sábado, 31 de dezembro de 2011

Lamentos e torcida

No último dia do ano pipocam nos jornais, na internet e na TV um balanço do que se passou. Todo mundo se arrisca a avaliar experiências pessoais, procedimentos da equipe econômica da presidência da República, o comportamento do mercado de aplicações financeiras, o mercado imobiliário, o tempo e o vento, enfim.

Há exatos três anos, escrevi o postNão prometo”, enumerando coisas que não faria em 2009. Hoje, volto aqui para não prometer nada. Tampouco para fazer balanços.

Venho lamentar a morte do Dr. Socrátes, da Amy Whinehouse, do Steve Jobs e das crianças na escola do Realengo. Lamento também o câncer do Gianecchini, do Lula e da nossa vizinha Cristina Kirchner. Esqueci-me de outro lamento importante?

É claro que teria muitas coisas a comemorar. Mas, quanto a elas, torço para que continuem dando certo. Vamos em frente, com saúde, sempre! Feliz 2012!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Meu carrinho de rolimã

Meu avô era médico, mas tinha alguma vocação para a engenharia. Provavelmente, só a descobriu tarde, quando, já formado e estabelecido em Rio Preto, montou uma oficina bem equipada em sua casa: havia torno, esmeril, máquina-de-não-sei-o-que-lá e uma infinidade de ferramentas. Depois de aposentado, com tempo totalmente livre, colocou-se a fazer todo tipo de engenhoca. Uma delas foi o meu carrinho de rolimã, produzido, salvo equívoco, no verão de 1978. Eu tinha 6 anos.

O carrinho era um arraso. Bem diferente dos tradicionais, ele tinha direção, breque de mão e lugar para apoiar os pés. Tinha também um banco – vejam só: banco! – com espaldar baixo. Além de tanto requinte, haveria de ter um pouco de conforto. Só não era uma máquina, porque não tinha motor.

Quem já viu um carrinho de rolimã deve saber que sua direção está no próprio eixo dianteiro, onde se colocam os pés para determinar o sentido do trajeto a ser percorrido. São também os pés que servem de freio, bastando apertar a sola do tênis contra o asfalto. Banco? Imagine.... O tradicional carrinho de rolimã é uma tábua sobreposta em dois eixos e nada mais.

Pois o meu carrinho foi um sucesso quando chegou em São Carlos. A molecada do prédio não conseguia compreender como ele poderia ser tão ousado. Criou-se fila para dar uma volta, ou seja, para descer o quarteirão final da rua Manuel de Souza Lima. Todo mundo ficou impressionado com o veículo. Os meninos divertiram-se à farta, malgrado o ciúme que me despertaram naquele dia.

Pouco tempo depois, marcou-se uma corrida. Eu tinha confiança de que meu carrinho, com toda aquela estrutura, não me deixaria na mão. Certamente, seria o primeiro a chegar. Não era para menos: com tanta tecnologia envolvida em sua produção, o sucesso era certo. Eu o dava como favas contadas! O resultado, entretanto, foi catastrófico: fui o último a cruzar a linha de chegada. Como se explicava aquilo?

Certamente, meu avô fizera o veículo como um ornamento ou, quando muito, um brinquedo que pudesse me oferecer segurança. Não deve ter passado por sua cabeça que a competitividade seria grande, sobretudo quando vissem que aquele carrinho destoava dos demais e oferecia, ao menos em tese, uma ameaça às construções rudimentares que eram feitas pela meninada. Tivesse ponderado sobre o assunto, teria feito algo mais leve, realmente capaz de ganhar uma corrida. Enfim, o projeto não foi desenvolvido para competir, mas para passear ou brincar. Por melhor que fosse o condutor, o resultado das corridas seria sempre o mesmo: o último lugar.

Além da frustração das corridas, havia um detalhe que me deixava desgostoso: as cores do meu possante. Quando meu avô estava prestes a pintá-lo, pedi que fossem branco e preto, em homenagem ao Corinthians. Ele, de pronto, rechaçou a ideia com alguma rabugice. Disse que o carro teria de ser preto e amarelo, a exemplo das máquinas da Copersucar. Eu nem sabia que raios eram a tal Copersucar. Sabia apenas que já era corintiano. Queria meu carrinho em preto e branco e alimentei a ilusão de que, quando me fosse entregue, estaria de acordo com a minha vontade. Infelizmente, meu avô não abriu mão da sua posição. E ainda tive que ouvir de meus amigos a pergunta fatal: por que amarelo e preto?

Tinha intenção de colocar aqui no blog as fotos da “máquina”. Sucedeu, todavia, que, estando na casa dos meus pais recentemente, obtive a informação de que o carrinho está guardado no cume de um armário. Na frente dele, há tantas outras coisas difíceis de remover. Tirá-lo dali, portanto, seria uma tarefa bastante árdua para um período de Natal. Eu até estava disposto. Contudo, minha mãe, impiedosa, me ameaçou: se o carrinho sair de lá, terá de levá-lo para sua casa. Como espaço por aqui é artigo raro, deixei a preciosa invenção do meu avô trancada às quatro chaves. Mas, juro que ela existe!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A tal cultura popular....

Sempre fui um defensor inconteste da cultura popular. Minhas maiores referências culturais são de extração popular: Chico Buarque e Mário de Andrade. Também sou daqueles que acham que a cultura não tem gradações. Não existe uma cultura melhor do que outra. Tampouco existe cultura mais importante que as demais. Cultura é cultura e, por mais idiota que isso possa parecer, a maioria das pessoas não entende essa simples assertiva. Ok, não vamos falar nos frankfurtianos para não estender o assunto sem necessidade.

A cultura popular, é fato, se assemelha a um quadro composto por um sem-número de matizes. Nela, de maneira bem pragmática, tudo aquilo que não for erudito, poderá ser considerado popular. Por aí se vê a vastidão de manifestações que, sem receio algum, podemos qualificar de populares.

Na música, por exemplo, a cultura popular é capaz de “acolher” desde Chico Buarque a Zeca Pagodinho, de Tom Jobim ao Bonde do Tigrão, de Noel Rosa a Lobão, de Cartola a Zezé de Camargo e Luciano, de Edu Lobo até Beto Barbosa, de Paralamas do Sucesso até a.... Banda Calypso.

Dizer que as culturas são diferentes e que não há, entre elas, nenhum tipo de hierarquia não é o mesmo que deixar de reconhecer que existe, do ponto de vista de sua composição, uma diferença significativa. É indiscutível que a elaboração de algumas obras populares demandem mais esforços de inteligência e talento do que outras.

Exemplificando, não dá para comparar a qualidade literarária de uma letra de música que diz “Ergueu no patamar quatro paredes sólidas, Tijolo com tijolo num desenho mágico, Seus olhos embotados de cimento e lágrima” (Chico Buarque) com outra que diz “Vem, vem, Tchutchuca, Vem aqui pro seu Tigrão, Vou te jogar na cama, E te dá muita pressão!” (Bonde do Tigrão). Em que pese a importância e o necessário respeito à música do Bonde do Tigrão, seus versos muito se distanciam (estou sendo eufêmico) do requinte da produção do Chico.

Diga-se o mesmo de uma melodia qualquer de Tom Jobim e de uma música de Rock ‘n Roll que, em tese, está respaldada numa estrutura de três minguados acordes. Ou, por fim, uma composição de Edu Lobo para teatro e algo da lavra de um Latino.

Seja como for, a cultura popular é como coração de mãe: nele cabem muitos filhos que merecem respeito. Mesmo assim, preconceitos à parte, confesso que às vezes é difícil suportar algumas composições. Recentemente, tive a infelicidade de ouvir um cantor chamado Miguel Teló cantando o seguinte: “Delícia, delícia, Assim você me mata, Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”.

“Ai se eu te pego, ai, ai, se eu te pego”????

Aí, não dá! É de foder!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Rocinha dominada. Vidigal também!

A Rocinha está dominada. O Vidigal também. É o que dizem os meios de comunicação de massa sobre a ocupação dessas favelas pelas chamadas forças de pacificação policiais.

Ontem, 13/11, quase um ano depois de haver a ocupação do Morro do Alemão e da Favela do Cruzeiro, as forças policiais subiram a Rocinha, o Vidigal e a Chácara do Céu sem nenhuma resistência. A operação parece ter sido bem organizada. Nenhum tiro, dizem, foi disparado. Tudo teria começado na madrugada do domingo quando, como se sabe, o fator surpresa poderia ser fundamental para o êxito do intento. Nesse caso, contudo, inexistiu surpresa. O Brasil foi informado, aos quatro ventos, que haveria a ocupação. E houve.

Como no ano passado, a mídia mostrou o amplo apoio da população favelada à empreitada policial. Moradores legitimaram a postura da polícia e a auxiliaram prestando informações sobre o paradeiro de eventuais traficantes, líderes do tráfico e comparsas de toda sorte. Certamente foi um dia histórico para o combate ao narcotráfico. Bandeiras do Brasil foram hasteadas no cume dos morros para mostrar a conquista do território. Nacionalismos à parte, é razoável contar com o impacto simbólico de determinadas conquistas.

A exemplo do que disse aqui em 16/04 (Impressões tardias sobre a guerra no Rio), assinalo que a mera organização e a vontade política dos governantes cariocas foram capazes de arrostar, com inconteste eficácia, a pujança do narcotráfico. Ao contrário do que muitos autores postularam em seus ensaios – entre os quais incluo meu Direito Informal e Criminalidade – a legitimidade dos grandes traficantes está cedendo espaço para a legitimidade das ações policiais.

Não nos esqueçamos, todavia, de que a iniciativa do governo carioca contra o narcotráfico deverá ser permanentemente acompanhada, sob pena de possibilitar a retomada das antigas estruturas de poder que dominaram os morros. Ainda não estou disposto a acreditar que as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) terão sucesso se o Estado brasileiro continuar a se omitir.

Seja como for, passos importantes já foram dados. A caminhada ainda é longa. Vamos em frente.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Me diz, me diz, me responde por favor....

Perdoem-me pela burrice. Já até pensei em contatar uma ambientalista amiga para esclarecer....

Há enorme receio da humanidade de que, em pouco tempo, o planeta Terra fique sem água. Não é de hoje que há uma grande campanha para reduzir seu consumo em nível global.

Ao mesmo tempo, fala-se em reciclagem de materiais não orgânicos, ou seja, reciclar o lixo. Para isso, precisamos de água, certo? No meu prédio, há uma orientação de que, para reciclar embalagens plásticas, devemos lavá-las. A limpeza de cada embalagem exige uma determinada quantidade de água a ser gasta.

Então, como fica? Economizo a água ou colaboro para a reciclagem do lixo?

Como diria o Chico: “me responde por favor, pra que tudo começou, quando tudo acaba” (Almanaque)

sábado, 15 de outubro de 2011

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Mistério na zona sul já saiu!



Mistério na zona sul já está disponível para venda no site da Editora Hedra , com frete grátis. Logo mais, chegará às mega stores.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mistério na zona sul





Mistério na zona sul - Roberto Barbato Jr
Ilustrações de Otávio Zani
Editora Hedra


"Um envelope é deixado no saguão do jornal “A gazeta”. Dentro dele, uma denúncia anônima refere-se a um orfanato do outro lado da cidade, a crianças e trabalho forçado. Plínio, Giulia e Tonico são três jovens jornalistas que se veem envolvidos na investigação de um crime contra crianças. Para obter informações, precisam assumir identidades falsas, se aventurar em locais pouco frequentados na cidade e recorrer a outros expedientes, como a pesquisa de arquivos e a colaboração de um delegado e até mesmo do garçom da padaria que frequentavam. Aos poucos os três descobrirão que aquilo que inicialmente parecia uma denúncia falsa escondia um crime escabroso. Já não dava mais para recuar. E os três amigos terão de enfrentar as consequências de sua bisbilhotice investigativa até que consigam desvendar o mistério que ronda a Paróquia Santa Isabel, ou se tornar parte dele..."

Depois das dicas, a revelação. Essa aí em cima é a sinopse do meu novo livro, Mistério na zona sul. É um romance infantojuvenil que, com seu suspense, espero agradar também aos adultos.

Logo mais nas livrarias!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Meu novo livro: dica 06

Sim, a arte específica aludida no post de ontem é, como muitos já deduziram, a literatura. Ok, é um texto literário. Mas, atenção: não é um livro de poemas, nem de trovas, nem de haicais, nem de minicontos, nem de contos. Preciso ser mais explícito?

A respeito do público alvo, basta dizer que autores como Marcos Rey, Ana Maria Machado, João Carlos Marinho Silva, Edith Modesto, Índigo, Ivana Arruda Leite, Andréa Del Fuego e outros encantaram uma faixa etária específica. A ela é dirigido meu livro. Todavia, conforme já disse, isso não significa que os adultos não possam se interessar por ele. A narrativa e o tema, espero, serão capazes fisgá-los. Espero mesmo....

Já está combinado: amanhã, farei a divulgação da capa, da sipnose, da editora, etc.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Meu novo livro: dica 05

Recapitulando dicas já dadas: o livro não é técnico, nem acadêmico, nem científico. Também não é uma biografia e tampouco uma autobiografia. Muito menos um livro de autoajuda. Trata-se de um material impresso e não digital (ao menos por enquanto).

A dica de hoje é que o texto do livro pertence ao vastíssimo universo das artes. Isso não quer dizer que seja um livro sobre artes plásticas, música, cinema ou literatura. O texto é, em si mesmo, algo que poderíamos qualificar genericamente de "arte".

Por fim, essa arte é específica e poderá ser fruída sobretudo por uma determinada faixa etária, embora eu acredite que, pela trama e pelo tema, despertará também atenção de outras faixas etárias.

Amanhã tem a última dica!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Meu novo livro: dica 04

É um livro impresso. No papel, claro. Isso não significa que ele não possa, futuramente, ser comercializado em formato digital. Aliás, existe até mesmo cláusula contratual para que isso seja feito, se conveniente.

Não tenho nada contra livros digitais, mas considero o livro impresso insubstituível. Nada elimina o prazer de deitar na cama, abrir e ler o livro. Virar páginas, ler a orelha. Melhor ainda: procurar na livraria o título desejado, comprá-lo e iniciar a leitura antes mesmo de voltar para casa, de preferência tomando um café.

Ok, os livros digitais poderão ser salvos nos tablets e também poderão ser levados para a cama. Sim, eles brilham no escuro, são lúdicos e fascinam a molecada. Quantos argumentos mais seriam necessários para desqualificar o prazer de degustar o livro no papel? Sei lá.... De todo modo, sempre haverá a dependência do carregamento da bateria e aquele insuportável manuseio em touch screen. É possível que percamos mais tempo mexendo no gerenciador do tablet do que apreciando a leitura.

Até agora meus livros estiveram no papel. Esse não será diferente.

Amanhã, prometo, as dicas serão melhores....

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Meu novo livro: dica 03

Tenham certeza: não é um livro de autoajuda. Como eu poderia escrever um livro para ajudar a alguém se, em relação a mim mesmo, quase não tenho êxito? Não sei se isso é condição para produzir algo no ramo. Lembro-me, todavia, que, numa antiga entrevista, Maria Gabriela perguntou a um desses autores famosos quantas vezes ele se casou. A resposta foi: quatro vezes. O livro que o sujeito acabava de lançar naquela época era sobre como manter um casamento feliz. A gargalhada da Gabi só não existiu porque ela é muito profissional.

Se um dia fosse escrever um livro com essa intenção, plagiaria o título do personagem de Patrícia Melo em seu Elogio da Mentira. José Guber deixou de escrever livros policiais para produzir algo no campo da autoajuda. Seu primeiro título foi: “Dê uma mão a si mesmo”. Fantástico, não? O título fala por si e garante o sucesso da obra, por mais imbecil que ela seja. Se não me engano, o protagonista de Mário, que Mário?, de Nelito Fernandes, também se aventura, como autor desconhecido, no ramo da autoajuda.

Tenho certeza de que o mercado editorial da autoajuda é muito competitivo e promissor. Acredito, aliás, que já superou o mercado dos livros jurídicos e espíritas. Mesmo assim, eu, pelo menos por enquanto, estou fora.

Amanhã tem mais!

domingo, 18 de setembro de 2011

Meu novo livro: dica 02

Não, não é uma biografia. Mesmo que tivesse vontade, não teria disposição alguma para fazer pesquisa a ponto de escrever sobre a vida de alguém. Além do mais, acho que biografias são um pouco enfadonhas. Eu, por exemplo, só li a biografia do Tom Jobim, escrito por sua irmã, Helena. Depois, ganhei a biografia do Tom escrita pelo Sérgio Cabral, que me pareceu fabulosa. Mesmo essa, que cobicei durante longo tempo, não consegui terminar. A leitura não fluía.... Recentemente, ganhei um livro de uma grande amiga e, como já o tinha, resolvi trocar pela biografia do Lobão. O livro está na estante até hoje, não passei da página cinquenta.... Ok, imagino que as trabalhos biográficos do Ruy Castro sejam magníficos, mas....

O tio Harlan bem que merecia uma biografia. Ele tem uma rica trajetória pessoal, ninguém duvide. É algo a se pensar para o futuro. Todavia, por ora, os interessados podem se contentar com os cinco contos que estão aí do lado, na seção “Contos e outras ficções”.

Prometi apenas uma dica por dia. Como hoje estou generoso (ah, ah, ah!), darei uma segunda dica: também não é uma autobiografia (ohhhhhhhhhhhh!). É claro que não. O que um sujeito como eu teria para contar em menos de quarenta anos? Tudo bem: Noel Rosa, Joplin, Hendrix, Cazuza, Renato Russo e Cássia Eller morreram antes dos quarenta e tinham muito o que dividir com o mundo. Longe está de ser meu caso. A minha história, exceto por uma circunstância específica, seria incapaz de suscitar a curiosidade de alguém. Ou seja, eu não teria absolutamente nada interessante que pudesse vir a público em formato de livro. É bem verdade que todos nós, de uma forma ou de outra, sempre temos algo para relatar, muito embora concorde com a opinião do irascível Diogo Maynardi: a maioria das pessoas tem uma história de vida infame.

Por hoje chega. Amanhã tem mais....

sábado, 17 de setembro de 2011

Meu novo livro: dica 01

Ontem avisei no Facebook que meu novo livro está para sair. Alguns amigos ficaram indignados e chegaram a me xingar por saber da notícia em uma rede virtual. É claro que não pretendia causar nenhum mal-estar. Apenas não comentei nada porque publicações são mais ou menos como a história do tal São Tomé: é preciso ver pra crer.

Agora, todavia, com contrato assinado, miolo e capa prontos achei que avisar sobre a existência da obra seria uma forma legal de não pegar ninguém de supetão, como fiz nos meus dois primeiros livros. Meu erro talvez tenha sido a falta de informação sobre a nova obra: não mencionei seu tema e tampouco seu nome. Em vista disso, recebi mensagens indagando a respeito deles.

Essas mensagens me deixaram muito feliz e, não sei bem por que, acabaram por suscitar em mim aquele infeliz instinto de aguçar a curiosidade alheia. Coisa de espírito de porco!, diria meu avô. Fiquei na dúvida se deveria ou não abrir o jogo e acabar com um falso suspense que, talvez, eu mesmo tenha criado. Pelo sim, pelo não, decidi manter o mistério, apostando que ele dure ao menos uma semana.

Assim, até a próxima quinta-feira, 22/09, postarei aqui no blog uma dica por dia sobre o livro. Na sexta-feira, postarei a capa, a sinopse e, naturalmente, o título. Tenho ciência do grande risco que corro com esse expediente: certamente irão enxergar na minha atitude um excessivo ar de cabotinismo. Paciência....

Vamos, então, à primeira dica: posso garantir que o novo livro não é um texto acadêmico. Bem diferente dos anteriores, não é uma obra com análise sociológica ou jurídica sobre qualquer tema. Esqueçam livros científicos, acadêmicos ou técnicos.

Antes de terminar, gostaria de agradecer o trabalho impecável do meu editor. O Iuri é um craque e tem uma sensibilidade fantástica. Além dele, preciso agradecer o pessoal que cuidou da revisão e do aspecto gráfico da obra. Mais não posso falar, sob pena de entregar o tema e a classificação do livro.

Até amanhã!

sábado, 10 de setembro de 2011

A insensatez da professora

Setembro de 1992. Eu estava no terceiro ano da faculdade. Tinha uma professora a quem não creditava boa avaliação: desconfiava de todas as suas eventuais habilidades intelectuais. Essa desconfiança, aliás, resistiu ao tempo. A longo tempo, diga-se. Não bastasse, sofria com suas esquisitices: aquela senhora apreciava lecionar no meio do campus, na grama, no concreto ou em qualquer lugar que nos fizesse sofrer com o calor, com os mosquitos e com as conhecidas agruras do clima tropical brasileiro.

Ok, careço ser sincero. Eu tinha alguma birra dela.

Sucedeu o seguinte. Após o feriado de sete de setembro, a professora, provavelmente sem ter preparado aula, entrou na sala. Pediu para que todos lessem um artigo publicado no feriado por Marilena Chauí, na Folha de S. Paulo. O recorte de jornal passou de mão em mão, sendo submetido à apreciação de todos. O tempo já avançado precisava ser justificado. Ela, então, perguntou para cada aluno sua opinião sobre aquele texto que considerava brilhante, uma obra-prima.

Instado a me pronunciar, apenas disse que não via nenhum brilhantismo no texto da lavra da professora Chauí:

- Este artigo é um festival de obviedades.

Alguém poderia objetar que eu estava disposto a fazer alguma provocação. Não era o caso. Como estudante, supostamente uma consciência crítica – algo quase impossível aos vinte anos! – apenas dei minha opinião. Só isso. Preferia não estar em sala de aula. Gostaria de não ter de me manifestar. Mas tive de fazê-lo. O resultado não poderia ser outro: a mulher se inflamou.

- Onde já se viu? A professora Marilena Chauí é uma das maiores intelectuais do Brasil. Seus artigos são geniais. Ela tem mais de não sei quantos livros publicados, é uma inteligência rara.... A professora Marilena Chauí isso, a professora Marilena Chauí aquilo.....

Caramba! Será que Marilena Chauí é imune a dizer obviedades? Ou seria tão brilhante que até mesmo suas obviedades devessem ser admiradas?

A história terminaria aí, não fosse a postura que adotei na semana seguinte. Quando acordei, dei-me conta de que a primeira aula daquela manhã seria com a irascível professora. Desisti de ir para o campus. Fiquei na república, sem ter o que fazer – o que, sem dúvida, mostrou-se uma alternativa acertada.

Para minha surpresa, fiquei sabendo que a digníssima docente ainda estava incomodada com meu comentário da semana passada. Disseram-me que ela se saiu com essa:

- A professora Marilena Chauí tem mais de trinta anos de carreira. Tem gente que nem completou o terceiro ano da faculdade e se vê no direito de criticá-la.

Seria possível? Além de insensata, minha professora seria covarde? Não me dera direito à defesa? Fizera provocação que não poderia ser rebatida? Alguém sugeriu que eu retrucasse na aula subsequente. Embora não me faltasse vontade, nem cogitei dessa possibilidade. Imagino ter sido naquela ocasião que a tal consciência crítica tenha me dado algum sinal de vida.

sábado, 3 de setembro de 2011

Todo mundo tem

Quando Chico Buarque compôs a letra da “Ciranda da Bailarina”, esqueceu-se de listar que todo mundo tem um projeto. Não importa a idade, sexo, extração social, nível cultural. Não importa nada. Todo mundo tem um projeto, reitere-se. O que é interessante é que todos os projetos – sem qualquer exceção – já nasceram sob a égide do êxito. São, todos, sinônimo de sucesso.

Toda criança tem um projeto: ser astronauta, bombeiro, médico, jogador de futebol. Um dia, num programa televisivo, perguntaram às crianças de uma escola o que elas seriam quando crescessem (aquela velha história). Cada um correspondeu à expectativa geral: médico, advogado, empresário, policial... De repente, apareceu um sardento e disse pausadamente: quero ser ginecologista. Olhou para a câmera e deu uma gargalhada.

O professor da academia queria abrir uma pizzaria. Dizia que faria um preço camarada para os alunos dele. Além disso, se pedissem acréscimo de algum ingrediente, não hesitaria em atendê-los. Com esse expediente bastante inventivo, disse que ficaria rico e abriria uma rede de pizzarias. Por certo, tinha uma legião de alunos. Não sei que fim levou o sujeito, se abriu o negócio ou não. Logo depois daquela conversa, desisti da academia. Ainda bem.

Um outro espertalhão decidiu construir um prédio cujos apartamentos seriam alugados para os estudantes que estavam matriculados na faculdade que distava três quadras do imóvel. O sucesso também era garantido. Com a pequena distância existente entre a morada e a faculdade, os alunos certamente iriam alugar os apartamentos e pagariam o preço que fosse. “A facilidade é muito grande e estudante de universidade privada tem muito dinheiro”, era o que dizia o gênio. Depois de algum tempo, perguntei a ele como estava o andamento das obras e fiquei sabendo que não havia terreno disponível naquelas imediações. O jeito seria procurar por outra localidade. Até hoje ele não a encontrou. Somente por essa razão, não ficou milionário.

Tem outra: dois gordinhos sedentários foram participar de uma corrida com trajeto de 3 ou 4 quilômetros. O mais obeso logo avisou: “O negócio é ir devagar no começo. Depois de algum tempo, todos estarão cansados e nós estaremos na boa. Aí, é só avançar, passar por todo mundo e ganhar a corrida”. Quinhentos metros após a largada, o gordinho papudo, já esbaforido, resolveu cortar caminho. A fiscalização do evento o desclassificou imediatamente. O outro gordinho, em solidariedade ao amigo, desistiu da empreitada. Mas não deixou por menos: “Pô, sem você não tem graça. A gente combinou de ganhar junto”. Por certo, o projeto era coletivo.


O balconista também tinha um projeto. Ele não gostava de estudar e jamais pensou em fazer graduação. Faria o supletivo e tudo bem. Dizia que, mesmo assim, venceria na vida, largaria o bar do tio e teria uma vida tranquila, sem depender de salário de ninguém. Tinha facilidade para línguas. Convicto, disse que estudaria alemão e inglês e que isso seria suficiente para ser contratado por uma multinacional. Com empenho (esse pelo menos sabia que teria de ralar um pouco), em 2 anos, no máximo, teria um cargo de gerente. Dali para ser sócio, seria um passo. “Vá em frente, meu caro”, foi a única coisa que consegui falar para ele. Eu estava bêbado e não adiantaria estender a conversa. Dei uma força para o camarada. Depois de muitos anos, liguei num departamento da prefeitura municipal e ele atendeu. Está lá até hoje e, ao que tudo indica, é bem versado nos vernáculos germânico e anglo-saxão.

Segundo um velho amigo, os entrevistados do Jô na Globo também têm um projeto. Se forem artistas, então.... Haverá sempre uma novela, um filme a ser feito ou dirigido, uma temporada no teatro ou uma turnê musical. Em suma, ninguém escapa de ter um projeto.

Se eu tenho um? Não. Tenho um desejo: viver de renda. Só não sei como fazer isso. Se alguém souber, por favor, me avise.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Tipo assim: Chico


Sempre tive aversão à expressão “tipo assim”, embora soubesse que ela é bastante útil, já que capaz de ser usada em várias situações, como se fosse uma expressão coringa. “Tipo assim” dá a ideia de que algo pode ser explicado por seu exemplo, o que, segundo entendo, é conduta temerária. Exemplos servem para ilustrar e jamais para explicar o que quer que seja.

Quando um aluno me dizia “Professor, é tipo assim”, eu logo o interrompia para avisá-lo que “tipo assim” não existe. Existe, sim, uma espécie, uma modalidade, um gênero, uma semelhança com algo. Alguns usuários da expressão são, todavia, econômicos: não usam o “assim”. Limitam-se ao “tipo”.

Com o passar do tempo, a expressão começou a me incomodar. Achava que seus usuários eram desprovidos de vocabulário suficiente para se expressar. Falar “tipo” ou “tipo assim” era, ao menos para mim, uma tentativa de suprir a incapacidade de verbalização.

Recentemente, quando tomei conhecimento de uma das belas canções do novo CD do Chico, “Tipo um baião” (Biscoito Fino, 2011), fiquei meio estarrecido. Não queria acreditar que o poeta tivesse feito aquilo.

Veja-se alguns trechos da música:

“Porém você
Diz que está tipo a fim
De se jogar de cara num romance assim
Tipo para a vida inteira
(....)
Você vem para enfeitar minha vida
Diz que será
Tipo festa sem fim
(....)
Porém você tipo me adora mesmo assim
Meio mané, por fora
(....)
Igual que nem
Fole de acordeão
Tipo assim num baião
Do Gonzaga

Suprimir ou substituir o “tipo” na letra da música, sem comprometer seu conteúdo, é possível, não é? Mas é aí que reside a graça da composição: mostrar que o “tipo” é perfeitamente dispensável. Ao enfatizá-lo – colocando-o, inclusive, no título da música – Chico talvez tenha chamado a atenção para sua desnecessidade, malgrado seja utilizado por tanta gente.

A música mexeu comigo. Depois de tanto apreciá-la – e, sobretudo ouvir Beatriz cantá-la com absoluta intimidade - já me flagrei falando “tipo” algumas vezes. Acho que é, tipo assim, culpa do Chico.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Tio Harlan 5: o Grande Sábio

Tio Harlan 5: o Grande Sábio - Roberto Barbato Jr

Por que o tio Harlan foi preso? A história é longa.... Além de filho da puta, alcoólatra e papudo, ele já foi, também, estelionatário. Pegou cana, no duro.

Foi assim. O Elias, que era um amigo esperto do tio Harlan, o chamou para montar um negócio de muita rentabilidade e pouco investimento. O capital a ser empregado pelo grande Harlan seria sua inteligência, seu próprio talento. Nada melhor para alguém que se supõe um gênio. É claro que mesmo antes de saber do que se tratava, a mula aceitou o negócio. Já disse, de chofre, que o Elias podia contar com ele incondicionalmente. “Se a minha participação no negócio é o meu talento, tô dentro” (as rimas do tio Harlan....).

O negócio consistia em arrebanhar uma quantidade considerável de pessoas que estivessem dispostas a acreditar no poder da palavra. Palavra de Deus, é óbvio. O tio Harlan, com sua enorme capacidade de persuasão, seria o representante do Senhor na terra, um demiurgo contemporâneo. Naquela época estavam pipocando religiões as mais diversas e o que não faltava no Brasil era igreja. Tinha mais igreja do que farmácia, ótica e padaria.

O tio Harlan treinou para ser pastor: leu a Bíblia inteira em seis meses, estudou técnica vocal, impostação de voz e resolveu adotar aquele sotaque dos pastores, com erre arrastado e tudo. Depois, encomendou uns ternos sóbrios, pôs aliança na mão esquerda – o casamento com Deus era de rigor – e assumiu sua nova identidade: virou pastor.

Enquanto ele fez tudo isso, o Elias preparou a infraestrutura do negócio. Alugou um pequeno terreno em que eram feitas as quermesses anuais do bairro. Ali tinha um palco, um microfone, um amplificador e duas caixas de som robustas. Dava para fazer um estrago considerável com aquele equipamento.

A data do primeiro culto foi divulgada por meio de anúncios pequenos, distribuídos nas ruas. A ideia era simples: convocar a vizinhança para conhecer a palavra do grande sábio.

“Culto da Igreja do Grande Sábio: a palavra da verdade”
“Sábado, às 18h30 no espaço comunitário do bairro Santa Clara”.

O Grande Sábio revelaria a palavra da verdade. Ninguém imaginou, contudo, que o grande sábio fosse o tio Harlan. Todos imaginavam que se tratasse de Deus.

O culto demorou uma hora. Não é que o tio Harlan deu conta do recado? Durante o tempo em que estava lá falando, o Elias arrecadava dinheiro para as obras da Igreja do Grande Sábio. O valor arrecadado foi bom, mas ainda havia muito a ganhar. Na quarta semana, há tinha gente de outros bairros participando do culto. Era o momento de inovar: com seu incrível talento para negócios, o tio Harlan contratou um grupo musical e encomendou umas músicas religiosas. O Grande Sábio era tema de todas elas. Virou um herói.

Após um ano, o terreno em que eram realizados os cultos já era insuficiente pra acomodar tanta gente e as obras da igreja nem sonhavam em começar. O dinheiro estava todo aplicado. Alguma atitude tinha que ser tomada.

O momento era aquele: tio Harlan e Elias decidiram resgatar as aplicações, dividir a grana arrecadada e partir para Portugal, onde também criariam, em uma cidadezinha qualquer, a Igreja do Grande Sábio. Enganar português é muito mais fácil, pensavam os dois.

Quando estavam prontos para deixar o Brasil, o Elias mudou os planos. Pegou todo o dinheiro para si e foi para o Paraguai, de carro. Deixou um bilhete para o amigo: “A sabedoria é uma virtude”. Nunca mais veria o tio Harlan e tampouco os fiéis da Igreja do Grande Sábio.

Pobre e incapaz de sustentar aquele esquema fabuloso, tio Harlan caiu em desgraça: não conseguiu se explicar para os fiéis e enfiou a cara na bebida. Foi acusado de estelionato e, sem que pudesse contratar um bom advogado, foi condenado e preso. Ninguém acreditou!

Tio Harlan entrou para a história: foi o único – repito: o único – pastor do Brasil que abusou da boa-fé alheia e se fodeu. Grande tio Harlan....

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Grandes interpretações

Voltando à brincadeira das listas (livros, filmes, músicas, etc), resolvi fazer uma de grandes músicas intepretadas por grandes músicos. Não se trata de intepretações definitivas, mas apenas especiais.

A brincadeira é simples: não vale música interpretada por seu compositor e tampouco se admite repetir o intérprete.

Vamos lá:

“Sala de Recepção”, de Cartola, por Chico Buarque

“Modinha (Seresta)”, de Villa-Lobos e Manuel Bandeira, por Tom Jobim

“Retrato em branco e preto”, de Chico Buarque, por Ney Matogrosso e Raphael Rabello

“Olha, Maria”, de Chico Buarque, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, por Milton Nascimento

“As rosas não falam”, de Cartola, por Paulinho da Viola

“Preconceito”, de Wilson Batista e Marino Pinto, por João Gilberto

“Berimbau”, de Baden Powell, por Toquinho

“Desafinado”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, por João Bosco

“A correnteza”, de Tom Jobim, por Djavan

“Folhetim”, de Chico Buarque, por Gal Costa

"Molambo", de Jayme Florence e Augusto Mesquita, por Yamandú Costa e Dominguinhos

“Olhos nos olhos”, de Chico Buarque, por Maria Bethânia

“O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, por Elis Regina

“O mundo é um moinho”, de Cartola, por Olivia Byington

“Dança da solidão”, de Paulinho da Viola, por Marisa Monte e Gilberto Gil

"Coração vagabundo", de Caetano Veloso, por Ana Canas

“The very thought of you”, de Nat King Cole, por Etta James

“Dream a little dream of me”, de Kahn / Schwandt-Andre, por Zizi Possi

“You don’t know me”, de Cindy Walker e Eddy Arnold, por Ray Charles

“So in Love”, de Cole Porter, por Caetano Veloso

“Every time we say goodbye, de Cole Porter”, por Ella Fitzgerald

“Love for Sale”, de Cole Porter, por Billie Holliday

“I only have eyes for you”, de Harry Warren/Al Dubin, por Frank Sinatra

“Requiem”, de Mozart, pela Filarmônica de Berlin (regência de por Herbert von Karajan)

”My pledge of Love”, de The Joe Jeffrey Group, por Nando Reis

“We can’t work it out”, dos Beatles, pelo Deep Purple

“Crazy”, de Seal, por Allanis Moressette

Cometi alguma injustiça? Esqueci alguma música? Mandem sugestões!

sábado, 18 de junho de 2011

Billie Holiday

Billie Holiday nasceu em 1915 e morreu em 1959. Tinha, portanto, 44 anos. Sua voz ainda não havia passado por aquela metamorfose que torna maduro o timbre de quem canta. Há, nisso, um glamour singular, uma espécie de valor histórico que, de certa forma, contrapõe-se ao brilho estético almejado por tantos intérpretes.

Guardadas, bem ressalvadas as proporções devidas, é mais ou menos como ouvir as interpretações de Noel Rosa em sua própria voz: soa fraco, sem viço, sem beleza. Todavia, dá uma sensação, um ar de genialidade histórica insuperável. Talvez o mesmo se possa dizer dos primeiros discos do Chico: arranjos de sambas com coral e uma levada que ele não mais retomaria em suas obras subsequentes. A voz, também, algo fina e sem potência, marca presença naqueles trabalhos. Sim, eu sei que muitos dirão que ainda hoje isso é uma realidade. Deixemos para lá....

Em Billie nada soa grandioso senão a particularidade de sua voz e de suas interpretações. Salvo engano - e segundo informações de um grande admirador -, ela não participou de nenhuma grande produção, de nenhum projeto musical de requinte. Sua vida faz parte daquele submundo cuja descrição muitas vezes nos chegou por meio das telas cinematográficas: o mundo do jazz, do Harlem, da prostituição, do álcool barato, do fumo ordinário e das drogas que a levaram à ruína. Nela, tudo é underground, quase tudo recende a melancolia e a depressão. Sua voz fina na trilha de filmes antigos conjuga, com maestria, a estética musical com o fundo histórico de uma época que produziu grandes gênios da música.

Foi, pois, uma vontade de ouvir o tal “glamour singular” mencionado acima que, recentemente, despertou-me a curiosidade por sua obra. Bastou pouco tempo para chegar à conclusão que “Love for Sale” é uma das mais belas de suas interpretações. Creio que essa seja a única – repito: única – interpretação que ficou melhor em sua voz do que na voz da Ella, a maior cantora de todos os tempos, conforme já mencionei aqui, em 2008, no post Ella.

Há também outras preciosidades que Billie logrou gravar: “Lover Man”, “Easy to Love”, “Big Stuff”, “Georgia on my mind” e “Don’t Explain” (composição de sua lavra). Extasiante é o dueto com o velho e bom Louis Armstrong em “My Sweet Hunk O’Trash”. Vale a pena ouvir!

Pois é.... agora, mais essa: apaixonado pela Billie também.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Enfim, ao acordo ortográfico

“....nem uma mulher em chamas cede um beijo assim de antemão.
Há sempre um tempo, um batimento, um clima que a seduz”.
Lábia – Chico Buarque e Edu Lobo.

Jurei que até o último momento resistiria bravamente às imposições do acordo ortográfico, assinado pelo Luiz Inácio em 2009. No post “Acordo ortográfico, ainda”, publicado aqui em 23/06/2009, mencionei algumas impressões negativas e alguns problemas que supunha haver nas alterações feitas na “última flor do Lácio”.

Logo mais, completará dois anos que fiz a promessa. Até que resisti bem. Agora, entretanto, faltando pouco mais de seis meses para acabar o prazo determinado, decidi romper o prometido. Minha decisão defluiu de algo simples: como tudo exige um pouco de cautela, antecipação e preparo, entendo que seria melhor usar o segundo semestre para, por exemplo, acostumar-me à terrível ideia de escrever ideia sem acento ou escrever contrassenso sem hífen. Preciso iniciar aquela fiscalização básica que deve acontecer toda vez que logramos mudar de hábitos. Será difícil, mas, ainda contrariado, preciso tentar.

Geleia, assembleia, ideia, joia, heroico, feiura, coautor, corréu, benquerido, contrarrazões.... Espero chegar lá.

Como diz a música do Chico e do Edu, deve haver “sempre um tempo, um batimento”. O meu só começou agora....

domingo, 8 de maio de 2011

Tio Harlan 4: o carismático

Tio Harlan 4: o carismático - Roberto Barbato Jr

O tio Harlan realmente impressiona. Ele causa frisson na mulherada e nos incautos. Sabe aquele sujeito que, no primeiro encontro, parece ser agradável, boa pinta e elegante? Aquele homem com o qual todos se deliciam, por tão agradável que parece ser? O tio Harlan é assim.

Quando é apresentado para alguém, ele faz de tudo: conta piada, narra histórias, fala de suas viagens à Europa e aos Estados Unidos. As pessoas chegam a acreditar nele. Ok: o cara é megalomaníaco, mas nem tanto. No fundo, sabe que se a mentira for grande, não será crível. Então, quando percebe a iminência do exagero, refreia seus impulsos. Menos mal.

Além das histórias de vida, o tio Harlan sabe contar piadas como ninguém. Ele tem a manha. Nunca se embaralha ao fazer a narrativa. Toda a trama é contada com coerência, sem enganos, sem avanços, sem tropeços. O final é sempre surpreeendente. Mais que isso, ele nunca – nunca mesmo – explica a piada. Se você ouviu uma anedota da boca dele, por mais infame que seja, a gargalhada será sua reação. Niguém jamais precisou fazer qualquer tipo de explicação.

Por fim, há nele uma outra grande virtude: ele sempre sabe quando parar. Ao perceber que as risadas começam a rarear, aborta a missão. Tem senso de percepção. Você pode não acreditar, mas ele tem.

Seu único escorregão nesse terreno cômico é que nunca deixa de contar uma piada de Joãozinho. Aquela que mais gosta é a do teste da memória. Ela nem tem graça, mas ele adora e conta com frequência. E o pior é que todo mundo ri.

É mais ou menos assim....

“Joãozinho, Pedrinho e Juquinha apostavam quem tinha uma memória melhor.

- Eu consigo me lembrar perfeitamente - gabava-se o Pedrinho – do tempo que a minha mãe me dava de mamar. Se eu fecho os olhos sou capaz de sentir o calor do seu peito...

- Isso não é nada - retrucou Juquinha. - Pois eu me lembro no dia em que eu nasci... Aquele túnel escuro... e o médico me segurando pelas pernas...

- Isso não é nada - argumentou Joãozinho. - Eu me lembro de ter ido num piquenique com o meu pai e voltado com a minha mãe!”

Se eu contasse essa piada, certamente ninguém riria.

Enfim, é por essas e outras que as pessoas adoram o tio Harlan quando o conhecem. Ele é o cara mais legal do mundo no primeiro encontro. Só aos poucos é que se percebe que o sujeito é um picareta. Mesmo assim, pasme, tem um número significativo de fãs, dentre os quais eu, naturalmente, não me incluo.

Minha opinião é inarredável: o tio Harlan é um filho da puta.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Sabiá versus Caminhando e Cantando

Georg Lukács escreveu um belíssimo artigo intitulado “Arte livre versus arte dirigida”. Não me recordo ao certo a que conclusão teria chegado o crítico húngaro. Tampouco me recordo do teor do texto. Todavia, seu título, vira e mexe, me sugere algumas reflexões.

Em 1992, a TV Globo passou o seriado “Anos rebeldes”, cujos protagonistas João Alfredo e Maria Lúcia – interpretados por Cássio Gabus Mendes e Malu Mader – discutem sobre o resultado do festival de 1968. As músicas finalistas eram “Sabiá”, de autoria de Tom Jobim e Chico Buarque, e “Caminhando e Cantando” (“Para não dizer que eu não falei de flores”), de Geraldo Vandré.

“Sabiá” foi a vencedora.

Na trama de Gilberto Braga, João Alfredo - militante sectário, intransigente - bradava em tom colérico para sua namorada Maria Lúcia que “Sabiá” jamais poderia ter sido a campeã do festival. Dizia que “Caminhando e Cantando” era um hino à liberdade. Representava, ademais, o momento político por que passava a sociedade brasileira naquele momento.

Maria Lúcia rechaçava os argumentos de João Alfredo dizendo que “Sabiá” era, esteticamente, muito mais densa, mais bonita, enfim.

Ao final da série, quando a relação dos dois se mostra impossível, João Alfredo se reporta à antiga discussão para concordar com Maria Lúcia. Ela tinha razão: “Sabiá” merecia ter sido a vencedora.

A leitura que fiz do embate entre as duas obras primas é bastante simplória. Enquanto a composição de Vandré dava voz aos gritos sufocados de liberdade na época da ditadura militar - assumindo, portanto, nítidos laivos políticos -, “Sabiá” se mostrava muito mais bela, melhor trabalhada e, esteticamente, muito superior. Tratava-se, naturalmente, da contraposição entre a arte dirigida, feita com propósitos interessados, e a arte livre, despojada de qualquer pretensão contestatória.

Em tempo: “Caminhando e Cantando”, tornou-se, mesmo após o regime de exceção, um hino de manifestação estudantil. Na minha época de estudante, constituía um inenarrável porre ouvir a acéfala geração cara-pintada cantar “vem, vamos embora que esperar não é saber....”. Mal sabe Vandré a quais propósitos sua música serviu nos anos 1990....

domingo, 24 de abril de 2011

Tropa de Elite 2

Já que no post passado falei sobre minhas impressões a respeito da “Guerra do tráfico”, seguem dois pequenos parágrafos sobre Tropa de Elite 2.

Se visto pelo prisma da ficção, trata-se de um bom filme. Embora as conexões políticas com a questão do narcotráfico e da segurança pública sejam bem urdidas, não se pode tomar a trama cinematográfica como elemento bastante para explicar a realidade da capital fluminense.

Sem dúvida, o filme é mais denso que o primeiro. É mais bem amarrado, tecido. Wagner Moura continua impagável e personagens do primeiro filme aparecem com mais destaque. A narrativa parece assumir um tom maduro, encontrando-se mais afiada com o roteiro e as situações (fictícias, é claro) expostas.

Nada além disso....

sábado, 16 de abril de 2011

Impressões tardias sobre a guerra no Rio

Agora que o assunto não está mais no centro dos debates nacionais, que as discussões já serenaram e que a mídia não mais se preocupa tanto, gostaria de fazer sumárias - e tardias - observações sobre aquilo que se convencionou chamar de a “Guerra contra o tráfico”, ocorrida nos meses finais de 2010.

Em 2006, quando publiquei meu livro (Direito informal e criminalidade: os códigos do cárcere e do tráfico), trabalhei com uma premissa básica e já bastante divulgada por outros autores: a de que a população das comunidades faveladas permeadas pelo narcotráfico geralmente apóia a conduta de seus líderes e repudia as iniciativas da polícia e/ou do poder estatal. Esta postura só se explica pela absoluta ausência do Estado nessas comunidades. Ante as lacunas deixadas pelo poder oficial, é sintomático que irrompam formas alternativas de resolução dos conflitos sociais no morro. A partir de benfeitorias assistencialistas (construção de quadras poliesportivas, pagamento de material escolar a familiares que contribuem para o “movimento”, organização de bailes funks, saneamento, asfalto, etc), os líderes do tráfico logram obter uma legitimidade que seria motivo de inveja a vários políticos do cenário brasileiro.

Essa tese, factível e verificável até os dias atuais, suscitou, com o novo embate entre o Estado e o Tráfico, algumas reflexões. Primeiramente, são dignas de notas as manifestações positivas da população em relação às investidas da operação conjunta entre Polícia Militar, Exército e Polícia Federal. Segundo consta das notícias midiáticas, vários foram os moradores da Favela do Cruzeiro e também do Complexo do Alemão que mostraram deliberadamente sua expectativa de que a força do poder oficial pudesse solapar, de vez, os desmandos do narcotráfico em suas comunidades. É bem verdade que não se pode deixar de mencionar, também, que abusos por parte da polícia foram registrados por moradores. Mas isso, por si só, renderia nova discussão.

Outro aspecto dessa “guerra” que suscita debates é a eficácia das ações estatais para o combate ao tráfico. Sempre ouvi dizer, dos ingênuos desejosos de paz, que, a qualquer momento, a polícia poderia invadir os morros cariocas e acabar com tudo aquilo. Leia-se: acabar com o narcotráfico. Ou seja, acreditava-se que a polícia poderia arrostar o poder paralelo e minar suas bases. Para isso, diziam os incautos, bastaria que houvesse, por parte do Estado, vontade política.

Nessas discussões, sempre argumentei que a polícia não tinha sequer equipamento (armas de fogo) suficiente para uma investida eficaz nas favelas. Anotei também no meu livro – e isso é bastante sabido – que os armamentos mais sofisticados, muitos deles privativos de forças militares estrangeiras, constituem a base da beligerância do tráfico. Ora, se o fuzil mais sofisticado do mundo pertence aos líderes do narcotráfico carioca, não é com pistolas de calibre baixo que o aparato policial conseguirá êxito em um confronto armado.

Pois é.... a experiência recente de ocupação dos morros mostrou que, em conformidade com o que muita gente pensava, bastou haver a tão propalada vontade política, organização e ação para que algo realmente significativo fosse feito. Em outros termos, aqueles que defendiam o grande poderio do tráfico ficaram perplexos com a facilidade policial para promover o êxodo de alguns traficantes de seus redutos. Hoje, certamente, aqueles que acima qualifiquei de incautos, devem estar vociferando, dizendo que tudo é muito simples. Num momento de desvario, cheguei mesmo a perguntar se eles – os tais incautos – não teriam razão.

Por fim, um último comentário. Atualmente, há uma ilusão de que as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) conseguirão manter os traficantes longes do morro. Até segundo aviso, não pretendo acreditar rigorosamente nisso. Caso não haja ação constante e presença do Estado para preencher as lacunas que geraram o assistencialismo dos narcotraficantes, a antiga estrutura irromperá novamente. Estaremos, portanto, diante de um círculo vicioso

O problema é, enfim, estrutural e não episódico.

sábado, 9 de abril de 2011

Tio Harlan 3: o ponto fraco

Tio Harlan 3: o ponto fraco - Roberto Barbato Jr

Antes de contar por que o tio Harlan foi parar na cadeia, vou falar sobre seu ponto fraco. É claro que um sujeito como ele há de ter um ponto fraco. Todo mundo tem, não é?

Pois o ponto fraco do tio Harlan chama-se Aline. Ela é morena, olhos pretos, busto na medida – nem grande, nem pequeno – e as coxas mais lindas das quais já tive notícia. Quando fala, Aline não alteia a voz, mantém o mesmo timbre, o mesmo volume e a mesma cadência. Tem uma voz rouca que parece um sussurro direcionado ao tubo auditivo. Ela não anda, flutua. É de deixar qualquer homem louco. Na frente do tio Harlan, então, ela causa verdadeiro estrago.

Quando a conheceu, fez de um tudo para conquistá-la. Procurou o seu endereço na lista telefônica (ainda não existia internet) e mandou rosas pra casa dela, de duas em duas horas. Cada buquê com um cartão diferente. A família da moça espirrou a noite inteira: todo mundo lá era alérgico a flores, mas o idiota não sabia disso, nem poderia prever. Ficaram todos curiosos e, de alguma forma, disseram que se vingariam do remetente, fosse quem fosse.

Como a menina ainda não sabia quem era o tio Harlan, a besta resolveu ligar pra casa dela para ouvir sua voz. A paixão já havia assumido proporções grandiosas. Ligava e não falava nada, ficava com o telefone na orelha ouvindo “alô, alô, alô”, como se aquilo lhe pudesse dar algum prazer. Naquela época também não tinha bina e, por isso, o tio Harlan abusava das ligações. A família da Aline já não sabia mais o que fazer quando atendia um telefone mudo. Apelidaram o interlocutor silente de mudinho. Mal sabia o retardado do meu tio que ele já tinha até apelido para a família da moça.

Quando foi apresentado para a menina, quase teve uma caganeira. Tremeu, ficou vermelho e gaguejou. A moça, um pouco surpresa, perguntou se ele passava bem. Por um milagre, em duas semanas começaram o namoro. O tio Harlan estava nas nuvens. Conheceu o futuro sogro, a sogra e as duas cunhadas (que também eram lindas mas não chegavam aos pés da irmã). Passou a frequentar a casa dela, almoçava, jantava e assistia ao Jornal Nacional na sala com todos. Àquela altura dos acontecimentos, o sogro, que não era bobo, nem nada, já tinha sacado que o mudinho e o remetente das flores eram a mesma pessoa, ou seja, a besta do tio Harlan. Afinal, os telefonemas mudos não já existiam mais.

Namoro no sofá, intimidade com as cunhadas, beijinho atrás da porta, mãozinha aqui, mãozinha ali.... e tio Harlan se achando o sujeito mais gostoso do mundo. Do dia pra noite, tomou o fora. Foi uma hecatombe. Aline confessou que estava apaixonada pelo Tarcísio e que já tinha iniciado com ele um relacionamento intenso. Muito intenso, ela fez questão de frisar.

O problema é que o Tarcísio era o melhor amigo do meu tio, amizade antiga, de infância mesmo. Ele não conseguia entender como aquilo foi acontecer: o Tarcísio era desengonçado, mal arrumado, tinha crateras de espinhas no rosto e, pior, mau hálito. Parecia que tinha engolido um urubu. Perder a Aline para ele era um pesadelo, dos piores.

Tio Harlan chorou noventa noites seguidas. Foi nessa época que começou a beber pra esquecer a Aline. Nunca esqueceu. Quando ouve algum comentário sobre ela ou a encontra casualmente, fica pálido, sem ação. Chega mesmo a tremer. Depois, arruma um jeito de se isolar num banheiro qualquer e chora a falta da amada.

Coitado. Nem o tio Harlan - que é um filho da puta - merecia isso.

sábado, 2 de abril de 2011

Tio Harlan 2: o campeão

Tio Harlan 2: o campeão - Roberto Barbato Jr

Pois é. O tio Harlan nem sempre foi um filho da puta. Quando eu era pequeno achava que ele era um sujeito bacana. Vivia me contando suas experiências exitosas. Eu morria de admiração por ele.

Uma vez me relatou que um de seus grandes méritos foi ter vencido os 100 metros livres numa olimpíada. Falou que, naquele dia, se sentiu o máximo, como se fosse um motor da Ferrari. A potência em pessoa, a velocidade encarnada num corpo humano. Chegou à frente dos outros competidores com uma diferença de 7 segundos, o que, segundo ele, era uma eternidade. “Carl Lewis? Nunca ouvi falar”, dizia desdenhoso.

Nas olimpíadas seguintes, a dar provas de sua versatilidade, resolveu mudar o esporte. Tornou-se nadador. Venceu tudo a que tinha direito: crawl, costas, borboleta e, principalmente, o nado de peito. Era medalha atrás de medalha. Com o sucesso, chamaram-no pra ser treinador de uma equipe norte-americana. O problema era que seu passaporte estava vencido e ele tinha preguiça de renová-lo. Então, acabou recusando a proposta. “Isso é pra quem pode”, respondeu quando perguntei se o motivo da recusa era aquele mesmo. Acreditei, é claro.

Sua última incursão no mundo esportivo teria sido como tenista. A carreira só não foi longe porque ele enjoou do barulho da bola e dos gemidos dos jogadores. Odiava quando alguém batia na bola e soltava um ãããh. Dizia que aquilo era coisa de maricas. Mesmo admitindo que não teve lá muito sucesso, sempre contou aos quatro ventos que derrotou o Borg, no auge da sua forma física. Encontraram-se num clube paulistano para uma partida as dez horas da noite. Pouca gente presenciou o espetáculo, a pedido do próprio Borg, que pressentia a derrota para o grande tenista Harlan.

Pô, o tio Harlan era o máximo. Era o cara.

Fiquei sem graça quando a tia Cecília, ex-mulher dele, me confessou que o filho da puta nunca passou perto de uma piscina ou de uma quadra. Na juventude, o que ele mais sabia fazer era encher a cara. Bebia como um doido. Dava baixaria, caía, berrava. Xingava meia cidade e acabava sendo levado pra casa por alguma boa alma que o encontrava em estado lastimável na rua. “Seu avô morria de vergonha”, disse a tia Cecília. O tio Harlan, quem diria, era o maior alcoólatra da paróquia. Pois é: além de filho da puta, era também alcoólatra. E papudo.

Se hoje ele ainda bebe? Não, claro que não. Ele parou com isso. Na cadeia.

sábado, 12 de março de 2011

O chefe

O chefe - Roberto Barbato Jr

O chefe anda tomando alguma coisa estranha. Todo mundo que passa pela sala dele se pergunta o que é aquele pote com suco amarelo que fica em cima da mesa do computador.

Ele começou a tomar o negócio há pouco tempo. Desde então, suspeita-se que seu humor se alterou – ainda mais do que geralmente se altera, já que o cara é dessas pessoas identificadas como bipolar. Disseram que, só ontem, deu umas quinze patadas na secretária. Xingou a moça e disse que assim ela não se manteria lá. Depois, aparentando um bem-estar incomum, quase uma felicidade, foi para a sala de reunião com um cliente. O sujeito saiu de lá assustado, como se tivesse ouvido alguma barbaridade ou visto o capeta. Perguntou para a secretária se já poderia ir embora. Pois não, é por aqui, disse ela mostrando a saída. Quando a porta se abriu, ele saiu correndo, como um louco.

No meio da tarde, o chefe apareceu na copa do escritório com o suco amarelo na mão. A feição era de quem estava enfurecido. Todo mundo ficou preocupado e cada um foi se encolhendo, buscando uma alternativa – ou uma desculpa – para sair dali. Se ele desse mais um passo, ia ser um rebu. Teria até gente pisoteada.

Como a secretária conhece a família há tempos, resolveu chamar o pai para uma conversa. Explicou o que estava acontecendo, disse que ninguém mais se sentia seguro em trabalhar ali, sob as ordens e desmandos dele. O pai perguntou o porquê e foi informado que um tal de suco andava fazendo a cabeça do rapaz.

- Suco amarelo?, perguntou o pai.

- É, um composto estranho, ela explicou. Depois que ele toma, a coisa fica preocupante por aqui.

- Ah, sei – disse o pai. Por acaso, é um suco meio granulado?

- Esse mesmo – ela respondeu.

- Sei, sei. Deixe comigo!

O pai subiu para a sala do filho. Foi recebido a tapas. Mal entrou, levou um na cara. Começou a gritar e a pedir para parar. O filho batia mais, a mão aberta, tapa estalado. Houve um grande barulho: a estante caiu. Em cima do pai, claro. O chefe abriu a porta e o velho, todo machucado, lágrimas nos olhos, foi embora.

Depois de um mês, irresignados, pedimos demissão. Talvez os loucos fôssemos nós mesmos. Hoje, curiosamente, todo mundo toma o tal suco amarelo. Muita coisa mudou em nossas vidas. Felizmente não somos chefes. Ainda.

sábado, 5 de março de 2011

O rosto da Lili

O rosto da Lili - Roberto Barbato Jr


O que eu queria mesmo era encontrar um rosto bonito, nas capas de revistas. Parava em frente à banca e ficava procurando. Ia de uma em uma, capa por capa, fileira por fileira. Quando cansava, parava e comprava umas palavras-cruzadas. Na hora de pagar, voltava os olhos para as fileiras que tinham faltado na primeira busca. Enquanto o seu Altenor me dava o troco, terminava minha procura. Se dava tempo? Claro que dava. As publicações não eram muitas.

Com o passar do tempo, passei a ser mais exigente. Não queria só um rosto bonito, queria a perfeição: medidas, cores, volumes, tudo tinha que ser perfeito, inclusive o conjunto da obra. Seria difícil, mas quem sabe um dia....

Seu Altenor investiu na banca. Comprou umas revistas importadas, fez negociação com o pessoal da capital e passou a ser o vendedor exclusivo de tudo aquilo que a cidade não conhecia. Aos poucos fui me acostumando àquelas capas coloridas, cheias de detalhes sofisticados e mulheres lindas. Pena que não tinham o rosto perfeito. Acho que já estava me rendendo e a paciência, certamente, não iria longe.

No carnaval daquele ano, tomei um susto quando estava passando perto da banca. O seu Altenor me chamou para ver as fotos da Lili Neves. Queria me mostrar como era boa, como tinha o corpo perfeito. E o rosto também, falei. Era o rosto que eu procurava. Até parecia que eu havia feito o desenho dele e mandado alguém esculpir. A Lili Neves era um estouro!

Puta que pariu!, gritei. Por pouco não babei na capa da revista. Corri pra casa, peguei o resto da mesada no cofrinho e contei as notas com a esperança de que somassem o que eu precisava. Faltou grana e, para complicar, o dia de receber a mesada estava longe. Seu Altenor seria compreensivo? Naturalmente, deixou que eu o pagasse no início do mês seguinte. Lá fui eu com a Lili Neves para casa.

Na semana seguinte, ela estreou na televisão, como atriz de novela. Não perdi um capítulo. A trama não era lá essas coisas, mas a Lili aparecia todo dia. Sua interpretação não era ruim, não. Dava lá alguma mostra de que seu futuro na TV seria promissor. Depois, veio a segunda novela. A Lili fazia o papel de uma mocinha pobre que foi pro Rio de Janeiro tentar ganhar a vida. Deram um jeito de enfeiá-la. Até bigode colocaram nela. Que sacanagem! Só quando se casou com o Aderbal – o cafa da novela – é que apareceu bonita para todo mundo. Não dava pra acreditar....

Nessa época, a Lili já havia se convertido numa espécie de obsessão. Eu sonhava com ela, noite sim, noite não. Se perdia o capítulo da novela, aparecia no meu sonho pra me contar o que tinha acontecido, como se ela mesma fosse a autora ou roteirista da trama. A Lili conversava comigo, frente a frente, o hálito gelado, a língua se movendo em câmera lenta. Que boca! Depois, ia embora jogando um beijo pra mim. Só podia ser sonho.

Um dia, notei que a Lili havia ficado velha, uma cinquentona. Continuava linda, sem dúvida. Só consegui perceber que o tempo tinha passado porque encontrei a revista guardada num armário antigo, junto com o cofrinho da minha adolescência. Até hoje o seu Altenor me pergunta quanto eu quero por aquele exemplar cuja compra ele generosamente parcelou. Diz que paga à vista. Não vendo, não! Também jamais venderia a lembrança daquele dia em que conheci o rosto da Lili.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Sem compromisso

Ainda hoje, quando escrevo alguma besteira aqui, lembro-me do post inicial deste Blog (Sem compromisso: a razão desse blog). É muito bom escrever sem nenhum compromisso. Também é fantástico não ter a obrigação de escrever. Ninguém sentirá falta....

sábado, 29 de janeiro de 2011

Não deram certo

Existem certas interpretações musicais que realmente não deram certo. Vamos a algumas delas.

Emílio Santiago. Não há uma música específica. Tudo – ou quase tudo – o que ele interpreta tem arranjo de baile de clube de interior. É algo cafona, com arranjos intragáveis. Exceção deve ser feita à "Teresa da Praia" que ele gravou junto com Luiz Melodia. Todavia, se, num domingo à noite, você estiver ouvindo FM no carro e tocar “Saigon”, é melhor se matar. Sua atitude será plenamente justificável.

Leila Pinheiro interpretando Renato Russo. Só ouvi uma música e, por mais imbecil que isso possa ser, não estou disposto a conferir o resto. Leila Pinheiro poderia dar um presente aos seus fãs: cantar apenas Bossa Nova. Ela nasceu para isso.

Ella Fitzgerald. É dificílimo falar d'Ella. Minha deusa musical não deu certo com “Love for Sale”, de Cole Porter. Não sei por que, mas não soou legal. Diga-se o mesmo de “Dream a Little Dream of Me”, cuja interpretação já comentei aqui no blog.

Caetano Veloso cantando “Igreja”, composição dos Titãs. A interpretação, aliás, foi feita juntamente com os Titãs, no final da década de 1980. Caetano, de jaqueta de couro, tencionava dar um ar rebelde que em nada combinava com sua legítima baianice genial.

Gal Costa cantando “Begin the Beguine”. Ninguém duvida da potência dos agudos da Gal. Que quisesse interpretar uma das mais belas músicas de Cole Porter é perfeitamente compreensível. Não precisava, contudo, terminar a interpretação tentando fazer o impossível: alcançar Ella. A música certamente foi para prensa sem que ela ouvisse como ficou a gravação. Do contrário, não teria deixado passar. Até hoje quando a ouve, se penitencia por tê-la gravado.

Bete Carvalho cantando “As rosas não falam”. Nada contra Bete Carvalho. Ela tem o grande mérito de ser mangueirense e ter descoberto o Zeca Pagodinho. Além disso, com todo o respeito, poderia se limitar a cantar os sambas-enredos da Estação Primeira. A obra-prima do Cartola, definitivamente, não lhe cai bem. Se alguém tiver interesse em ouvir um bela interpretação, a dica é Paulinho da Viola. Ele levou anos para conseguir coragem e gravar a música. E só o fez em 1999, quando do lançamento de “Bebadosamba”. Ficou belíssima.

Alguém conhece mais alguma furada? Aguardo respostas!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Tio Harlan

Tio Harlan - Roberto Barbato Jr

Não. Não acredito nessa história de loteria e mega sena. É tudo uma grande sacanagem. Coisa de picareta, como o tio Harlan, que todos dizem ter tino comercial apenas porque deixou de ser empregado e hoje tem uma empresa. O tio Harlan recende a picaretagem. Só virou empresário porque ganhou na loteria. Um dia quis me convencer que há homens eleitos pelo dinheiro. Eu perguntei um “como assim” meio envorgonhado e ele me garantiu que existiam os predestinados. Tio Harlan, seu filho da puta!

Não adianta. Você não vai encontrar uma fonte de renda remansosa. Esqueça o que te disserem. O negócio é o trabalho. Viver de renda, de aluguel, ser cafetão, agiota, onzenário, tudo isso é fria. Só o trabalho constrói. Somente o esforço agrega. Ou, então, você tem pai rico. Rico e comedido. Do contrário, as pompas ficarão nas memórias. Um pai rico perdulário é um castigo. Você fica aí pensando que o sujeito vai te deixar de boa, na sombra e na água fresca. Quando sai o inventário, você percebe que, quando muito, te restou uma aplicação de alto risco que, se não for resgatada logo, adeus. Se você tiver irmãos, fodeu. O adeus é de rigor.

Por entender que a vida é só trabalho, resolvi meter as caras. Como as teses do tio Harlan nunca me serviram de nada, achei melhor encarar o trabalho. Saí à cata de uma ocupação. Nem era emprego, era ocupação mesmo. Faria qualquer coisa. “Então tá bom”, disse o dono do hotel. “Você carrega mala de terça a domingo. Pode folgar na segunda-feira de manhã e pode usufruir da piscina, já que nunca tem ninguém nesse horário. Salário? Bom, isso a gente vê depois”. Foi o que ele me falou.

Vestido de um uniforme pesado, carreguei mala (com ou sem rodinha, pequena, grande e também nécessaire). Carregava, inclusive, hóspede bêbado. Levei cantada de madame, de camareira e de veado velho. Tinha certeza que não podia comer ninguém, o que poderia comprometer meu novo ofício.

Tinha de tudo no hotel: milionário de verdade, falso rico, alpinista social, puta de luxo e até michê disfarçado de garçom. As finanças começaram a andar mal. Quando suspeitei que iria pro olho da rua, me cocei. Primeiro, só de birra, entrava na piscina pra mijar. O esquema tinha um preparo interessante. Ficava quatro horas sem comer, tomava muita água, deixava a bexiga ficar bem cheia e ia nadar. Mijava o tempo inteiro, uma mijada em cada canto da piscina. Como a bomba estava quebrada, não havia reciclagem de água alguma. Em duas semanas aquilo ficaria fétido, cheio de bactérias. Alguém se estreparia por ali. Depois, pra dar um jeito momentâneo na vida, meti a mão na gaveta do seu João. Ele era o gerente do estacionamento e guardava a gorjeta da semana numa gaveta sem chave. Era uma paca. O dinheiro daria para um mês, sem muito luxo, é claro.

Acabou a grana. Encontrei um velho amigo da escola e ele perguntou se eu queria ganhar algum. “Você tem boa aparência. É o que precisamos lá na clínica. Um rapaz que atenda ligações e resolva problemas de última hora”. Era uma clínica clandestina de aborto. Perguntei pra ele se a clínica era mesmo clandestina. Ele não entendeu a piada. Recusei a proposta.

Corri até Câmara Municipal para procurar um vereador conhecido do Tio Harlan. O cara, diziam, tinha bom relacionamento com a turma da situação. Se pudesse me arrumar um cabide na administração atual, ficaria grato pro resto da vida. O seu Tenório conseguiu um lugar no setor de separação e entrega de missivas da própria Câmara Municipal. Eu não sabia o que era missiva, mas aceitei. Não devia ser coisa ruim. No primeiro dia de trabalho, percebi que meu negócio era separar e entregar cartas. Missiva é carta, foi o que o dicionário me disse. Separava correspondência pros gabinetes de vereadores, para a presidência da Câmara e até para dona Justina, que servia o cafezinho.

Foi ela que me avisou, depois de um ano de trabalho duro, que eu seria demitido logo mais. Com a história dessa tal terceirização resolveram terceirizar o serviço de correspondência e entregas. Eu ia tomar na cabeça. Mandaram me chamar. Como eu já sabia da demissão, fui à forra. Disse que ali só tinha bandido, político velhaco e puxa-saco. Uns chupins! E o salário era ridículo. Dei uma risada de louco, de gente desequilibrada. Toquei o terror! Comecei a gritar e simulei que ia morder alguém. Todo mundo subiu nas cadeiras, tinha gente até em cima da mesa. O seu Tenório ficou vermelho de raiva. Disse que minha postura não condizia com as referências que o tio Harlan lhe tinha dado.

A dona Justina, indignada com a situação, me indicou pra garçom de um boteco da família da cunhada da prima dela, lá na periferia. O negócio estava começando, mas dava ares de que iria pra frente. No almoço servia os PFs e à noite, lanche e cerveja. Eles me pagavam direitinho, inclusive o vale transporte pra ir e voltar. Na sexta-feira à noite, o expediente se estendia e eu podia dormir num quartinho do fundo do restaurante, porque, àquela altura dos acontecimentos, o boteco já tinha até nome de restaurante. Graças ao meu empenho, virei sócio. Propunha um evento hoje, uma música ao vivo amanhã, uma feijoada no domingo. Assim fui conquistando meu espaço. Ainda bem que não dei bola pras fantasias do tio Harlan. Em dois anos estava ficando abonado e pensei até em me casar com uma freguesa loirinha que me dava uns beijinhos sem nenhuma emoção.

Ao descobrir minha fibra empresarial, tio Harlan mandou me chamar. Propôs negócio, dizendo que talvez eu já fosse um eleito do dinheiro, tal como ele. Iríamos unir forças, ganhar muita grana. Resisti um pouco. Contudo, acabei cedendo. Vendi minha parte no restaurante da periferia, terminei com a loirinha insossa e virei sócio dele. O futuro prometia.

Prometia nada.... Ele passou a perna em mim. Quando percebi, estava trabalhando no almoxarifado da empresa, como um funcionário raso. Perdi minhas cotas da sociedade e a única coisa que me restou foram os convites para nadar na casa do Tio Harlan. Eu só precisava dar um jeito de quebrar a bomba da piscina.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Ah, Julinha!

Ah, Julinha! - Roberto Barbato Jr

Ah, Julinha! Putz, todo mundo queria a Julinha. Baixinha, branquinha, uma bunda razoável e os peitos.... Vivia olhando pro seu busto. Quando ia pra escola com decote, eu ficava naquela curiosidade, estendia o pescoço para alcancar alguma posição favorável. Também ficava apreensivo se aparecia usando camiseta Hering branca com gola V. Aí, sim, ficava louco de vontade dela. A Julinha era muito gostosa. Muito boa mesmo. O quadril rebolando, o andar macio. Parecia que pisava num carpete.

Só se falava nela e ela falava pra cacete. Como falava! Contava da fazenda do pai, da bicicleta nova, do clube, do primo carioca. Jogava bola, subia no trepa-trepa e nunca se recusou a participar daquela brincadeira do beijo, abraço e aperto de mão. Quando era pra beijar na boca, ela beijava com língua e tudo. O beijo da Julinha era um tesão, deixava todo mundo de pau duro. Também brincava do tal jogo da verdade. Contava umas vantagens. Diziam que isso acontecia porque era baixinha e tinha complexo. Imagine: a Julinha com complexo....

Ninguém acreditou quando eu disse que a pediria em namoro. Namorar a Julinha seria o máximo. Beijo de língua e os cambau. Queria surpreendê-la atrás do portão da quadra de vôlei no momento em que as meninas iriam pro vestiário. Pegaria na mão dela, puxaria-a pra mim e faria a proposta. Foram pelo menos umas dez vezes que jurei fazer isso. Nunca conseguia. Chegava perto dela e meu coração disparava, a perna bambeava e eu ficava vermelho, suando frio. Jurava pra mim que no dia seguinte conseguiria. Mas não conseguia.

Eu sonhava com a Julinha constantemente, sentia o perfume dela no sonho. Acordava com ela na cabeça e logo arquitetava algum plano pra sentar perto dela na classe. Mandava bilhetinhos anônimos cuja autoria, é óbvio, ela conhecia. Pensei em sequestrá-la, prendê-la em algum lugar ao qual só eu tivesse acesso. Trancaria a Julinha numa cabine do campo de futebol da escola, colocaria um cadeado com chave única. Levaria roupas e alimentos pra ela, até pizza. Ficaríamos juntos durante todo o dia, movidos a beijos. É claro que o plano não tinha nenhuma chance de êxito. Mas não custava sonhar. E eu sonhava.

Crescemos. A Julinha não quis saber mais de ninguém da turma. Já tinha sido sondada por um menino do segundo colegial, o Marcão. O cara era parrudo, musculoso, jogava bola, corria e nadava. Tinha, também, o cérebro meio atrofiado: não conjugava verbo, não sabia onde era o Japão e um dia jurou que me pegaria na saída da escola. Só porque a Julinha desceu a escada da entrada conversando comigo. Deu um sorriso e me disse que "amanhã a gente se fala". Pronto, o Marcão ficou uma pistola. Ombro a ombro, cara de malvado, me olhou feio. Bateu a mão fechada no peito que nem um King Kong. Foi aí que a Julinha ficou ainda mais gostosa. Agora, quase proibida e prometida pro Marcão, havia se tornado meu sonho de consumo. Era uma questão de honra, eu tinha que conquistá-la.

Grudei nela: no corredor das salas de aula, na classe, na escada da cantina, na porta do banheiro, no intervalo e na saída. A Julinha ficava comigo o tempo inteiro, era uma delícia. Estava pirando de tanta paixão. Enquanto isso, o Marcão continuava jurando que ia me arrebentar. Quanto mais me via com ela, com mais raiva ficava. A surra seria grande. Coitado de mim.

Um dia, chovia pra dedéu, a Julinha chegou na escola ensopada. Olhou pra mim com cara de choro, os olhos molhados, e me disse que iria embora. Ia mudar de escola, de cidade. Iria pra bem longe, mas me mandaria um cartão de Natal. Porra, Julinha, isso é coisa que se diga? Eu preferia apanhar do Marcão. Pois é. A Julinha foi embora. Ah, Julinha....

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Luiz Inácio e o carisma

Ao discutir a transição do governo Luiz Inácio para a nova presidenta, Eliane Cantanhede (“Voto de Confiança”, Folha de S. Paulo, 02/01/2011), me levou a pensar na clássica questão da sucessão do líder carismático, tal como formulada por Weber.

Como se sabe, o gênio alemão havia tipificado os três tipos de dominação legítima: a dominação racional-legal, a dominação tradicional e a dominação carismática.

Luiz Inácio é o exemplo mais que pertinente para se ilustrar a dominação carismática. Comentários a esse respeito seriam mais do que desnecessários aqui, bastando realçar sua indiscutível habilidade de persuação e sua capacidade para aglutinação de discípulos e partidários em torno de si.

Em seu sintético (mas afiado) texto, Eliane afirma que “Difícil será preencher o vazio de um presidente carismático”. Sua observação está diretamente ligada à sucessão acima aludida. Como o líder carismático – no caso, o sr. Luiz Inácio – é dotado de características que não podem ser simplesmente “transmitidas”, haveria de se indagar como seria possível encontrar alguém para substituí-lo.

Referindo-se à obra weberiana, Julien Freund, assim discorre sobre o assunto:

“A grande questão do domínio carismático é, pois, a da sucessão. Com efeito, como perpetuar o sistema após a morte do chefe, uma vez que o carisma não se aprende nem se deixa inculcar mas desperta e é sentido, e que os partidários do chefe, como o seu estado-maior, têm um interesse material e ideal de fazer durar esse domínio? A dificuldade reside no fato de ser a obediência dos partidários pura dedicação à pessoa do chefe e de carecer da continuidade que constitui a força da tradição e da legalidade. Weber examina exaustivamente as diversas soluções possíveis. Ou se tenta descobrir um outro portador de carisma, que possua características análogas às do desaparecido (caso do Dalai Lama); a conseqüência desta prática é fundar uma tradição. Ou confia-se na revelação, nos oráculos, na sorte, no julgamento de Deus ou em outro critério irracional; nestes casos, caminha-se mais ou menos rapidamente para uma legitimidade legalista. Ou então o chefe em exercício designa ele próprio o seu sucessor com ou sem a aprovação de seus partidários. Ou ainda a designação é feita pelo estado-maior carismático; este processo exclui a eleição fundamentada no princípio majoritário, pois o problema é encontrar o homem adequado, se se quiser ficar fiel à fórmula carismática. Enfim, o carisma pode-se tornar hereditário, quando se admite a lei do sangue”. (FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987).

No contexto atual, a sucessão de Luiz Inácio não nos remete a reflexão tão apurada e desgastante. A presidenta Dilma, eleita pelo povo brasileiro (e não sugerida por oráculos ou julgada por Deus) muito longe está de qualquer traço carismático. Como bem assevera Cantanhede, a nova chefe (ou também será chefa?) “só não deve arriscar tudo para tentar ser o que não será: um mito”. É de se esperar que saiba, portanto, qual é o papel que lhe cabe nos próximos quatro anos. Aspiremos, mais que esperemos.

Em tempo: já que se fala em carisma e este supõe, de alguma maneira, um traço de inteligência, devemos também recorrer ao comentário de FHC que, há algumas semanas, comentando sobre Dilma, revelou: “Tenho dificuldade mesmo. Você sabe que eu sou curto de inteligência, às vezes eu não consigo. Ela não termina o raciocínio, e eu não tenho imaginação suficiente para saber o que ela ia dizer”. O comentário foi feito no “Manhattan Connection”, de 26/12/2010 (Fonte: Folha de S. Paulo. 28/12/2010).

sábado, 8 de janeiro de 2011

Luiz Inácio, privilégios e regalias

Houve uma época em que cheguei a acreditar que o sr. Luiz Inácio primava pela absoluta exclusão de privilégios pessoais e interesses particulares no Brasil. Segundo entendia, ele e seu partido lutavam contra toda forma de benefício de uns em detrimento de outros. Toda e qualquer prerrogativa individual não poderia ser aceita, sob pena de macular o processo de construção de um país ético e democrático. Regalias, portanto, nem pensar.

Era isso mesmo ou estou enganado?

Não era o ex-presidente sem anel de Doutor quem lutava pelo fim das políticas clientelistas e do fisiologismo? Não era ele que entendia ser necessária a igualdade de oportunidades para todos os brasileiros? Não era ele que criticava a postura das nossas elites atrasadas, marcadas por laços de caudilho?

Recentemente, ao ler a Folha de S. Paulo fui surpreendido pela notícia de que, dois dias antes de terminar seu mandato, pediu a renovação dos passaportes diplomáticos de seus filhos. Essa renovação é válida por mais 4 anos. Ou seja, enquanto a Sra. Dilma governar o país, os filhos de Lula, sem que tenham qualquer ligação com o governo e com a esfera da administração pública, poderão gozar das benesses que o tal passaporte lhes dá, entre elas a de não precisarem de visto para ir para China e para a Índia.

Mas não é só! Os garotos não precisarão enfrentar filas na alfândega! E isso, provavelmente, no entender do guru sem o anel de Doutor, não é nenhuma regalia.

Sabem a história daqueles que não enfrentam fila? Daqueles que sempre dizem o “sabe com quem está falando”? Sim, aqueles que têm e/ou tiveram os privilégios sempre combatidos por Lula e seu partido? Naturalmente, eles nenhuma relação terão com os filhos do nosso emotivo ex-presidente.

Não bastasse a bizarrice dessa concessão, chamou-me a atenção a forma como se pretendeu justificá-la. Embora já tenham excedido a idade necessária para obtenção do especialíssimo documento (24 anos), aos filhos de Luiz Inácio a renovação se deu sob o pretexto de que existe o “interesse do país”. Esse foi o argumento utilizado pelo Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Como o “interesse do país” é critério eivado de grande subjetividade, não há que se questionar como poderão os filhos da família Silva agir em prol do nosso país.

Ontem, o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, meteu o bedelho na discussão e disse que o assunto é de uma “irrelevância absoluta”. Vejam só! Aquilo que era relevantíssimo no passado, uma das pedras angulares do discurso petista, passa atualmente, num passe de mágica, a ser considerado irrelevante. Como não há maneira de justificar o injustificável, Marco Aurélio atribui as críticas feitas à concessão aos “3 ou 4% que consideram o governo Lula péssimo” (Cf. Filhos de Lula renovam passaporte diplomático e causam polêmica. O globo. 07/01/2011). O argumento, por absoluta falta de criatividade do autor, é, no mínimo, patético. Basta notar que, mesmo entre os adoradores do nosso líder barbudo e de seu governo, há aqueles que repudiam regalias como a que aqui se discute.

Ah sim.... já ia me esquecendo: também deu na Folha de S. Paulo que o neto de Lula, de 14 anos, igualmente contrariando norma interna do Itamaraty, ganhou o passaporte dois dias antes do término do mandato do avô. Menino importante, hein?!!!!