segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A morte do Maestro Soberano

08 de Dezembro de 1994.

Havia chegado em Campinas naquele ano e ainda não sabia exatamente que aqui o aniversário da cidade (14/07) é comemorado no dia da Padroeira, ou seja, em 08 de Dezembro. Achei um feriado estranho, meio indefinido. Grande parte do comércio central estava em pleno funcionamento. Eram poucos os estabelecimentos fechados.

Precisávamos de dinheiro – cash – para comprar passagens. Iríamos para as casas de nossos pais no mesmo dia. Estávamos no Pão de Queijo Mineiro, da Glicério, quando tive impressão de ter ouvido, pelo rádio, uma notícia absurda. Uma estupidez inacreditável: Tom Jobim havia morrido em Nova Iorque. Tudo foi dito rapidamente, sem explicações. Vinheta e nova música. Não dava tempo de questionar.

- Você ouviu isso?

- O quê?

Uma rádio com programa humorístico, aventei a possibilidade. Ninguém seria tão irresponsável. Então, ele não morreu. Deve ter acontecido outra coisa. Havia pouco dera entrevista ao "Roda Viva", animadíssimo, esbanjando saúde, com a ironia de sempre. O CD "Antonio Brasileiro" estava saindo do forno....

Não era possível.

Deveríamos buscar notícias. Em 1994 ainda não existia internet, ao menos no Brasil. Dependíamos de jornais e rádios. Se Tom tivesse morrido, poderíamos ver algo na TV, em algum plantão jornalístico. Alguma outra rádio poderia, também, matar nossa curiosidade. Os jornais só se manifestariam no dia seguinte.

Sacamos dinheiro, pegamos as malas e fomos para a rodoviária. Será que o Tom morreu?, dava medo perguntar. Ninguém falava sobre o assunto. Um sujeito como o Tom, quando morre, devia ensejar comentários em todos os cantos, todos os volumes, todos os tons. Não ouvíamos ninguém falar sobre ele. Buscávamos informações em conversas alheias. Pensei em perguntar para alguém, mas a indagação certamente não seria entendida.

- Você ouviu alguma coisa sobre o Tom?

- Que Tom?

- Que Tom? O Tom Jobim, oras!

Chegamos na terrinha. Nenhuma notícia. Liga o rádio! Nada. Liga a TV! Nada. Devia mesmo ter sido algum engano, uma brincadeira de mau gosto. Se o Tom tivesse morrido, teríamos como saber. Já havia passado mais de duas horas. Notícias ruins correm rapidamente e todo mundo, todo mundo mesmo, fica sabendo.

Minha mãe conversava ao telefone tranquilamente com minha irmã.

- Pergunta pra ela se o Tom morreu!

- Que isso, menino, tá louco?

- Pergunta!

Silêncio.

- Ah... em Nova Iorque?

Era a confirmação.

Naquele momento, numa fração de segundos, lembrei-me da primeira vez em que prestei atenção a uma letra do Tom. Era 1981. O gravador mono cassete, no qual eu ouvia reiteradamente a fita do LP "Vida", do Chico, servia também para gravações canhestras. A abertura de "Brilhante", novela da Globo, era feita com "Luiza", recentemente composta mas ainda não registrada em LP. Gravei a música em som ambiente e lá fui para o escritório do meu pai ouvir em aparelho mais confiável.

Tom Jobim havia morrido Não podia acreditar. Ainda havia tempo para ele. E para nós, é claro. Fiquei acabado, indignado. Além das músicas, ecoavam-me na cabeça suas frases de conteúdo simples, sempre ditas com ênfase e empolgação.

À noite passei a procurar por ele em algum canto do céu, o charuto na boca, o riso largo, a dedicação ao piano, o humor inabalável, a leveza espontânea.

Embora imortais, algumas pessoas deviam ser proibidas de morrer. Tom era uma delas.

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