Ainda na infância, talvez pré-adolescência, meti na cabeça que queria um papagaio. O bicho, por certo, falaria, conversaria, talvez trocasse idéias.... Era uma imagem bastante interessante – e equivocada – aquela que criei a respeito dele.
- Pode ser periquito?, perguntaram-me.
- Não, não pode. Tem que ser papagaio.
- Por quê?
- Papagaio fala. Periquito, não.
- Fala, sim. Se você treinar o bicho, ele fala. Mesmo sendo periquito.
- Quero um papagaio!
De nada adiantou a resistência. Ganhei mesmo foi periquito. Dois, aliás. Verdinhos. Ok, se eles falam, vamos lá, pensei. Comecei a provocá-los na expectativa de que, repentinamente, fossem emitir algum som que se aproximasse da língua portuguesa. Som não faltou: fizeram muito barulho. Durante a noite a coisa era difícil e, ao raiar do dia, estavam já em polvorosa. Era um sufoco. Comiam, bebiam, cagavam aos montes e gastavam muito jornal. O cheiro da gaiola também era horrível, tinha uma capacidade de propagação fantástica.
Acho que um mês foi tempo mais que suficiente para me desiludir. Aos poucos fui descuidando deles. Minha mãe generosamente assumiu o trato dos dois. Logo, contudo, se cansou. O assunto virou motivo de discussão familiar. Alguma coisa deveria ser feita com os periquitos. Abriríamos a gaiola e deixaríamos que os dois se libertassem. Era, por certo, o que mais desejavam.
A gaiola foi aberta. Um deles hesitou no primeiro momento. Depois, colocou o bico para fora, se ajeitou e bateu asas. Foi em direção ao local que sabíamos ser o campo de futebol do clube, localizado em frente de casa. Metade do problema estava resolvido.
O outro periquito, desconfiado, não quis sair do cativeiro. Nada havia a fazer senão doá-lo. Foi o que fizemos. Levaram-no para casa da Geni, a doméstica de então. Na semana seguinte, ao indagar a ela como estava o bichano, fui informado de que havia sido devorado.
- Como?
- O gato comeu ele – respondeu Geni com a expressão mais tranquila do mundo.
- Mas, comeu com gaiola e tudo?
É óbvio que algum infeliz tirou o coitado da gaiola. Eu sabia disso, mas queria que ela confessasse, justamente para admitir que foram imprudentes com o bicho.
Com uma cara-de-pau inenarrável, ela disse:
- Ele escapou da gaiola!
Depois que a raiva passou, fiquei um bocado chateado e decidi que não teria mais bicho algum. Havia chegado à conclusão de que não valeria a pena. Além dessa, cheguei a outra conclusão: periquito não fala.
Um comentário:
Periquitos não falam, por isso não alertam o dono de que um devorador está por perto. Não falam, também são indefesos.
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