sábado, 15 de janeiro de 2011

Ah, Julinha!

Ah, Julinha! - Roberto Barbato Jr

Ah, Julinha! Putz, todo mundo queria a Julinha. Baixinha, branquinha, uma bunda razoável e os peitos.... Vivia olhando pro seu busto. Quando ia pra escola com decote, eu ficava naquela curiosidade, estendia o pescoço para alcancar alguma posição favorável. Também ficava apreensivo se aparecia usando camiseta Hering branca com gola V. Aí, sim, ficava louco de vontade dela. A Julinha era muito gostosa. Muito boa mesmo. O quadril rebolando, o andar macio. Parecia que pisava num carpete.

Só se falava nela e ela falava pra cacete. Como falava! Contava da fazenda do pai, da bicicleta nova, do clube, do primo carioca. Jogava bola, subia no trepa-trepa e nunca se recusou a participar daquela brincadeira do beijo, abraço e aperto de mão. Quando era pra beijar na boca, ela beijava com língua e tudo. O beijo da Julinha era um tesão, deixava todo mundo de pau duro. Também brincava do tal jogo da verdade. Contava umas vantagens. Diziam que isso acontecia porque era baixinha e tinha complexo. Imagine: a Julinha com complexo....

Ninguém acreditou quando eu disse que a pediria em namoro. Namorar a Julinha seria o máximo. Beijo de língua e os cambau. Queria surpreendê-la atrás do portão da quadra de vôlei no momento em que as meninas iriam pro vestiário. Pegaria na mão dela, puxaria-a pra mim e faria a proposta. Foram pelo menos umas dez vezes que jurei fazer isso. Nunca conseguia. Chegava perto dela e meu coração disparava, a perna bambeava e eu ficava vermelho, suando frio. Jurava pra mim que no dia seguinte conseguiria. Mas não conseguia.

Eu sonhava com a Julinha constantemente, sentia o perfume dela no sonho. Acordava com ela na cabeça e logo arquitetava algum plano pra sentar perto dela na classe. Mandava bilhetinhos anônimos cuja autoria, é óbvio, ela conhecia. Pensei em sequestrá-la, prendê-la em algum lugar ao qual só eu tivesse acesso. Trancaria a Julinha numa cabine do campo de futebol da escola, colocaria um cadeado com chave única. Levaria roupas e alimentos pra ela, até pizza. Ficaríamos juntos durante todo o dia, movidos a beijos. É claro que o plano não tinha nenhuma chance de êxito. Mas não custava sonhar. E eu sonhava.

Crescemos. A Julinha não quis saber mais de ninguém da turma. Já tinha sido sondada por um menino do segundo colegial, o Marcão. O cara era parrudo, musculoso, jogava bola, corria e nadava. Tinha, também, o cérebro meio atrofiado: não conjugava verbo, não sabia onde era o Japão e um dia jurou que me pegaria na saída da escola. Só porque a Julinha desceu a escada da entrada conversando comigo. Deu um sorriso e me disse que "amanhã a gente se fala". Pronto, o Marcão ficou uma pistola. Ombro a ombro, cara de malvado, me olhou feio. Bateu a mão fechada no peito que nem um King Kong. Foi aí que a Julinha ficou ainda mais gostosa. Agora, quase proibida e prometida pro Marcão, havia se tornado meu sonho de consumo. Era uma questão de honra, eu tinha que conquistá-la.

Grudei nela: no corredor das salas de aula, na classe, na escada da cantina, na porta do banheiro, no intervalo e na saída. A Julinha ficava comigo o tempo inteiro, era uma delícia. Estava pirando de tanta paixão. Enquanto isso, o Marcão continuava jurando que ia me arrebentar. Quanto mais me via com ela, com mais raiva ficava. A surra seria grande. Coitado de mim.

Um dia, chovia pra dedéu, a Julinha chegou na escola ensopada. Olhou pra mim com cara de choro, os olhos molhados, e me disse que iria embora. Ia mudar de escola, de cidade. Iria pra bem longe, mas me mandaria um cartão de Natal. Porra, Julinha, isso é coisa que se diga? Eu preferia apanhar do Marcão. Pois é. A Julinha foi embora. Ah, Julinha....

4 comentários:

Letícia Palmeira disse...

Oiê. Julinha foi embora e deixou só lembrança.

Bjo procê.

Daíse Lima disse...

Vc escreve deliciosamente!!
Passarei por aqui sempre!!!
Abraços!

Joaninha disse...

Robertoooooooo... Eu sabia que você era muito especiallllll!!!
Amei, te amo... que escrita que forma literária maravilhosa, em se dar...
Um pecado simmm precisamos de seu lápis...
O universo está precisando que tenhamos a coragem de sermos transparentes!!
amei a Julinha!!!
Jo/tia Jô/ Joana/ ou AnJô ( personagem de meu livro!!)

Thiago Gomes disse...

Mandou o cartão de Natal pelo menos?