domingo, 11 de abril de 2010

Salve Geral

Quando da estréia de Salve Geral (Direção de Sérgio Resende, 2009), li uma crítica que apontava para seu didatismo. A narrativa do filme poderia ajudar a compreensão do modus operandi do PCC e dos já famosos ataques de Maio de 2006.

O filme é realmente interessante. Vale a pena assisti-lo.

De minha parte, acho que seu mérito, inegável, foi ter mostrado, ainda que de forma ficcional a existência do acordo entre a cúpula do PCC e a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Esse acordo foi, durante algum tempo, motivo de dúvidas para aqueles que acompanharam os fatos em torno daquele Dia das Mães.

Em meu livro Direito informal e criminalidade: os códigos do cárcere e do tráfico, cheguei a apontar a possível realização dessa negociação a partir de indícios que a mídia paulista havia dado na época. Três matérias significativas a esse respeito foram publicadas na Folha de S. Paulo:

"Gestão Lembo faz negociação com o PCC" (15.05.2006);

"Cúpula do PCC ordena fim dos ataques" (16.05.2006) e

"Marcola confirma acordo com governo, diz deputado" (09.06.2006).

A despeito de a imprensa ter sugerido o acordo, muitos duvidaram dele. Eu mesmo, embora convicto de sua existência e tendo informações de um Promotor de Justiça, preferi não tomar posição no livro; limitei-me a indicar as matérias acima mencionadas.

Hoje, vendo o filme e pensando na situação de modo mais distanciado, não consigo ver que os ataques tenham cessado sem que Marcola e os líderes do PCC tivessem dado algum tipo de ordem.

Tais ataques, relembre-se, somente começaram porque Marcola foi transferido para o DEIC (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) e, depois dele, algumas lideranças do PCC foram isoladas em Presidente Venceslau. Como resposta, o Partido resolveu retaliar o governo, envolvendo a sociedade numa guerra que parou o Estado de São Paulo e causou várias mortes.

A negociação, como bem mostra o filme, se deu de modo célere. Um dos líderes do PCC comentou, entretanto, que somente estando em cadeia nacional de rádio e televisão conseguiriam acabar com os ataques em uma hora, conforme o pedido de uma autoridade pública.

Outro momento significativo do filme é a elaboração do estatuto do PCC. Piloto, filho da protagonista da trama (Andréa Beltrão), recebe das mãos de X, seu parceiro de cela, um papel impresso. No transcurso de sua leitura, em voz alta, faz correção de um erro de concordância, cometido pelo redator do estatuto. X faz uma observação interessante que poderia, salvo melhor juízo, demonstrar a grande ambição transformadora do PCC.

- E enquanto as crianças morrerem de fome, dormirem na rua, não terem oportunidade de alfabetização. Espera aí, tá errado....
- Como errado, porra? É o Partido, mano!
- Tá errado, está escrito "crianças terem". É "crianças tiverem". Olha: Enquanto as crianças morrerem de fome, dormirem na rua, não tiverem a oportunidade de alfabetização". Entendeu? É "tiverem".
- Tu vai copiar do jeito que tá, mano.
- Ué! Não querem alfabetizar as crianças? Então, vai deixar errado?
- O Partido vai tomar conta do país, se ligou?
- E dái, Xisão? O que isso tem a ver com "terem" e "tiverem"?
- Daí que a gente muda o alfabeto. "Terem" fica sendo o certo.

Curiosamente, na versão do Estatuto do PCC que tenho – e que está reproduzida em meu livro – não existe o trecho lido no filme. Nem sequer se fala em alfabetização de crianças.

Será que as fontes a embasar os dois trabalhos são diferentes? Ou será que se trata, no caso do filme, de alguma licença poética?

Enfim, assistir Salve Geral pode resultar num bom programa, em que pese nos fazer recordar de dias difíceis.

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