terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Cesar Camargo Mariano e a generosidade do velho

Cesar Camargo Mariano e a generosidade do velho

Em 1986, quando se divulgou que Cesar Camargo Mariano daria um show no São Carlos Clube, a molecada que tinha alguma aspiração musical ficou ansiosa. O repertório poderia ser apreciado por quem, independentemente de preferências de estilo, tivesse apreço pela boa música. Assim, pouco importava se não houvesse a movimentação típica das apresentações do rock nacional, então em efervescência.

O show tão cobiçado seria, ao menos para mim, inacessível. Primeiramente, porque havia um incômodo de natureza interior: o preço do ingresso era elevado. Trezentos cruzeiros era uma quantia acima daquilo que eu me permitia pedir ao meu pai. Em segundo lugar, havia um problema de ordem prática: eu estava em período de “segregação” por ter matado aulas na sexta-feira da semana anterior ao show. Com o perdão do exagero, por quatro finais de semana minha liberdade estaria “cerceada”. Meu pai não era afeito a esse tipo de reprimenda, mas a infração foi comunicada a ele pela própria diretoria da escola, o que moralmente o impedia de adotar com o filho outro procedimento que não aquele. Pois é. A data do show do Cesar Camargo coincidia com o período da tal segregação que me foi imposta. Fazer o quê? Em situações como essa, aproveita-se o que é possível, não é?

Foi com esse raciocínio que formulei a ideia de que o show seria preterível desde que eu acompanhasse o ensaio, a chamada “passada de som”. Como morava perto – literalmente em frente – da sede do clube, aproveitei para dar um pulo lá no salão de bailes. Esse era, aliás, um hábito que tinha sempre que alguma banda se apresentava por ali. Passava tardes ouvindo e vendo os músicos se prepararem. Ao lado do palco, vi Cesar Camargo brincar com as teclas do piano. Como todo músico virtuoso, seus dedos flutuavam sobre o instrumento. Mas não havia nenhum desatino de notas velozes. Ele imprimia leveza e precisão em acordes contidos.

Quando o ensaio acabou, saí dali e me encontrei com uma turma que esboçava uma maneira de burlar a entrada no show. Entrariam no clube por uma cerca furada do campo de futebol e, de modo furtivo, passariam pelas quadras que ficavam atrás do salão. A entrada estaria, então, liberada: sem catracas e sem apresentação de ingressos. Moleza! Para mim, contudo, ainda que o plano fosse eficaz, de nada adiantaria.


No final da tarde daquela sexta-feira, cheguei em casa e comentei, sem nenhuma intenção subjacente, o plano que seria seguido à noite pelos meus amigos e conhecidos. Meu pai ouviu atento o relato e, depois, perguntou-me o valor do ingresso. Curioso, esperei por algum comentário depreciativo ou algum tipo de achincalhe relativo à adoção daquele indecoroso estratagema. O velho, generoso como sempre, me tirou do castigo e me deu o dinheiro para a compra do ingresso. A sua compreensão e o seu apoio, acreditem, foram muito melhores que o show.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Pontepretano: o bravo da recalcitrância

Pontepretano: o bravo da recalcitrância

Sou corintiano. Nunca pensei em mudar de time e, em matéria de futebol, jamais tive qualquer inclinação que não fosse o amor pelo Timão. Desde menino o esquadrão do Parque São Jorge avassalou meu coração. Lembro-me do dia em que o Corinthians rompeu longo jejum em vitórias contra a Ponte Preta, naquela final histórica do Campeonato Paulista, em 1977. Não prestava atenção ao embate, mas brincava pela sala na qual todos o assistiam. Em 1982, sobreveio a consciência da Democracia Corintiana e a paixão pelo Dr. Sócrates. Naquela época, talvez eu torcesse mais pelo Doutor do que pelo Corinthians. Depois, vieram as grandes fases, o rebaixamento, a conquista da sonhada libertadores e do campeonato mundial. Enfim, meu coração é corintiano. Eu não me engano.

Se falo isso é porque depois que vim para Campinas, por inúmeras vezes, me perguntaram: “Em Campinas você torce pra quem: Ponte Preta ou Guarani? A resposta é óbvia: para o Corinthians. Sim, para o Corinthians, em qualquer lugar do mundo. Não tem essa de que o fulano torce para um time numa cidade, para outro em uma outra cidade, e por aí vai. Quem torce, torce para seu time. E pronto.

Isso não impede, contudo, que exista alguma simpatia por outro time que não “aquele do coração”. Eu, por exemplo, tenho apreço pela Ponte Preta. Quando disputam o mesmo campeonato, Timão e Ponte, torço pela vitória do meu time. Todavia, encerradas as possibilidades de conquistar o título, fico na torcida para que o time campineiro logre, pela primeira vez, algum resultado digno de representatividade (um título de primeira divisão ou internacional).

A simpatia pelo time da Macaca não se deve apenas ao fato de ele ter, tal como o Timão, o alvinegro como traço emblemático. Deve-se, também, ao fato de haver uma grande identificação com a massa. A Ponte é um time popular, de torcida sofrida, empenhada e insistente. Mesmo após 113 anos de luta – mais de um século, vejam só! – sem nenhum título na divisão de elite, a Macaca continua esperançosa, ávida pela conquista de um campeonato.

Acho que o pontepretano é um bravo da recalcitrância. Sua insistência, sua tenacidade e senso de esperança são admiráveis. Já por isso mereceria a reverência incontestável das torcidas adversárias.

O triste malogro da conquista da taça Sul-Americana não desmerece em nada o brilho característico da Macaca. O título tão esperado ainda está por vir. Torçamos!

domingo, 1 de dezembro de 2013

Estamos juntos?

Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
(Gilberto Gil - Metáfora)

Não se duvide que o poder da metáfora seja infinito e possa ser utilizado até mesmo pelos menos sofisticados em matéria literária. As crianças, com sua imensa capacidade de dedução, são capazes de nos surpreender com o sentido figurado de muitas expressões. Não sabem o significado delas, mas a usam com toda propriedade. Os boçais costumam se apoderar do sentido análogo. Traçam paralelismos, fazem comparações, utilizam exemplos à farta. Felizmente, a metáfora é democrática e se presta a propósitos de toda sorte e grandeza.

Exemplo disso é o que ocorreu recentemente. Ao saber da expedição dos mandados de prisão de José Dirceu e José Genuíno, o ex-presidente do Brasil, Sr. Luiz Inácio, telefonou para os dois e disse: “Estamos juntos”. Com o perdão da repetição: ao saber que seus colegas de partido estavam na iminência de ser presos, Lula se dirigiu a eles para dizer que “estavam juntos”.

Como, juntos? Juntos, onde, cara pálida?

Os dois Josés iriam – como foram! – para o xilindró e Luiz Inácio continuaria – continua! – fruindo de sua liberdade. Teria ele perdido a noção espacial? Ou seria detentor do dom da ubiquidade?

Só a metáfora poderia justificar uma frase de tão mau gosto! Mesmo com tanta licença poética, a expressão do ex-presidente soa oportunista. Aliás, sob esse aspecto, ele tem jogado um bolão (justo ele que aprecia tanto as analogias com o futebol)! 

Estamos juntos? Peroba nele!