terça-feira, 3 de maio de 2011

Sabiá versus Caminhando e Cantando

Georg Lukács escreveu um belíssimo artigo intitulado “Arte livre versus arte dirigida”. Não me recordo ao certo a que conclusão teria chegado o crítico húngaro. Tampouco me recordo do teor do texto. Todavia, seu título, vira e mexe, me sugere algumas reflexões.

Em 1992, a TV Globo passou o seriado “Anos rebeldes”, cujos protagonistas João Alfredo e Maria Lúcia – interpretados por Cássio Gabus Mendes e Malu Mader – discutem sobre o resultado do festival de 1968. As músicas finalistas eram “Sabiá”, de autoria de Tom Jobim e Chico Buarque, e “Caminhando e Cantando” (“Para não dizer que eu não falei de flores”), de Geraldo Vandré.

“Sabiá” foi a vencedora.

Na trama de Gilberto Braga, João Alfredo - militante sectário, intransigente - bradava em tom colérico para sua namorada Maria Lúcia que “Sabiá” jamais poderia ter sido a campeã do festival. Dizia que “Caminhando e Cantando” era um hino à liberdade. Representava, ademais, o momento político por que passava a sociedade brasileira naquele momento.

Maria Lúcia rechaçava os argumentos de João Alfredo dizendo que “Sabiá” era, esteticamente, muito mais densa, mais bonita, enfim.

Ao final da série, quando a relação dos dois se mostra impossível, João Alfredo se reporta à antiga discussão para concordar com Maria Lúcia. Ela tinha razão: “Sabiá” merecia ter sido a vencedora.

A leitura que fiz do embate entre as duas obras primas é bastante simplória. Enquanto a composição de Vandré dava voz aos gritos sufocados de liberdade na época da ditadura militar - assumindo, portanto, nítidos laivos políticos -, “Sabiá” se mostrava muito mais bela, melhor trabalhada e, esteticamente, muito superior. Tratava-se, naturalmente, da contraposição entre a arte dirigida, feita com propósitos interessados, e a arte livre, despojada de qualquer pretensão contestatória.

Em tempo: “Caminhando e Cantando”, tornou-se, mesmo após o regime de exceção, um hino de manifestação estudantil. Na minha época de estudante, constituía um inenarrável porre ouvir a acéfala geração cara-pintada cantar “vem, vamos embora que esperar não é saber....”. Mal sabe Vandré a quais propósitos sua música serviu nos anos 1990....

Um comentário:

Joaninha disse...

Bela noite meu amigo!!
A sua linguagem me remeteu ao passado de forma contemplativa, mas posso dizer homogênia e muito irriquieta no pensar sobre as benfazejas palavras de Georg Lukács!!Completo que : Um sabiá caminha no tempo, e canta o seu trinado sem nos dar qualidades para que tomemos atitudes, e para vivermos na trama de nossa liberdade!!Uma arte é sempre dirigida e sabia...mente atrevida, quando se desmenbra na qualidade de ser livre!!O choque não é do posicionamento, o choque é derivadamente da liberdade assistida, aos movimentos que passam pelas circunstâncias de nossas vidas!!
Beijos trinados
(e não é loucura da joaninha)