terça-feira, 18 de maio de 2010

Detalhes inúteis 2

Escrever sobre o quanto ficamos presos a certos detalhes inúteis fez-me lembrar de uma cena de um clássico do cinema moderno: Os intocáveis, de Brian de Palma.

Eliot Ness e sua equipe estão no encalço de Al Capone. A luta que se travou entre eles é grande, intensa. Juntamente com o delegado, há um antigo guarda (Connery), um exímio atirador, membro da academia de Polícia (Andy Garcia) e um contador. Cada um a seu modo, contribui para que a caça a Capone tenha êxito. O contador, por exemplo, insistia que o grande mafioso poderia ser pego com na sonegação fiscal.

Pois em meio àquele clima de perseguições estratégicas e mortes, Ness, olhando o infinito, absorto, recebe um recado de sua mulher. Ela deseja saber de que cor será pintada a cozinha.

Ele apenas fala:

- E tem gente que ainda se preocupa com a cor da cozinha.

sábado, 8 de maio de 2010

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré

Língua brasileira 6

Alagados, música dos Paralamas do Sucesso, é, sem nenhuma dúvida, um clássico. Creio ter ouvido, há tempos, Hebert dizer que ela foi uma espécie de passaporte para o sucesso da banda. Não me recordo exatamente suas palavras, mas o sentido era esse. A música veio a lume em 1986, no LP Selvagem?

Para quem nunca prestou a atenção em sua letra, segue, ao final desse post, seu conteúdo.

Em recente entrevista ao Paulinho Moska, no programa Zumbido do Canal Brasil, Hebert falou sobre a trilogia das favelas mencionadas na letra: Alagados (Bahia), Trenchtown (Jamaica) e Favela da Maré (Rio de Janeiro). As três são favelas construídas com base em palafitas.

Hebert disse que, por ocasião da criação da música, estava lendo a biografia de Bob Marley que menciona a favela de Trenchtown, na qual ele fora criado. Logo depois, associou-a à favela de Alagados e, por fim, à Favela da Maré, por onde passava quando era universitário no Rio de Janeiro.

Como quase ninguém sabe o que é Trenchtown, por ocasião de shows, o público acaba por cantar: "Alagados, sem sal, Favela da Maré"....

Pois, então, não é "sem sal", mas sim "Trenchtown".

Segue abaixo a letra da música:

****

Alagados

Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão postal
Com os punhos fechados na vida real
Lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar
Vem das antenas de TV
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê

domingo, 2 de maio de 2010

Detalhes inúteis

Estive recentemente numa pequena cidade do interior paulista. Precisei tirar uns xerox. Entrei na casa onde as cópias seriam feitas. Era um imóvel antigo, com muitos papéis afixados na parede. Ali seria possível tirar cópias xerográficas, converter VHS para DVD e até elaborar e imprimir currículos.

O preço de cada versão do currículo, incluindo 10 cópias, era R$ 3,00 (três reais). Se a esse valor fosse aduzido R$ 1,00 (um real), o consumidor ganharia uma lista de classificados de empregos da cidade. Nada mais coerente: o indivíduo vai lá, imprime seu currículo e ainda ganha as opções para enviá-lo. Serviço quase completo.

Justamente no momento em que entrei na fila para ser atendido, notei que uma moça estava a ditar os dados de seu currículo para a atendente que ali trabalhava sozinha. O currículo em questão nem era extenso, mas demorou um bocado para ser concluído e impresso.

Embora estivesse com pressa, fiquei quieto e pensei que a situação exigia compreensão. Afinal, estava diante de alguém que procurava por emprego e necessitava garantir sua subsistência. Notei que as informações do currículo lhe eram muito caras. Ela fazia questão produzir seu histórico de maneira didática.

Sucedeu que, quando da impressão da versão final do currículo, a moça notou que as folhas estavam com "pequenas manchinhas", segundo suas próprias palavras. Eu teria de esperar mais um tempo para ser atendido. Curioso, desloquei-me sutilmente para ver as manchinhas. Não as vi. Pensei que os óculos recentemente trocados pudessem ter me levado a algum equívoco. Aproximei-me das folhas à procura do problema apontado. Nada. Travou-se quase um debate entre a moça e a atendente.

Ainda sem ver as tais manchas, cogitei de falar com a moça, explicando que, tratando-se de algo tão singelo, quase imperceptível, ela não teria prejuízo algum. Diria que o importante no currículo é o conteúdo e não a forma como ele é apresentado. A essa altura dos acontecimentos, notei que ela pôs as mãos no rosto e esboçou uma cara de profunda insatisfação, quase um choro.

Já quase em desespero, disse à atendente:

- Veja! São mínimos detalhes que vão fazer toda a diferença para quem for receber meu currículo.

Embora insignificantes, os detalhes lhe eram sobremaneira importantes e muito provavelmente justificariam eventual insucesso na conquista de outro emprego.

Saí de lá sem saber o desfecho daquela história. Todavia, fiquei pensando em quanto tempo perdemos com detalhes inúteis.