sexta-feira, 27 de julho de 2012

Lasik. Descolamento do epitélio. Erosão do epitélio. Complicações Lasik. Conjuntivite pós-Lasik.

Lasik. Descolamento do epitélio. Erosão do epitélio. Conjuntivite pós-Lasik

Dentre todas as vantagens da internet, uma delas é a socialização de ideias, de conhecimentos e de experiências. Por inúmeras vezes, procurei o relato de alguém que tivesse algo a dizer sobre um determinado assunto. Há pouco tempo, por exemplo, antes de me submeter à cirurgia Lasik, busquei relatos de pacientes que a tivessem realizado. Encontrei farto material descritivo da cirurgia, mas não me deparei com narrativas pessoais que pudessem atender às minhas inquietações.

Depois de feita a cirurgia, em virtude de uma pequena complicação, continuei investigando informações e vi apenas um único e breve comentário sobre complicação similar. Não bastasse, após um mês de transcorrida a Lasik, fui acometido por uma intensa conjuntivite.

Supondo que a experiência que tive possa ser útil a alguém, resolvi escrever sobre ela. O texto que segue não tem a menor intenção de ensinar qualquer coisa a quem quer que seja. Trata-se apenas de um relato pessoal. Nada além disso. Antes de iniciá-lo, para os desavisados ou incautos leitores, fique claro também que este blog jamais teve a pretensão de lidar com qualquer assunto ligado à área de saúde. Siga-se.

No inverno de 2007, por volta das seis horas da manhã, acordei com uma intensa dor no olho esquerdo. Não sabia o que havia acontecido, mas tinha a sensação de que algo tinha penetrado meu olho. Acabei coçando-o e, naturalmente, agravei ainda mais a dor que sentia. Consegui consulta com um oftalmologista que logo diagnosticou o problema: tratava-se de uma erosão epitelial. Para quem não sabe, o epitélio é aquela membrana que recobre e protege os olhos. Também tem a função de ajudar a enxergar. Durante aquela madrugada, ocorreu algum ressecamento e, quando abri os olhos, o epitélio havia aderido na pálpebra (ou vice-versa). A decorrência desse processo foi uma abertura abrupta do epitélio, o que também causou muita dor e um embaçamento na visão do olho esquerdo. Por óbvio, quando a erosão acontece na área central do olho, a visão fica realmente embaçada. Foi exatamente o que ocorreu naquela circunstância. Todavia, após 48 horas, o epitélio havia sido reconstituído e o embaçamento, sumido. Transcorrida uma semana, tudo estava bem novamente.

Depois daquela vez, outras tantas aconteceram, tanto na área central do olho, quanto na área periférica. Nenhuma, contudo, foi tão grave e dolorida.

Com o passar do tempo, compreendi que deveria evitar qualquer tipo de ressecamento ocular. Isso era ainda mais evidente quando cuidava-se do período noturno. Passei a pingar colírios lubrificantes com assiduidade, sobretudo antes de dormir.

Até então, a possibilidade de eu fazer a cirurgia refrativa era praticamente nula. Quando me perguntavam a respeito do assunto, dizia que morreria usando óculos e que não tinha a menor intenção de me submeter a qualquer tipo de cirurgia ocular que não fosse, futuramente, a catarata.

Em fevereiro desse ano, após conversar com um grande amigo que havia feito a cirurgia, percebi que a vida sem óculos poderia mesmo ser bastante agradável. Pouco a pouco, fui seduzido pela ideia de me submeter à cirurgia refrativa, embora ainda tivesse muito receio em decorrência da peculiaridade do meu epitélio. Consultei alguns médicos, relatando a todos os problemas de erosão epitelial que tive e colhi várias opiniões. Nenhuma delas, contudo, contraindicava a cirurgia. Ou seja, embora tivesse os olhos relativamente ressecados e o epitélio frágil, eu poderia me submeter ao procedimento cirúrgico.

Escolhi o médico que realizaria a cirurgia. Por razões óbvias, não irei mencionar aqui seu nome. Fiz mais duas consultas com ele para me assegurar de que não teria problemas pós-operatórios em decorrência da fragilidade epitelial. É evidente que jamais pretendi qualquer garantia. Em medicina isso não existe. A inexistência de certeza é, paradoxalmente, a única certeza da medicina. Eu já havia apreendido isso em outra situação, bem mais adversa.

O que desejava, ao menos para a cirurgia refrativa, era garantir que o médico tivesse plena ciência das minhas especificidades. Assim, poderia, caso necessário, intervir da maneira oportuna. Enfim, estava em busca de um cuidado básico, elementar.

A cirurgia

No dia 29/03/2012, enfim, fui submetido à Lasik. Não senti nenhuma dor e tampouco qualquer desconforto significativo. Após o procedimento, o médico colocou uma lente de contato em cada olho e me mandou de volta para casa.

No caminho de São Paulo a Campinas, tive sensações diferentes de todas aquelas que me foram relatadas. Enxergava tudo embaçado e não conseguia ficar de olhos abertos. Diziam-me, antes da cirurgia, que logo após a aplicação do laser, o paciente já sai olhando a tudo com nitidez. Pinguei os colírios indicados pelo médico e tomei todos os cuidados recomendados.

No dia seguinte, ao entrar na sala do cirurgião para o primeiro retorno, recebi a notícia:

- Ontem, durante a cirurgia, você teve um descolamento do epitélio.

Perguntei se o descolamento havia ocorrido nos dois olhos. A resposta foi afirmativa. As lentes de contato, colocadas após a cirurgia, foram retiradas e continuei a enxergar embaçado.

O médico então me disse que não sabia da fragilidade do epitélio. Atribuiu-a a uma circunstância que não vem ao caso mencionar. Todavia, disse-me que não tinha ciência das condições dos meus olhos, que não poderia se “lembrar de todo paciente” e, para fechar com chave de ouro, que “esqueceu de anotar na minha ficha”. Apesar de ouvir tanto absurdo de uma só vez, mantive a calma e acreditei que aquilo seria passageiro, como de fato foi.

As pessoas que já tinham feito a Lasik ou PRK diziam que era assim mesmo, que aquele embaçamento ao qual eu me referia era normal. Era difícil fazê-las compreender que algo havia dado errado no procedimento cirúrgico.

A ideia que se vende por aí é que nos dois primeiros dias após a cirurgia tudo volta ao normal, ou seja, todo o desconforto e incômodo desaparecem, remanescendo apenas uma leve sensação de embaçamento. Pois bem, nas 48 horas sucessivas à cirurgia, eu enxergava como se tivesse um plástico bolha na frente de tudo. Minha visão não estava apenas com embaçamento, mas com uma lâmina de plástico chamuscada.

A administração do colírio antibiótico sugerido pelo médico (Zypred) foi fundamental para que o epitélio iniciasse, em ambos os olhos, o processo de aderência. Aos poucos, bem aos poucos, tudo foi voltando ao normal. O olho esquerdo demorou muito mais que o direito para ficar “bom”. Foram tantos os testes de acuidade visual que fiz sozinho, que já nem me lembro mais quais eram as referências.

De forma resumida – e perdoando-me pelos lapsos que a memória é capaz de produzir –, poderia sintetizar assim o primeiro mês após a cirurgia:

Primeira semana – nos dois primeiros dias, tudo muito embaçado. No terceiro dia, consegui assistir televisão com algum conforto. Ler de perto, nem pensar. Impossível trabalhar na frente do computador.

Segunda semana – idem à primeira com melhoras para trabalhar com computador.

Terceira semana – ler de perto passou a ser algo viável.

Quarta semana – 70% dos problemas resolvidos. Ainda havia algum embaçamento no olho esquerdo. O olho direito estava ótimo, mas o esquerdo o atrapalhava para ler.

Enfim, após um mês, tudo caminhava bem. Aos poucos, a visão de cada olho ia se restabelecendo. Foi então que surgiu um outro problema temido por quem se submete a uma cirurgia refrativa: uma infecção (conjuntivite).

A conjuntivite

Um mês depois da cirurgia, mais precisamente em 30/04/2012, véspera de feriado nacional, meu olho esquerdo ficou vermelho, sem que eu o tivesse coçado. Aquilo que eu mais temia havia acontecido. Estava em curso uma conjuntivite.

Fui ao médico logo após o feriado. Qual médico? Aquele que havia me operado. Voltei a consultá-lo porque entendi que, sendo já conhecedor do problema havido na cirurgia, poderia me prescrever um tratamento ideal, em sintonia com a peculiaridade da minha situação. Enfim, precisava que ele me examinasse e me desse um diagnóstico. Quando entrei em sua sala, pasme, quase apanhei. Pois é. Pode parecer que eu esteja fazendo alguma pilhéria, mas não se trata disso. O médico ficou furioso comigo, como se eu fosse o culpado pela contaminação. Depois de tanto transtorno e a expectativa de melhora rápida, fui acometido pela conjuntivite e ainda tive de ouvir sermão do médico. Como dizem os mais pessimistas, nada é tão ruim que não possa piorar. Tive de me afastar do trabalho no escritório e das atividades docentes.

No início, a tal conjuntivite não apresentou os sintomas usuais, sobretudo a sensação de areia nos olhos. Demorou uma semana para que isso acontecesse. E foi somente depois desse tempo que o olho direito foi acometido pela infecção.

O tratamento que eu estava fazendo era simples: pingava colírios indicados, limpava o olho com água boricada ou soro fisiológico e, naturamente, administrei antibiótico via oral, de oito em oito horas.

Em uma semana, a conjuntivite passou do olho esquerdo para o direito. Veja bem, não estou dizendo que a infecção deixou de existir no esquerdo para migrar ao direito. Nem pense nisso. O olho direito foi, também (et pour cause), acometido pela conjuntivite.

No dia 08/05/2012, no período da tarde, estava naquela toada de fazer compressa e aguentar o mal-estar nos olhos. Comecei a sentir uma dor intensa no olho direito. Após relutar um bocado, decidi ligar para o médico para pedir algum medicamento capaz de atenuar aquela dor. A secretária dele sugeriu que eu passasse pelo consultório para pegar a receita de um remédio potente, apto a elidir o sofrimento. Como teria de ir até lá, não custaria nada que o médico me visse. Cuidando-se de encaixe, tive de esperar na antessala por algum tempo. A dor, que era enorme – reitere-se – continuava.

Quando, enfim, o médico me examinou, disse-me que não acreditava como estava aguentando a dor. Metade do epitélio do meu olho direito não existia. Ou seja, no processo da infecção, o epitélio se rompeu e eu fiquei sem proteção na área central do olho. Não era por outra razão que eu não enxergava nada, absolutamente nada com o olho direito.

Quanto ao olho esquerdo, tive outro problema: uma pequena infiltração tinha acontecido. A infecção tinha atingido uma das camadas da córnea (foi isso que entendi).

Para recuperar o epitélio, foi-me indicado o Epitezan, uma pomada rica em vitamina “A” que ajuda a “reepitelização” do olho. Numa pessoa que não tenha problemas no epitélio, esse processo de reconstituição não demora mais do que 24 ou 48 horas. Para mim, demorou mais de uma semana.

No dia 09/05, resolvi trocar de médico. Conforme já disse, não vou declinar o nome daquele que fez a cirurgia em mim. Não o considero um mal profissional, mas, por motivos pessoais, preferi recorrer a outro médico que já havia me atendido. Foi com ele que terminei o tratamento da fase aguda. É ele, aliás, que está me acompanhando até hoje e que merece elogios aos magotes. 

Voltando ao assunto. Com o olho direito sem epitélio e o esquerdo ainda infectado, minha visão era demasiado precária. Não conseguia abrir o olho direito e, para reconstituir seu epitélio, deveria ficar o mais que pudesse com ele fechado. O esquerdo me possibilitada ver o básico, andando sem esbarrar em nada e tomar banho.

A sensação que se tem ao ficar cego de um olho é horrível. Quem tem os dois olhos funcionando bem, não faz ideia do que é perder a quase totalidade da visão de um deles. Pois a minha visão foi voltando aos poucos, exigindo de mim muita paciência. No início, não via nada. Depois, um vulto. Após algum tempo, o vulto começava a assumir uma forma. Mais adiante, a forma passava a ser dotada de cor e limites. Depois, só depois de um bom tempo, a visão voltou ao “normal”.

Era impressionante a resistência da infecção. Debelá-la parecia impossível, mesmo com tantos cuidados, administração rigorosa de remédios e fé. Quando se imaginava que as coisas caminhavam para o desfecho, abria-se nova situação com problema diverso. A sensação de impotência era enorme e bastante opressora.

A essa altura do campeonato já não sei mais dizer como deveria ser minha visão após a cirurgia. Hoje, ainda faço tratamento para que os olhos não fiquem inflamados (estou usando corticoide). Todavia, a visão ainda está por se “acomodar”, agora de maneira mais rápida e, felizmente, sempre progressiva.

A dois dias de completar quatro meses de cirurgia, estou com o olho esquerdo muito bom para enxergar para longe. O direito ainda tem um sutil embaçamento que talvez decorra da má qualidade do epitélio. Quando preciso ler alguma coisa de perto, uso óculos de um grau de hipermetropia. É certo que ainda há tempo para ver o que acontecerá. Creio numa recuperação lenta, mas capaz de me atribuir uma visão muito boa nos dois olhos. 

Muitas sensações, expectativas e insegurança rondaram minha consciência durante o tempo em que enfrentei esses problemas todos. Cheguei mesmo a imaginar que a infecção poderia chegar a tal ponto que ficaria cego dos dois olhos. Em princípio, a ideia pode parecer absurda, mas, para quem está no olho do furação, é de se perdoar eventual exagero.

Embora saiba que esse relato é singular, não servindo para outra pessoa balizar qualquer conduta, tenho a convicção de que ele poderá ser útil de alguma forma. Publicá-lo aqui no blog não era minha intenção. Todavia, em virtude dos motivos apresentados no início deste post, entendi por bem não me furtar a fazê-lo.

Por fim, não poderia deixar de registrar e agradecer às pessoas que tiveram participação fundamental na minha recuperação, inclusive outros médicos (um deles me atendendo até por telefone). Igualmente, agradeço aquelas que, embora não contribuindo diretamente para meu restabelecimento, resolveram problemas rotineiros que eu não poderia resolver. Não preciso citar seus nomes. São pessoas queridíssimas. Cada uma delas sabe a medida da ajuda que me deram. Espero que tenham ciência do tamanho do meu carinho por todas elas.

Em tempo: o título deste post foi propositalmente feito como uma espécie de key-words para auxiliar a quem procure por material sobre o assunto. E nisso, repito, não há nenhuma pretensão de ordem médica.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Minha estreia docente


A relação que tenho com o ensino formal é, no mínimo, curiosa. Acho que passei tempo demais sentado em bancos escolares, fazendo cursos, provas, trabalhos e desempenhando todas as atividades acadêmicas exigidas no dia a dia da educação brasileira. Depois de fazer a graduação em Ciências Sociais, fiz mestrado em Sociologia. Até aqui, é possível somar 7 anos. Veio, então,  o doutorado. Aduza-se mais 5 anos. Pela matemática elementar, somando tudo, temos 12 anos. Quando estava prestes a terminar o doutorado, fui convidado para lecionar Sociologia num curso de Direito. Direito? Pois é: Direito. Pouco tempo se passaria para que eu voltasse a estudar novamente, fazendo a graduação de Direito. Tome mais 4 anos de bancos escolares, provas, trabalhos e, no final, a prova da OAB!

Vamos lá... Como professor de Sociologia o que faria num curso de Direito? Minhas preocupações acadêmicas, até então, estavam circunscritas ao estudo da cultura brasileira, da relação entre a intelectualidade e a política brasileiras, entre a literatura e a administração pública. Enfim, tratava-se de temas que nenhuma – ou melhor, pouquíssima – relação tinha com o Direito. Como a bolsa de doutorado estava acabando e logo mais eu ficaria desempregado, não tive alternativa a não ser aceitar a proposta de emprego.

O detalhe: esse emprego, que foi o primeiro da minha vida, “caiu na minha cabeça”. É verdade. Pode ser difícil de acreditar, mas sou um daqueles casos raros em que o sujeito está em casa tranquilamente e alguém lhe telefona para oferecer um emprego. Já viu isso?

Uma vez acordado que assumiria as aulas, sobreveio outra preocupação. Embora houvesse um programa a ser seguido, eu teria que fazer o possível para que a atenção de alunos em formação jurídica pudesse estar voltada para a Sociologia. Tinha a convicção de que um curso de Sociologia Geral para estudantes de Direito deveria ser ministrado estabelecendo relações interessantes com o universo jurídico, em vez de ficar falando sobre teoria sociológica. Era isso que eu precisava fazer. Todavia, a título de apresentação do curso, a abordagem feita na primeira aula fugiu a essa preocupação.

No primeiro dia de aula, fiquei um pouco assustado com a quantidade de alunos que estavam na sala. Pela pequena abertura da porta, aquele retângulo revestido de vidro, notei que ali devia ter uns 60 alunos (depois, soube que eram 86).

Frio na barriga... Comecei a falar. A ideia básica daquela aula consistia em apresentar aos alunos o que era a Sociologia. Assim, falaria sobre os três autores clássicos (Marx, Weber e Durkheim) e, também, sobre os principais temas naquela época enfrentados pelos pensadores da Sociologia. Claro que tudo isso era tão somente um panorama do assunto. Não poderia, na primeira aula, ser muito cansativo. Nem mesmo teria tempo para fazer algo que não fosse um resumão das teorias sociológicas clássicas.

Uma vez terminada a exposição relativa a esse ponto, eu deveria abordar as investigações sociológicas feitas no Brasil. Para isso, deveria assinalar o período de gestação da Sociologia, falando inclusive sobre o ensaísmo de 1930 e seus representantes (Sergio Buarque, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr, etc). Num momento posterior, discorreria sobre a tradição uspiana (Fernando de Azevedo, Antonio Candido, Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso). Pois bem: tudo isso foi feito a título de mera sinopse, apenas para situar os alunos sobre a Sociologia Brasileira.

Aconteceu, então, um fato curioso. Enquanto eu falava sobre o “início” da Sociologia no Brasil fui repentinamente interrompido por um aluno. Era um sujeito mais velho do que eu, com seus 50 anos. Ele me interpelou no momento em que eu explicava o fato de a Sociologia estar, no início do século XX, mais próxima de um “ponto de vista” do que de uma disciplina acadêmica. Referia-me à análise feita por Antonio Candido em um de seus célebres ensaios contidos em Literatura e Sociedade. Assim, mostrei que a geração antecessora da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, entendia que era preciso investigar as raízes da nacionalidade e as razões do atraso brasileiro. Disse que tais escritores entendiam o Brasil como um país atrasado, marginalizado, periférico. Enfim, um país desgraçado. Pronto: veio, então, a interpelação do aluno.

Inconformado com minha exposição, disparou a falar que o Brasil era um país fantástico, que tinha tais e quais características, que jamais poderia ser visto como uma nação desgraçada. Aduziu que o Afeganistão (ou algum outro país cujo nome não me recordo) é que poderia assim ser considerado. Lá, afinal, existe miséria, analfabetismo, falta de infraestrutura para isso, ausência de condições para aquilo. Enfim, de modo inflamado e ardoroso, defendeu o Brasil. Terminou sua explanação com a seguinte frase: “eu sou um nacionalista e acho que o senhor deveria ler mais”.

No começo da fala dele eu já havia identificado a confusão na qual incorrera: atribuiu a mim a avaliação que autores do início do século passado fizeram sobre a realidade brasileira. Ou seja, na cabeça dele, quem havia chamado o país de periférico, atrasado e desgraçado não eram aqueles autores, mas sim aquele menino de vinte e poucos anos que estava na frente dele a falar impropérios, quiçá ofendendo a pátria brasileira. Pois aquele menino deveria ler um pouco mais antes de falar tão mal do país dele.

Nem preciso dizer que, ao final daquela frase, os alunos (eram 86, né?) ficaram em silêncio absoluto, aguardando pela minha resposta. Caramba! Um professor ser desmoralizado logo no primeiro dia de aula? O que eu deveria fazer?

Com aquela serenidade típica de quem sabe – na verdade, “pensa saber” – o  que está falando, iniciei meu discurso. Mostrei ao aluno, sem nenhum tom de revide, que ele estava fazendo uma grande confusão. Expliquei-lhe que, como ele, eu também tinha imenso apreço pelo nosso país. Cheguei a dizer que também era um nacionalista. Todavia, o que estava em causa ali, não era, em absoluto, a minha opinião. Deixei claro que estava apenas expondo o pensamento de uma época, de um período no qual a imagem que se tinha do Brasil era a de um país desgraçado.

Quando terminei de falar, o aluno me pediu desculpas. Aceitou que tivesse, de fato, feito a confusão por mim mencionada. Ficou arrependido e demonstrou que talvez fosse melhor ter ficado quieto.

Continuei a aula que, àquela altura dos acontecimentos, já estava animada. Os alunos prestaram atenção à exposição feita e terminamos a primeira “conversa” do semestre.

Na semana seguinte, antes que eu entrasse em sala de aula, meu interlocutor veio me procurar. Bateu nas minhas costas. Quando o encarei (o momento foi tenso, acreditem), ele me saiu com essa:

- Mestre, passei a semana inteira pedindo mentalmente desculpas a você.

Minha estreia docente seria assunto de várias conversas entre nós. Tempos depois, ainda a justificar a intempestiva interrupção, disse-me que foi seduzido pela maneira com a qual eu descrevia o assunto e que, envolvido pela narrativa, ele se “deixou levar” e resolveu “comprar a briga".

Aquele sujeito cinquentão, à época bastante obeso e bonachão, me ganhou. Tive vontade de dar um abraço nele. Mas não precisaria. Dali para frente nos tornamos amigos, embora hoje tenhamos pouco contato.

sábado, 14 de julho de 2012

Irritação


Já que falta tempo para escrever sobre algo interessante, sigamos com mais uma lista. Diferentemente do que sugeriram na semana passada, não farei a lista do “sempre” em contraposição à lista do “nunca”. Sem nenhuma referência direta a Fernanda Young, seguem abaixo coisas que me irritam, embora não me tirem do sério.

Fazer compra em supermercado.

Fazer compra em supermercado com carrinho desalinhado;

Fazer compra em supermercado com carrinho desalinhado e fila grande no caixa;

Jornalistas de baixa capacidade intelectual que aspiram desempenhar papel semelhante ao do Ministério Público (se pudessem, prenderiam todo mundo!);

Apresentadores e apresentadoras de jornais regionais que falam arrastado como se fossem cariocas da gema (a maioria certamente nasceu no interior paulista);

Estudantes fazendo resumos ou fichamentos em mega livrarias (Saraiva, Fnac, Cultura) de livros que nem pretendem comprar (sim, são caras-de-pau mesmo!);

Quando alguém, na fila de self-service ou na escada rolante, fica no empurra-empurra de cotovelos, como se aquilo fosse acelerar o andamento da fila ou da escada;

Gente que tosse e não põe a mão na boca (gente porca, mesmo);

Gente que, ao se servir em restaurante, conversa praticamente em cima da refeição (tem aqueles – uns porcos! – que literalmente babam na comida);

Patrulha ecológica (os ambientalistas parecem pior que os stalinistas);

Lençol de cama com som amplificado (aqueles lençóis novos que ao mínimo movimento fazem um barulhão. Lençol bom é lençol velho);

Animal em prédio (só tolero os peixes....)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nunca

Nunca pretendi ser político, nem médico (Ufa! Que alívio para o mundo);

Nunca pensei em deixar de ser corintiano;

Nunca tive coragem verdadeira para ler Joyce e Proust;

Nunca pulei de uma sacada com guarda-chuva aberto;

Nunca fui a um bordel, casa de tolerância, inferninho. Enfim, não conheço a zona;

Nunca quis assistir a saga da Guerra das Estrelas e do tal Crepúsculo (acho que vou morrer sem essa vontade);

Nunca joguei mais que cinco ou dez partidas de truco (não gosto de jogos selvagens);

Nunca pensei que um dia o Brasil seria derrotado pela França numa final de Copa do Mundo, por três a zero;

Nunca tolerei música sertaneja (seja ela universitária, primária ou pós-doutorada);

Nunca tolerei uma série de outros ritmos musicais, mas sempre os respeitei. A despeito disso, Cláudia Leite, Miguel Teló e Banda Calypso parecem-me insuperáveis;

Nunca pensei que fosse fazer uma lista tão cretina como essa e publicar aqui no blog. Mas aconteceu.... Logo mais, tem outra.



domingo, 1 de julho de 2012

Lugares de Campinas 02

Prédio do antigo Giovannetti II. Dispensa comentários e descrições. Lembrança de um grande chope. Infeliz do taxista que parou o carro ali. Fazer o quê?