Ao discutir a transição do governo Luiz Inácio para a nova presidenta, Eliane Cantanhede (“Voto de Confiança”, Folha de S. Paulo, 02/01/2011), me levou a pensar na clássica questão da sucessão do líder carismático, tal como formulada por Weber.
Como se sabe, o gênio alemão havia tipificado os três tipos de dominação legítima: a dominação racional-legal, a dominação tradicional e a dominação carismática.
Luiz Inácio é o exemplo mais que pertinente para se ilustrar a dominação carismática. Comentários a esse respeito seriam mais do que desnecessários aqui, bastando realçar sua indiscutível habilidade de persuação e sua capacidade para aglutinação de discípulos e partidários em torno de si.
Em seu sintético (mas afiado) texto, Eliane afirma que “Difícil será preencher o vazio de um presidente carismático”. Sua observação está diretamente ligada à sucessão acima aludida. Como o líder carismático – no caso, o sr. Luiz Inácio – é dotado de características que não podem ser simplesmente “transmitidas”, haveria de se indagar como seria possível encontrar alguém para substituí-lo.
Referindo-se à obra weberiana, Julien Freund, assim discorre sobre o assunto:
“A grande questão do domínio carismático é, pois, a da sucessão. Com efeito, como perpetuar o sistema após a morte do chefe, uma vez que o carisma não se aprende nem se deixa inculcar mas desperta e é sentido, e que os partidários do chefe, como o seu estado-maior, têm um interesse material e ideal de fazer durar esse domínio? A dificuldade reside no fato de ser a obediência dos partidários pura dedicação à pessoa do chefe e de carecer da continuidade que constitui a força da tradição e da legalidade. Weber examina exaustivamente as diversas soluções possíveis. Ou se tenta descobrir um outro portador de carisma, que possua características análogas às do desaparecido (caso do Dalai Lama); a conseqüência desta prática é fundar uma tradição. Ou confia-se na revelação, nos oráculos, na sorte, no julgamento de Deus ou em outro critério irracional; nestes casos, caminha-se mais ou menos rapidamente para uma legitimidade legalista. Ou então o chefe em exercício designa ele próprio o seu sucessor com ou sem a aprovação de seus partidários. Ou ainda a designação é feita pelo estado-maior carismático; este processo exclui a eleição fundamentada no princípio majoritário, pois o problema é encontrar o homem adequado, se se quiser ficar fiel à fórmula carismática. Enfim, o carisma pode-se tornar hereditário, quando se admite a lei do sangue”. (FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987).
No contexto atual, a sucessão de Luiz Inácio não nos remete a reflexão tão apurada e desgastante. A presidenta Dilma, eleita pelo povo brasileiro (e não sugerida por oráculos ou julgada por Deus) muito longe está de qualquer traço carismático. Como bem assevera Cantanhede, a nova chefe (ou também será chefa?) “só não deve arriscar tudo para tentar ser o que não será: um mito”. É de se esperar que saiba, portanto, qual é o papel que lhe cabe nos próximos quatro anos. Aspiremos, mais que esperemos.
Em tempo: já que se fala em carisma e este supõe, de alguma maneira, um traço de inteligência, devemos também recorrer ao comentário de FHC que, há algumas semanas, comentando sobre Dilma, revelou: “Tenho dificuldade mesmo. Você sabe que eu sou curto de inteligência, às vezes eu não consigo. Ela não termina o raciocínio, e eu não tenho imaginação suficiente para saber o que ela ia dizer”. O comentário foi feito no “Manhattan Connection”, de 26/12/2010 (Fonte: Folha de S. Paulo. 28/12/2010).
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