A política e
os amigos - Roberto Barbato Jr
É impossível
não perceber que passamos por um momento de intenso debate político. Mesmo
aqueles que não nutrem apreço por discussões, acabam por tomar partido dessa
ou daquela posição. Malgrado em alguns casos não tenham ciência do que
professam, são enfáticos em suas manifestações. Publicam sua opinião ainda que
ela não seja moldada por argumentos sólidos e reflexões ponderadas. Porventura,
muitos trazem-na à baila por mera necessidade de esbravejar, marcar algum ponto
sabe-se lá com quem.
De fato, nesses
tempos de discussões tão acaloradas, é difícil se manter silente, sem se
manifestar ao menos uma vez, seja lá de que maneira for. Desde que irrompeu o
debate sobre o impeachment da Dilma
nos meios de comunicação de massa, nas redes sociais e nas mesas de bar, tenho
visto inimizades brotarem, ataques pessoais destruírem amizades sólidas e
relações de alguma simpatia. A política tem se
prestado, como nunca, a arruinar amizades, o que, convenhamos, jamais deveria acontecer. No
entanto, nem sempre ficamos imunes a isso.
Lembro-me, com
vergonha, que optei por me afastar de amigos em virtude de posturas ideológicas
dissonantes das minhas. Jamais me indispus com eles. Todavia, releguei seus
contatos a segundo plano e, pouco a pouco, deixei de alimentar laços que
poderiam ter perdurado até hoje. Cuidava-se, sem dúvida, de uma postura insensata,
mas escusável pelas circunstâncias e idiossincrasias da pouca idade. Se não
podiam entender meu fascínio pela obra de Chico Buarque ou a importância das
Diretas Já, não serviam para minha companhia; se preferiam Caiado à Lula, era
porque representavam interesses que, mesmo não manifestos, não podiam estar ao
meu lado; se não conheciam Ulisses Guimarães e votavam em Collor, estavam a
desejar a manutenção da ordem aristocrata e, por isso, não podiam ser meus
amigos. O maniqueísmo e a intransigência eram notas fortes naquele período e
eu, por ironia, as abracei.
Felizmente, o tempo
sempre cobra mudanças. Na época de faculdade, alguns colegas de classe do curso
de Ciências Sociais eram de filiação política diferente da minha e, ainda
assim, sentávamos para tomar cerveja e arrostar credos ideológicos. Tudo na
mais absoluta paz. Hoje, dois grandes amigos, duas das pessoas mais inteligentes
e cultas que conheço pessoalmente – Pedro Meira Monteiro e Conrado Pires de
Castro – apoiam integralmente o governo petista. São intelectuais brilhantes,
mas, antes de tudo, admiro-os como amigos e jamais deles me distanciaria por
uma questão político-ideológica.
Atualmente, incomodo-me
quando noto que, entre amigos, surgem discussões sem sentido, por conta de uma
expressão menos sutil ou um xingamento deliberado a este ou aquele político, a
esta ou aquela personalidade pública. Vejo pessoas queridas e outras pelas
quais tenho simpatia escrevendo sobre suas convicções e, mesmo quando distam
das minhas, tento encará-las com serenidade. Sinto que o afastamento de amizades
se ampare na incapacidade de se perceber que o reino da política é essencial
para a vida gregária, mas impassível de se sobrepor aos sentimentos de
humanidade e respeito que devemos cultivar de forma intransigente.
Entre a
política e os amigos, fico com eles.
Um comentário:
Ao sobrinho mais querido do Tio Harlan:
Reconheço que tenho convicções firmes, pelas quais nutro tanto zelo e apreço quanto ao devotado aos meus queridos amigos. Jamais dedicaria menos respeito aos meus apreciados amigos queridos do que às minhas mais zelosas e profundas convicções. Afinal, entendo que o cultivo do dissenso respeitoso entre posições conflitantes e/ou contraditórias é muito mais propício à sustentação e consolidação de uma verdadeira cultura política democrática do que o falso consenso provisório e dissuasório que visa silenciar as diferenças para reinar impunemente sob a máscara da “imparcialidade” objetivante. Agora, admitir que o edifício constitucional de 1988 tem sido sistematicamente vilipendiado neste mal sinado ano de 2016, a pretexto de um golpe jurídico parlamentar destituído de fundamentação material concreta, passa muito longe de “apoio integral” a governos petistas. Talvez seja mais preciso qualificar de contundente solidariedade, mas não isenta de críticas igualmente contundentes. Minhas convicções não obscurecem, ou não deixam obscurecer totalmente, minha compreensão da “enorme realidade” do tempo e da vida presente, a qual, como no poema de Drummond, estamos todos presos e que taciturna e esperançosamente observo atenta e criticamente junto aos meus companheiros de todas as vertentes ideológicas. Apenas, infelizmente, diferente das melhores expectativas do poeta itabirano, a matéria do nosso tempo revela um presente apequenado, embora tão dispersivo e ameaçador quanto outrora.
Mas a hora pede lucidez e serenidade. Então renovo os votos sinceros de bom ano, com muita saúde (e menos saúva!), sucesso e conquistas.
Abraço fraternalmente dialético,
desse "natural inquieto e desordenado" velho camarada.
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