Acredito que a convivência com animais é extremamente saudável para o homem, desde que não atrapalhe ninguém. Sou radicalmente contra a criação de animais em apartamentos, sobretudo aqueles que fazem barulho de qualquer espécie. Refiro-me, principalmente, aos cachorros.
Criar cachorro em apartamento é uma sacanagem: para o bicho e também para os vizinhos. Animal nasceu para ter liberdade, se locomover e ter contato com a natureza. Em apartamento isso é impossível, naturalmente. O espaço físico, por maior que seja a metragem do imóvel, será sempre insuficiente para o cão.
Quanto aos vizinhos, os argumentos são incontestáveis. E incontáveis. Não me venham com pífias idéias de que há certos cachorros quietos e bem comportados. Todos, sem exceção, acabam fazendo barulho em momentos inadequados. Não faz diferença se estamos nos referindo àqueles cachorrinhos de madame ou a um pit bull. Tanto faz um poodle ou um pastor alemão. No instante em que você mais quer paz, ele irá incomodá-lo.
Será justamente naquele momento em que você está em casa sozinho, sem nenhum barulho, e precisa descansar. Você olha para o sofá, o sofá olha para você. Não há como escapar daquela atração. Já indefeso e prostrado pelo cansaço, você simplesmente deita. O sofá e o silêncio são tudo o que você precisa.
Sorrateiramente, o cachorro do vizinho sairá pela porta que lograram deixar encostada e andará até o elevador do andar. Ouvirá o barulho de alguém conversando enquanto desce ou sobe. Iniciará, então, aquele latido agudo no corredor que parece amplificar cada vez mais o som. Você está iniciando o sono e, de repente, acorda assustado. É o cão do vizinho. Aquele que dizem ser bem comportado e quieto. Tudo bem, isso passa. Embora irritado, você se levanta e desiste do sono no sofá.
Outra situação: o dia foi cansativo. A cabeça não parou de doer, mas você não podia parar de trabalhar. Era enxaqueca. Você rezou a tarde inteira para o tempo passar rápido. Ao final do expediente, correu para casa. Tomou banho, colocou uma bolacha de água e sal na boca, bebeu um copo de água, escovou os dentes e, pela primeira vez em vinte anos, foi dormir às oito da noite. O sono está pesado, mas alguém passa na rua, vê o cachorro do vizinho na sacada acesa e resolve fazer uma graça. O bicho não gosta daquilo e inicia o latido. É claro que você já acordou, mesmo com o sono pesado. O vizinho grita para o cão parar com aquilo e piora ainda mais a situação. O filho da puta que está lá embaixo desiste da brincadeira e vai embora. Mas, como ele é mesmo um filho da puta, resolve dar a volta no quarteirão e aparecer de surpresa para encher novamente a paciência do cachorro. E a sua, é claro.
Quando o cão mora em cima de você.... Além de todo o barulho dos latidos, existe ainda o som das patas do bichano arranhando o chão. Toda noite o animal resolve roçar as unhas cumpridas no carpete de madeira. Aquilo arrepia toda sua alma justamente quando você está relaxado, prestes a pegar no sono. É algo mais assustador do que morder papel alumínio quando se degusta um bombom de chocolate.
Não bastasse o problema do barulho, há a questão da higiene. Não adianta dizer que o cachorro é limpo, que não irá perturbar ninguém. Uma hora você estará no elevador, com a compra feita: pão, queijo, legumes, verduras e um maço de manjericão com a ponta para fora da sacola. O vizinho fará questão de entrar ali com o bicho. Ele tem a convicção de que você não se incomodará com isso. Afinal, o cãozinho dele, supostamente adorado por todos, toma banho com uma frequência invejável, não tem pulgas, usa xampu importado e não solta pêlos. Pois esse bichinho limpo chegará perto do maço de manjericão e enfiará o nariz nas pontas que estão para fora da sacola. Ainda insatisfeito com o cheiro, não hesitará em dar uma lambida nas folhinhas que você pensou em usar na pizza marguerita que pretende fazer. Depois, com feição de galhardia, irá se esconder por detrás das pernas do dono. Este, de modo cínico, encenará uma reprimenda falsa ao quadrúpede. A pizza já era.
Tudo bem: é óbvio que o bicho não tem culpa. Ele age por instinto. O responsável por essa situação é seu dono que, totalmente destituído de bom senso, entra nos elevadores como se estivessem vazios. Ele sempre achará que não há problema em pegar o mesmo elevador que o seu. Coitadinho do cachorro, ele não faz nada.
Ainda tem mais. Como o vizinho precisa levar o animal para passear e está frio, ele resolve fazer isso na garagem do subsolo, aquela mesma que você usa. O animal fica por ali correndo, passeando. Pára perto do pilar que fica ao lado da vaga do seu carro, levanta a perna e urina ali. Que mal isso tem?, pensa o vizinho. Nenhum, ele mesmo responde. Você entra na garagem com o carro, avista o cachorro e pensa que atropelá-lo seria a solução de alguns dos seus problemas. Contudo, bem diferente do vizinho, você é dotado de bom senso. Jamais atropelaria o bicho inocente. Em realidade, você adoraria atropelar o vizinho. Isso, entretanto, também está fora de questão. O animalzinho entra na sua frente, você breca e consegue conter o carro. Suspira aliviado. O incauto do vizinho faz cara feia. Olha para você como a reprovar sua conduta. Já emputecido, você desce do carro e, quando percebe, já pisou na urina que o cão deixou ali. Você não percebe, mas o vizinho está regozijando atrás de um pilar da garagem. Talvez esteja até gargalhando.
Precisa mais? Não, não precisa. A maioria das situações acima narradas é fictícia. Todavia, todas são factíveis, possíveis.
Honestamente, acho os cachorros criaturas adoráveis. Acho, também, que os defensores dos animais deveriam lutar pela promulgação de uma lei que impedisse qualquer ser humano de criar cachorros em apartamentos. Se estão realmente preocupados com a proteção desses animais, deveriam ponderar sobre as lamentáveis condições sob as quais são criados: sem espaço, sem contato com a natureza e subjugados a uma rotina que não é, nem de longe, adequada ao seu perfil. Isso certamente faria bem aos cães e ao homem.
Em tempo: minha avó sempre teve cachorros, era louca por eles. O dia em que mudou para um apartamento, teve a sensibilidade de perceber que seu amor por eles implicava em abdicar de sua companhia em lugar tão impróprio para criá-los.
Um comentário:
Fazia algum tempo que não lia seus lúcidos, sinceros e bem escritos artigos. Este, o dos cachorros que vivem em aps, é muito bom, concordo com o que disse. Tenho um gato no meu ap e creio que, embora não incomode tanto a vida alheia, também deveria ser proibido. Coitado do bichano, nunca sentiu o cheiro da aventura da rua. Abraço.
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