quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A política e os amigos


A política e os amigos - Roberto Barbato Jr

É impossível não perceber que passamos por um momento de intenso debate político. Mesmo aqueles que não nutrem apreço por discussões, acabam por tomar partido dessa ou daquela posição. Malgrado em alguns casos não tenham ciência do que professam, são enfáticos em suas manifestações. Publicam sua opinião ainda que ela não seja moldada por argumentos sólidos e reflexões ponderadas. Porventura, muitos trazem-na à baila por mera necessidade de esbravejar, marcar algum ponto sabe-se lá com quem.

De fato, nesses tempos de discussões tão acaloradas, é difícil se manter silente, sem se manifestar ao menos uma vez, seja lá de que maneira for. Desde que irrompeu o debate sobre o impeachment da Dilma nos meios de comunicação de massa, nas redes sociais e nas mesas de bar, tenho visto inimizades brotarem, ataques pessoais destruírem amizades sólidas e relações de alguma simpatia. A política tem se prestado, como nunca, a arruinar amizades, o que, convenhamos, jamais deveria acontecer. No entanto, nem sempre ficamos imunes a isso.

Lembro-me, com vergonha, que optei por me afastar de amigos em virtude de posturas ideológicas dissonantes das minhas. Jamais me indispus com eles. Todavia, releguei seus contatos a segundo plano e, pouco a pouco, deixei de alimentar laços que poderiam ter perdurado até hoje. Cuidava-se, sem dúvida, de uma postura insensata, mas escusável pelas circunstâncias e idiossincrasias da pouca idade. Se não podiam entender meu fascínio pela obra de Chico Buarque ou a importância das Diretas Já, não serviam para minha companhia; se preferiam Caiado à Lula, era porque representavam interesses que, mesmo não manifestos, não podiam estar ao meu lado; se não conheciam Ulisses Guimarães e votavam em Collor, estavam a desejar a manutenção da ordem aristocrata e, por isso, não podiam ser meus amigos. O maniqueísmo e a intransigência eram notas fortes naquele período e eu, por ironia, as abracei.

Felizmente, o tempo sempre cobra mudanças. Na época de faculdade, alguns colegas de classe do curso de Ciências Sociais eram de filiação política diferente da minha e, ainda assim, sentávamos para tomar cerveja e arrostar credos ideológicos. Tudo na mais absoluta paz. Hoje, dois grandes amigos, duas das pessoas mais inteligentes e cultas que conheço pessoalmente – Pedro Meira Monteiro e Conrado Pires de Castro – apoiam integralmente o governo petista. São intelectuais brilhantes, mas, antes de tudo, admiro-os como amigos e jamais deles me distanciaria por uma questão político-ideológica.

Atualmente, incomodo-me quando noto que, entre amigos, surgem discussões sem sentido, por conta de uma expressão menos sutil ou um xingamento deliberado a este ou aquele político, a esta ou aquela personalidade pública. Vejo pessoas queridas e outras pelas quais tenho simpatia escrevendo sobre suas convicções e, mesmo quando distam das minhas, tento encará-las com serenidade. Sinto que o afastamento de amizades se ampare na incapacidade de se perceber que o reino da política é essencial para a vida gregária, mas impassível de se sobrepor aos sentimentos de humanidade e respeito que devemos cultivar de forma intransigente.

Entre a política e os amigos, fico com eles.

sábado, 3 de setembro de 2016

E agora? O impeachment e os tipos ideológicos da atualidade



E agora? O impeachment e os tipos ideológicos da atualidade - Roberto Barbato Jr

         Quem viveu a década de noventa e acompanhou o impeachment de Collor jamais poderia imaginar que o Brasil se veria, novamente, às voltas com um processo similar. Essa observação parece assumir maior relevo ao se considerar que, desta vez, o impedimento se deu em relação ao partido que outrora tanto falou em moralizar a coisa pública e banir a corrupção do poder. A história flagrou os apologéticos da moralidade e da honestidade justamente no lugar que tanto abominaram. Pois não seria exagero trazer à baila a máxima de Marx segundo a qual a história acontece como tragédia e se repete como farsa. Até nisso o Partido dos Trabalhadores resolveu fazer jus ao brilhantismo da narrativa do autor de O Dezoito Brumário. Sua trajetória, hoje é inconteste, cinge-se a uma farsa, uma fraude.
            Concorde-se ou não com essas ponderações, não se pode fugir de questões que têm sido amiúde discutidas pela polarização que se instaurou no país há pouco tempo.
         O "fora Temer" e o "fora Dilma" tornaram-se slogans de posições que se apresentam destituídas de qualquer conteúdo ou argumento sólido. São apenas uma forma de expressão de quem não procura desvelar as nuances subjacentes ao debate político atual. Situar o problema nesses termos é sinônimo da incapacidade intelectual que a maioria dos apaixonados militantes tem demonstrado. E não me venham com o pífio argumento de que os "foras" são uma espécie de protesto. São bravatas inócuas.
         Decorre dessa polarização a evidência de tipos ideológicos – sim, estamos no campo da mera ideologia – que se delinearam com precisão. Dois deles estão no centro do debate: os "coxinhas da elite branca" e aqueles que se autoproclamam proprietários da moralidade pública. Os primeiros teriam tramado o que se convencionou chamar, pelos segundos, de golpe. A piada só não é mais jocosa porque existe a esperança de que se reconheça o óbvio: um golpe jamais poderia estar lastreado por procedimentos derivados da mais alta corte jurídica brasileira. Mesmo que se queira atribuir à expressão alguma forma eufêmica, ainda assim – reitere-se – o argumento não encontra arrimo na racionalidade. Quanto aos segundos, bastaria mencionar seu maior representante: Luiz Inácio. Quem tem acompanhado suas declarações deve lembrar-se que todos os brasileiros foram, há tempos, rebaixados de postos na hierarquia da honestidade. Em 2005, o nobre sindicalista disse que "Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu para fazer o que precisa ser feito nesse país". Ninguém mais do que ele? Pois é, assim foi falado e registrado. De lá para cá tivemos o "Mensalão" e o "Petrolão" e, mesmo diante dos esquemas mais corruptos da história nacional, Lula continua a ser o mais honesto brasileiro. Em data recente, sem nenhum pudor, afirmou que "Não tem neste país uma viva alma mais honesta do que eu”. Infelizmente, não pudemos ouvir a opinião de José Dirceu que, nesse momento conturbado, tem se preocupado em manter carregadores de celulares em sua cela.
         Entre "coxinhas da elite branca" e os "proprietários da honestidade" há um subgrupo que, por sorte ou ironia, não vem assumindo relevância no cenário político: a esquerda caviar. Dele participam os desamparados por qualquer senso crítico ou categorial. Não têm mínima noção do que vem a ser uma classe social e mal sabem o significado do tamanho do Estado na economia brasileira. Também não sabem que a Pátria Educadora era uma proposta para incautos acreditarem e que jamais poderia dar certo, como realmente não deu. Para eles afigura-se belo o discurso que projeta mais uma grande farsa para a população: a ideia de que o Bolsa Família e a atuação de Dilma foram capazes de reduzir a disparidade social no país. À mingua do conhecimento de dados e acompanhamento da realidade nacional, os integrantes da esquerda caviar só fazem repetir o que o senso comum reproduz. É mais fácil assim e não se pode esperar deles posição diversa.
         Se esses tipos ideológicos parecem definidos, o que não se pode arriscar é o rumo que Temer irá impor ao Brasil nos próximos anos. Conhecemos seu perfil de velho representante das arcaicas práticas políticas nacionais, mas nem por isso seria razoável torcer para que sua regência se dê sob uma frágil e incompetente batuta. Os debates políticos continuarão efervescentes, suscitando, inclusive, questionamentos sobre a legitimidade de seu governo. Será quase impossível preterir a política como arena de discussões. Todavia, se se superar o viés politiqueiro (a política ordinária tal como qualificada por Bobbio) dos tipos acima descritos, poder-se-á adotar a concepção de que a gestão da economia depende mais de competência técnica do que de habilidade política. Sob esse ponto vista, parece-me que, desde o afastamento de Dilma, o Brasil tende a se reencontrar com um mínimo de normalidade. A confiança de investidores no mercado voltou a ser objeto de reflexão e as oscilações do câmbio aferiram novo ânimo às relações de comércio e à produção industrial. Tudo isso, sem dúvida, ainda se desenha de forma tímida. É um começo, entretanto.
         Nesse momento, quiçá fosse producente que "coxinhas da elite branca", "proprietários da honestidade" e "pertencentes à esquerda caviar", voltassem os olhos para as demandas dos trabalhadores, para o incremento na educação e na proteção das garantias individuais que têm sido reiteradamente desprezadas no Estado que se pretende de direito. O mercado e a economia reagiriam em conformidade com essas iniciativas? Quem sabe...
         É tempo de volver a atenção para o futuro. Não cabem mais indignações sobre a precária capacidade cognitiva de Dilma ou seu autoritarismo diante do Congresso Nacional. Tampouco se deve perder tempo com ilações sobre o estelionato eleitoral que ela protagonizou no último pleito presidencial.
   Em tempo: se sou a favor de Temer? Nunca fui. Minha torcida é pelo Brasil.