Meu avô era médico, mas tinha alguma vocação para a engenharia. Provavelmente, só a descobriu tarde, quando, já formado e estabelecido em Rio Preto, montou uma oficina bem equipada em sua casa: havia torno, esmeril, máquina-de-não-sei-o-que-lá e uma infinidade de ferramentas. Depois de aposentado, com tempo totalmente livre, colocou-se a fazer todo tipo de engenhoca. Uma delas foi o meu carrinho de rolimã, produzido, salvo equívoco, no verão de 1978. Eu tinha 6 anos.
O carrinho era um arraso. Bem diferente dos tradicionais, ele tinha direção, breque de mão e lugar para apoiar os pés. Tinha também um banco – vejam só: banco! – com espaldar baixo. Além de tanto requinte, haveria de ter um pouco de conforto. Só não era uma máquina, porque não tinha motor.
Quem já viu um carrinho de rolimã deve saber que sua direção está no próprio eixo dianteiro, onde se colocam os pés para determinar o sentido do trajeto a ser percorrido. São também os pés que servem de freio, bastando apertar a sola do tênis contra o asfalto. Banco? Imagine.... O tradicional carrinho de rolimã é uma tábua sobreposta em dois eixos e nada mais.
Pois o meu carrinho foi um sucesso quando chegou em São Carlos. A molecada do prédio não conseguia compreender como ele poderia ser tão ousado. Criou-se fila para dar uma volta, ou seja, para descer o quarteirão final da rua Manuel de Souza Lima. Todo mundo ficou impressionado com o veículo. Os meninos divertiram-se à farta, malgrado o ciúme que me despertaram naquele dia.
Pouco tempo depois, marcou-se uma corrida. Eu tinha confiança de que meu carrinho, com toda aquela estrutura, não me deixaria na mão. Certamente, seria o primeiro a chegar. Não era para menos: com tanta tecnologia envolvida em sua produção, o sucesso era certo. Eu o dava como favas contadas! O resultado, entretanto, foi catastrófico: fui o último a cruzar a linha de chegada. Como se explicava aquilo?
Certamente, meu avô fizera o veículo como um ornamento ou, quando muito, um brinquedo que pudesse me oferecer segurança. Não deve ter passado por sua cabeça que a competitividade seria grande, sobretudo quando vissem que aquele carrinho destoava dos demais e oferecia, ao menos em tese, uma ameaça às construções rudimentares que eram feitas pela meninada. Tivesse ponderado sobre o assunto, teria feito algo mais leve, realmente capaz de ganhar uma corrida. Enfim, o projeto não foi desenvolvido para competir, mas para passear ou brincar. Por melhor que fosse o condutor, o resultado das corridas seria sempre o mesmo: o último lugar.
Além da frustração das corridas, havia um detalhe que me deixava desgostoso: as cores do meu possante. Quando meu avô estava prestes a pintá-lo, pedi que fossem branco e preto, em homenagem ao Corinthians. Ele, de pronto, rechaçou a ideia com alguma rabugice. Disse que o carro teria de ser preto e amarelo, a exemplo das máquinas da Copersucar. Eu nem sabia que raios eram a tal Copersucar. Sabia apenas que já era corintiano. Queria meu carrinho em preto e branco e alimentei a ilusão de que, quando me fosse entregue, estaria de acordo com a minha vontade. Infelizmente, meu avô não abriu mão da sua posição. E ainda tive que ouvir de meus amigos a pergunta fatal: por que amarelo e preto?
Tinha intenção de colocar aqui no blog as fotos da “máquina”. Sucedeu, todavia, que, estando na casa dos meus pais recentemente, obtive a informação de que o carrinho está guardado no cume de um armário. Na frente dele, há tantas outras coisas difíceis de remover. Tirá-lo dali, portanto, seria uma tarefa bastante árdua para um período de Natal. Eu até estava disposto. Contudo, minha mãe, impiedosa, me ameaçou: se o carrinho sair de lá, terá de levá-lo para sua casa. Como espaço por aqui é artigo raro, deixei a preciosa invenção do meu avô trancada às quatro chaves. Mas, juro que ela existe!
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