era Delfim, um homem de inteligência extraordinária, mas repudiado por nós por suas posições políticas. Além de tudo, sabíamos do tal “milagre econômico”.... No fundo, ninguém gostava de lê-lo. Vez por outra, batíamos os olhos em seus textos para comentar alguma coisa, como se fôssemos capazes de refutar alguma ponderação sobre economia brasileira.

Serra não nos tocava. Todavia, era sempre bom lê-lo, pois por meio de seus artigos tínhamos claras algumas idéias daqueles que considerávamos "inimigos políticos". Só algum tempo depois é que percebi que considerar adversários políticos como inimigos é sintoma de que o foco da discussão foi deslocado. Entretanto, era o que fazíamos com relativa frequência.

E foi como "inimigos" que ficamos inquietos quando o tucanato flertou com a possibilidade de adesão ao ministério do Collor. Torcíamos para que essa adesão se realizasse. Com ela, poderíamos recrudescer nossas posições políticas e desprezar de vez o que, naquela época, era tido como "centro-esquerda". De outro lado, ao mesmo tempo, imagino que, inconscientemente, tivéssemos a esperança de que os tucanos pudessem contribuir positivamente para o governo Collor. Seria uma maneira sutil de minimizar os prejuízos que o representante da oligarquia de Alagoas andava fazendo com o Brasil.

Logo depois veio o episódio do impeachment e o clima político mudou substancialmente. Toda aquela efervescência encontrou seu ponto de ebulição.

Ainda hoje lembro-me das mesas noturnas com cervejas, fumaças e as discussões sobre o "lado de lá" e o "lado de cá". Ainda hoje lembro-me dos domingos em que ficava na expectativa de ler a análise do Florestan sobre o momento que vivíamos. E que vivêramos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

O acordo ortográfico, ainda

Língua brasileira 5: O acordo ortográfico, ainda

Não sei até quando conseguirei resistir às normas do tal acordo ortográfico. Não quero parecer rebelde ao recusá-las. Tampouco gostaria de aceitar tudo de primeira hora, como se concordasse com as inconvenientes mudanças. Jurei que até 2012 permanecerei com as normas antigas.

Lembro-me que em 1993 os rumores sobre um projeto ortográfico para os países lusófonos já existia. À época, havia comentários de toda sorte. Um deles residia no fato de que o acordo atenderia, caso aprovado, ao interesse econômico de algumas editoras e sobrelevaria, ainda mais, a notoriedade do saudoso Antônio Houaiss. É óbvio que essa hipótese era absurda, ao menos no que toca ao filólogo.

Escrevi no verão daquele ano um artigo que foi publicado no jornal de Tambaú. Como o periódico era de parca circulação (em âmbito nacional, bem entendido), tenho a certeza de que o estrago de minhas idéias foi restrito. Para ser franco, nem me lembro exatamente de seu conteúdo. Sei, entretanto, que sustentei alguma contrariedade. Passado tanto tempo e agora já com o acordo quase em vigência, volto ao assunto. O estrago aqui perpetrado também não será grande: a audiência do meu blog é ainda mais restrita do que a circulação do simpático jornal.

Creio que algumas normas são uma aberração pela incapacidade prática de atribuir, àqueles que se comunicam, valores precisos de linguagem e pronúncia. Não discordo que a língua deva ser viva, autêntica e possa mudar. Já me manifestei sobre isso nesse blog. O que me deixa inquieto é suprimir pequenos sinais que fazem muita diferença na hora da leitura.

Hoje, fico imaginando a molecada, no início da alfabetização, escrevendo "estreia" e falando "estrêia"; escrevendo “joia” e falando “jôia”. Muitos escreverão "ideia", mas terão mesmo "idêia". Parafraseando o fantástico crítico Roberto Schwarz, as idéias parecem “estar fora de lugar”. A falta de diferenciação da tônica dessas palavras me deixa inquieto.

Além disso, há outro problema: embora se diga não ser obrigatório, o tal acordo se transformou numa tirania: os jornais, a televisão e os romances recentemente publicados estão adotando as novas regras! Já existem até legendas de filmes estrangeiros com a nova grafia do português.

Parece um complô. Ninguém tem coragem de peitar essa baboseira, ao menos até que ela se formalize e passe a ser exigida de fato?

Salvo engano, o professor Pasquale ficou de resistir. Li, em algum lugar – também salvo engano, fique claro – que não adotaria as novas normas. Fiquei um bom tempo sem ler sua coluna na Folha. Recentemente, apenas para tirar a prova dos nove, dei uma olhada em alguns de seus artigos. E não é que ele já virou a casaca? Teria cedido a injunções editoriais ou se seduzira mesmo pela novidade?

E quanto aos jornalistas e cronistas que todo dia publicam algo? Devem escrever do modo antigo e precisam submeter seus textos a algum revisor contratado especialmente para tirar os acentos e os hífens, agora supérfluos. Penso no Ruy Castro adequando a grafia nova à sua pequena coluna na contracapa do jornal. Penso no Cony, que já se manifestou a respeito do acordo. Com sua simpática ranhetice, deve brigar constantemente com as palavras. Penso no Nelsinho Motta, no Clóvis Rossi....

Só não consigo imaginar o que passava pela cabeça do Luiz Inácio ao assinar o acordo ortográfico.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Gorducho, ainda

Ontem, disseram-me sobre a primeira partida da final da Copa do Brasil:

- O gordo está resfriado. Vai entrar em campo e não vai fazer nada....

Fiquei quieto.

Hoje, depois da vitória, limito-me a colocar um pequeno trecho do artigo de Carolina Araújo e Paulo Galdieri, publicado na Folha de S. Paulo.


Ronaldo supera gripe, brilha na hora agá e decide

Atacante passa jogo apagado, mas dá ao Corinthians folga confortável para segundo jogo da final da Copa do Brasil

Corinthians 2
Internacional 0

CAROLINA ARAÚJO
PAULO GALDIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ronaldo estava sumido. Contundido, gripado. Apagado. Mas, na hora agá, no momento da decisão, ele reapareceu.
O camisa 9 marcou aquele que pode ter sido o gol que valerá o título da Copa do Brasil ao Corinthians, maior sonho do clube alvinegro na temporada.
Com um único lance, ele conseguiu ser fundamental mesmo sem ter sido destaque no jogo. Sem fazer uma partida genial, sem apresentar lances extraordinários, sem ser participativo durante todo o confronto, foi, simplesmente, decisivo.
(....)
Até o goleiro Felipe, que parou o ataque do Inter e dividiu o protagonismo da decisão com o camisa 9, deixou os holofotes do jogo de ontem para o colega. "Ele fez mais um e mostrou que é o Fenômeno realmente."

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A humildade do Gorducho

No último post escrevi sobre Ronaldo, o Gorducho. Esqueci-me de apontar o que, depois de sua genialidade, talvez seja seu traço mais característico. Para ser rápido, relembro que, instado a falar sobre seus gols na final do campeonato paulista, ele se saiu com essa (foi mais ou menos assim):

- A equipe fez um bom trabalho e por isso tivemos sucesso. Essa história do meu protagonismo não é importante. Alguém tem que fazer gols e, por acaso, esse alguém sou eu.

Então é isso: por acaso, apenas e tão-somente por acaso, é ele quem faz os gols do Timão.

Dá para acreditar?

sábado, 6 de junho de 2009

Gorducho

"Parábola do homem comum
Roçando o céu
Um
Senhor chapéu
Para delírio das gerais"
(Chico Buarque)

Embora não concorde com a idéia de que futebol não se discute, procuro evitar muita falação sobre o assunto. Já vi brigas sérias por causa de jogos, jogadores, esquemas táticos e apelidos. Sempre há alguém que não consegue manter a isenção necessária ou o bom senso para manter a conversa em níveis civilizados.

Generalizações também são inevitáveis. Fala-se de times e torcedores como se todos representassem uma única opinião, tivessem o mesmo comportamento e significassem a mesma coisa. Assim, difundem-se idéias absolutamente equivocadas como aquelas que atribuem a todo corintiano a pecha da tendência marginal e aos sãopaulinos a preponderância de traços homossexuais masculinos. A estupidez é grande e, acreditem, ainda existe.

Se hoje escrevo sobre futebol, não é para falar do meu time, mas para mencionar algo que está acima dele e de todos os demais. Trata-se da genialidade do velho Ronaldo, o gorducho (como sempre diz a Ivana Arruda Leite em seu blog), que todos diziam ultrapassado e morto na arena do futebol.

Não sou conhecedor de sua trajetória. Acompanhei com entusiasmo sua recuperação após aquela malfadada arrancada que culminou na fratura exposta de seu joelho. Confesso que não acreditava em sua recuperação. Para mim, Ronaldo havia perdido o viço e a força do arranque.

Enganei-me. O gorducho (que ainda não era gordo), se superou. Foi convocado para a Copa de 2002; foi artilheiro, marcou os dois gols da grande final; tornou-se campeão mundial pela segunda vez.

Depois disso, ficou na Europa. Deve ter tido novos problemas e sua carreira se afigurava cada vez mais decadente. Cadê Ronaldo?

Pouco tempo antes de ser contratado pelo Timão, vi uma foto sui generis: barrigudo, cabeludo e com cigarro na mão, Ronaldo dava ares de boemia e sedentarismo. Aquela foto me pareceu a comprovação do fim de sua carreira. Dali para frente nada mais seria possível. Ronaldo viveria das glórias, do dinheiro, da fama e do prestígio já conquistados.

Enganei-me novamente.

Seu retorno se deu pouco a pouco, sem pressa, mas com confiança. O gorducho entrou para jogar poucos minutos, não completara meio jogo. Depois, foi ganhando espaço. Marcou gol no final do segundo tempo, fez dribles memoráveis e foi seguindo. Muita gente ainda desconfiava, mas estava de volta.

Na primeira final do campeonato paulista contra o Santos, Ronaldo nos brindou com sua genialidade. Parou no pé uma bola impossível de ser estancada, grudou-a literalmente em sua perna, como se ali houvesse cola. Rumou para o primeiro gol, num átimo.

O segundo, incontestavelmente um gol de placa, foi uma pintura. Com um drible de rara beleza plástica, arrumou a bola e encobriu o goleiro "num senhor chapéu", como diria o poeta.

O rei, que estava na Vila Belmiro assistindo ao jogo, retirou-se. Disse que aquele foi um gol de Pelé em Copa do Mundo.

No ano que vem, quem sabe....

Em tempo: como não tenho a menor vocação para comentarista esportivo, sugiro a leitura das crônicas de Nelson Rodrigues sobre futebol. São primorosas!