Tio Harlan 3: o ponto fraco - Roberto Barbato Jr
Antes de contar por que o tio Harlan foi parar na cadeia, vou falar sobre seu ponto fraco. É claro que um sujeito como ele há de ter um ponto fraco. Todo mundo tem, não é?
Pois o ponto fraco do tio Harlan chama-se Aline. Ela é morena, olhos pretos, busto na medida – nem grande, nem pequeno – e as coxas mais lindas das quais já tive notícia. Quando fala, Aline não alteia a voz, mantém o mesmo timbre, o mesmo volume e a mesma cadência. Tem uma voz rouca que parece um sussurro direcionado ao tubo auditivo. Ela não anda, flutua. É de deixar qualquer homem louco. Na frente do tio Harlan, então, ela causa verdadeiro estrago.
Quando a conheceu, fez de um tudo para conquistá-la. Procurou o seu endereço na lista telefônica (ainda não existia internet) e mandou rosas pra casa dela, de duas em duas horas. Cada buquê com um cartão diferente. A família da moça espirrou a noite inteira: todo mundo lá era alérgico a flores, mas o idiota não sabia disso, nem poderia prever. Ficaram todos curiosos e, de alguma forma, disseram que se vingariam do remetente, fosse quem fosse.
Como a menina ainda não sabia quem era o tio Harlan, a besta resolveu ligar pra casa dela para ouvir sua voz. A paixão já havia assumido proporções grandiosas. Ligava e não falava nada, ficava com o telefone na orelha ouvindo “alô, alô, alô”, como se aquilo lhe pudesse dar algum prazer. Naquela época também não tinha bina e, por isso, o tio Harlan abusava das ligações. A família da Aline já não sabia mais o que fazer quando atendia um telefone mudo. Apelidaram o interlocutor silente de mudinho. Mal sabia o retardado do meu tio que ele já tinha até apelido para a família da moça.
Quando foi apresentado para a menina, quase teve uma caganeira. Tremeu, ficou vermelho e gaguejou. A moça, um pouco surpresa, perguntou se ele passava bem. Por um milagre, em duas semanas começaram o namoro. O tio Harlan estava nas nuvens. Conheceu o futuro sogro, a sogra e as duas cunhadas (que também eram lindas mas não chegavam aos pés da irmã). Passou a frequentar a casa dela, almoçava, jantava e assistia ao Jornal Nacional na sala com todos. Àquela altura dos acontecimentos, o sogro, que não era bobo, nem nada, já tinha sacado que o mudinho e o remetente das flores eram a mesma pessoa, ou seja, a besta do tio Harlan. Afinal, os telefonemas mudos não já existiam mais.
Namoro no sofá, intimidade com as cunhadas, beijinho atrás da porta, mãozinha aqui, mãozinha ali.... e tio Harlan se achando o sujeito mais gostoso do mundo. Do dia pra noite, tomou o fora. Foi uma hecatombe. Aline confessou que estava apaixonada pelo Tarcísio e que já tinha iniciado com ele um relacionamento intenso. Muito intenso, ela fez questão de frisar.
O problema é que o Tarcísio era o melhor amigo do meu tio, amizade antiga, de infância mesmo. Ele não conseguia entender como aquilo foi acontecer: o Tarcísio era desengonçado, mal arrumado, tinha crateras de espinhas no rosto e, pior, mau hálito. Parecia que tinha engolido um urubu. Perder a Aline para ele era um pesadelo, dos piores.
Tio Harlan chorou noventa noites seguidas. Foi nessa época que começou a beber pra esquecer a Aline. Nunca esqueceu. Quando ouve algum comentário sobre ela ou a encontra casualmente, fica pálido, sem ação. Chega mesmo a tremer. Depois, arruma um jeito de se isolar num banheiro qualquer e chora a falta da amada.
Coitado. Nem o tio Harlan - que é um filho da puta - merecia isso.
Um comentário:
Roberto, estou gostando cada vez mais de suas histórias... E esse seu Tio Harlan, é do piru!!!!hahahahakkkkkkk
Continue a encher o sabor da prosa, claramente Universal... Você está indo para o meu face e meu blog....
beijos
Jo
(e não é loucura da joaninha)
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