Tio Harlan 7: o gênio da MPB - Roberto Barbato Jr
O tio Harlan não se emenda mesmo.... A última façanha dele foi querer me convencer de que era um talento promissor da Música Popular Brasileira nos anos sessenta. É claro que o mundo da música conspirou contra sua genialidade e ele, sem nenhuma alternativa, acabou se resignando com o trágico destino de seu sucesso.
Ele me contou como se deram os fatos.
Tudo começou em 1966 quando o Chico Buarque venceu o II Festival Popular de Música Brasileira com “A banda”. Nesse festival, o Geraldo Vandré e o Théo de Barros ficaram em segundo lugar com “Disparada”. O vencedor deveria ter sido ele, o próprio tio Harlan, com a fantástica canção “Correria”. Contudo, cancelaram a inscrição da música no festival porque entenderam que ela era um quase plágio de “Disparada”. A letra começava assim:
“Ajeite seu coração
Pras notícias que eu quero te dar
Eu venho de perto do mar
E muito te posso magoar”
O tio Harlan jura que na noite em que estava compondo a gloriosa canção num barzinho próximo da Record, o Vandré ouviu furtivamente a música, registrou-a na cabeça e pediu para o Théo de Barros fazer uma letra parecida. Em suma, “Disparada” nada mais era do que um rotundo plágio. Se “Correria” tivesse participado do festival, ganharia até d’ “A banda”, do Chico. “Disparada” nem seria classificada....
A despeito do golpe que a vida lhe dera – ou melhor, que o Vandré lhe impingira –, tio Harlan não desistiu de prosseguir na carreira musical. Em 1968, compôs sua obra prima: “Boi Vatá”.
A letra dizia o seguinte:
“Vou pra lá
Eu ainda vou pra lá
Mas depois eu vou voltar
Pra ver o Boi Vatá
Pra ver o Boi Vatá”
É óbvio que quando o Chico e o Tom Jobim inscreveram “Sabiá”, acabaram com as expectativas do tio Harlan. Afinal, a letra e a melodia eram.... muito semelhantes (Vou voltar/Sei que ainda vou voltar/Para o meu lugar/Foi lá e é ainda lá/Que eu hei de ouvir cantar/Uma sabiá)
Pô, aquilo foi um balde de água fria. Mais uma vez, o gênio promissor da MPB teria levado uma rasteira. Ele atribuiu ao Tom o furto da melodia e ao Chico, a ideia da letra. A sacanagem – expressão textual dele – teria acontecido no antigo bar Veloso, numa noite em que o Tom, o Chico e o Edu Lobo bebericavam por ali. Foi naquela ocasião que o Tio Harlan tocou pela primeira vez o “Boi Vatá”. Sentou ao piano e estraçalhou: o bar inteiro o ovacionou.
Quando a música chegou ao conhecimento da comissão julgadora do festival, teve logo sua inscrição indeferida. Entenderam que o meu tio era um falsário de longa data. Como o Tom Jobim já era o Tom Jobim e o Chico já era o Chico, ninguém daria bola para o Tio Harlan, é claro.
- Se eu tivesse participado, levaria o prêmio. O Chico e o Tom que se cuidassem – disse-me com muito ressentimento.
Ao final de toda história, balancei a cabeça para confortá-lo. Não acreditei em uma só palavra do tio Harlan. Mas como ele estava emocionado, achei que devia dar aquela forcinha pra ele:
- Tio Harlan, você me mata de orgulho....
2 comentários:
Não esmoreça tio Harlan: ajustando os versos gloriosos de "boi vatá" em outra variação melódica você pode estourar no próximo carnaval bahiano! Então, o sr. pode bradar em sua defesa: não tem nada de picareta em minha verve artística, e sim micareta! Sinais dos tempos, seu Harlan! abraço cordial direto do sul de minas..
Quase me esqueci da vocação ecumenica do velho e querido Harlan: juntando Bahia e Pará com sua musicalidade brasileiríssima! Lembro-me da última vez que o vi, danado de raiva, pois dizia que não poderia mais me visitar: na mesa de uma bar em no interior, ao lado do cumpadre Carlos, versejou: "quero voltar a minas/ mas minas não há mais.."
um velho soldadinho
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