sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Sérgio Buarque e Mário de Andrade: entre a Sociologia e Homero


Antes de arriscar mais besteiras nesse ano que está acabando, reproduzo abaixo um belíssimo trecho de Sérgio Milliet, a quem o modernismo brasileiro tanto deve. A ortografia, como sempre, foi mantida no original. Vale a pena olhar!

"... na realidade, não sabiamos nada. Éramos deliciosamente ignorantes e foi com Sérgio Buarque e com Mario de Andrade que aprendemos, não sem alguma relutância, a meditar: 'É preciso saber ler Homero', berrava Mario de Andrade; e Sérgio gritava: 'é preciso saber sociologia'. Creio mesmo que foi êle um dos primeiros entre nós a dedicar-se a essa disciplina, o que só viemos a fazer após o malogro de 1932, conscientes da fragilidade de nossos quadros".

(MILLIET, Sérgio. "À margem da obra de Sérgio Buarque de Holanda". In: Quatros ensaios, São Paulo: Martins, 1966, p. 50-51).

É só... Por ora é só...





sábado, 15 de dezembro de 2007

Nelson Rodrigues: o Judiciário e o patrimonialismo


Já disse – e repito! – que esse blog não é lugar para reflexões acadêmicas e tampouco veículo que possa ser levado a sério. Não pensem os meus pouquíssimos leitores que isso vá mudar. Não vai, não! O problema é que, vez por outra, fico tentado a produzir alguma coisa mais séria. Como o tempo é curto, deixo a seriedade de lado e arrisco aqui alguns palpites, sem compromisso, conforme já expliquei na abertura desse blog.

O tema desse post poderia render um interessante ensaio ancorado nas perspectivas analíticas do pensamento social brasileiro. Entretanto, o que se pretende aqui é simples: fazer apontamentos sobre a relação de um dos personagens de Engraçadinha – Odorico Quintela – com o Judiciário brasileiro. Garanto que os trechos reproduzidos da obra de Nelson Rodrigues, por si só, valerão a leitura do que segue.

Odorico é um personagem sui generis. Aqueles que não leram o romance, mas tiveram a oportunidade de assistir a adaptação feita pela Globo no início da década de 1990, certamente se lembrarão dele, interpretado magistralmente por Paulo Betti.

Trata-se de um juiz que evoca reiteradamente o Judiciário em situações as mais engraçadas. O que não é engraçado, contudo, é a expressão de sua postura patrimonialista, tendente a confundir, à farta, o público com o privado. É essa, segundo entendo, a idéia que Nelson Rodrigues desejou passar aos seus leitores.

Salvo melhor juízo, para Odorico o Judiciário se afigura como instituição apta a prestar toda sorte de benefício para aqueles que foram tragados por suas teias. Colocada nesses termos, a questão poderia soar ao leitor como um exagero. Não o é! Nas candentes expressões do Magistrado, o Judiciário é um instrumento que lhe possibilita adquirir vantagens inúmeras e, talvez na maioria das vezes, indevidas.

Vejamos, a título de mera ilustração e, reitere-se, sem nenhuma intenção de encetar estudo pormenorizado a esse respeito, como tais impressões se revelam na obra.

A primeira cena a nos chamar a atenção é aquela em que Odorico deseja acompanhar Silene, filha de Engraçadinha, até sua casa. Para tanto, chama um táxi. O chofer diz que não vai mais trabalhar, já que seu expediente acabou. Odorico enfia-lhe a carteira de juiz na cara:

"- Meu amigo, o senhor vai me levar, sim! O senhor está falando com uma autoridade! (...) Sabe ler? Então, lê! Lê, rapaz! Juiz, compreendeu? Podia lhe prender! E nem mais uma palavra! (p. 195)

Terminada a corrida, o Magistrado ameaça o chofer novamente. Deseja não pagar! Arrisca:

"- Rapaz, podia ter te metido na cadeira! – Pausa e faz menção de puxar a carteira: - Quanto é?"
O outro, com as orelhas incendiadas, fez um gesto:
- Doutor, paga quanto quiser!
Dr. Odorico larga a carteira no bolso:
- Obrigado, amigo! Até a vista! E olha: não faça mais isso!
Desgovernado, o chofer arrancou, sem levar-lhe um tostão". (p. 197)

Em outras situações, Odorico faz menções explícitas à pretensa garantia de interesses privados pelo Judiciário. É o que se depreende do episódio da geladeira, a servir de presente para Engraçadinha. Quando resolve efetuar sua compra, flagra-se sem dinheiro. Não quer dar a entrada do pagamento. É nesse momento que, mais uma vez, traz à baila a autoridade do Judiciário:

"- Mas, meu amigo! O que é que há? Afinal de contas, o Judiciário é um poder que, graças a Deus, resistiu a degringolada. Ou o senhor pensa, talvez, que eu, um juiz... Meu amigo, olha aqui a minha identidade. Eu não vou fugir com a sua geladeira!" (p. 361)

Aqui, o Judiciário é dado como garantia da compra, como se fosse dotado da capacidade de afiançar as prestações da geladeira. Algo patético!

Há outros trechos também emblemáticos que sugerem a capacidade do Judiciário ser colocado a serviço de interesses particulares. Veja-se:

"Escuta, eu sou juiz, Engraçadinha. Entende? E, nesta terra, o Judiciário, compreende? Digo-lhe isso sem nenhuma vaidade, porque sou avesso a essas coisas, nem é do meu feitio. Mas como juiz eu posso até requisitar força policial" (p. 263).

"... E olha que eu não gosto de alegar a minha qualidade de juiz. Não é de meu feitio. Mas há ocasiões em que não é possível. É a falta de caráter do Brasil!" (p. 351)

Conforme se nota, Odorico parece se contradizer: embora diga que não goste de reclamar sua autoridade de juiz, o faz frequentemente; embora se diga avesso a “essas coisas” (leia-se: práticas do favoritismo pessoal), pode até "requisitar força policial". Para quê? Ora, para garantir interesses que nenhuma relação têm com o poder Judiciário...

Em que pese creditar ao Judiciário supremo poder, a ponto de afirmar que "no Brasil, pode-se brigar com todo mundo e nunca com o Judiciário" (p. 359)", Odorico por vezes se mostra ambíguo. Claudica em suas convicções íntimas e intenta mostrar a si mesmo que o Judiciário, ao contrário do que se diz, "ainda tem o seu valor". Diz ele:

"Afinal, eu sou um juiz e, nesta terra, o Judiciário ainda tem o seu valor“ (p. 355)

Por fim, uma última associação: a idéia de que o Judiciário, a despeito de sua glória e utilidade indeléveis, acaba por tolher seus membros. Odorico, não à toa, usa o verbo "empalhar". Note-se:

"Eu também já fui inteligente. (...) Também já fui um Otto Lara Resende. Mas o Judiciário empalha qualquer um. Nós, juízes, somos empalhados!" (p. 376).

Talvez resida aí a explicação para muitos traços psicológicos e atitudes pragmáticas do personagem ao longo da trama.

Na belíssima obra de Rodrigues existem, enfim, sugestões sobejamente ricas sobre a relação entre o Judiciário e o patrimonialismo brasileiro. Aquele que tiver interesse, poderá consultar a edição citada abaixo ou, ainda, adquirir as novas edições recentemente lançadas no mercado editorial. Fica registrado o convite da leitura.

Caso alguém deseje se aventurar a interpretar a lavra rodriguiana à luz da noção de patrimonialismo, vale a pena a leitura das obras de Weber, Sergio Buarque de Holanda e Raimundo Faoro.

As citações desse post foram retiradas de RODRIGUES, Nelson. Engraçadinha: seus amores e seus pecados. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

É só... Por ora é só...




segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Sobre a Lepra no Rio Grande do Norte – Mário de Andrade

Há algum tempo, assumi o compromisso de postar umas crônicas do Mário de Andrade... Como estou sem tempo de escrever, recorro a uma delas. É curta e fantástica! Data da década de 1920. Vale a pena lê-la! Como sempre, a ortografia foi mantida no original. Boa leitura!

Sobre a Lepra no Rio Grande do Norte – Mário de Andrade

"Um dos problemas que, atacado a tempo no Rio Grande do Norte, já está quase resolvido, é o da lepra. Por mim confesso inda não topei com leproso declaro por aqui. Vi, foi a cara dum horrendo, em fotografia, num cartaz de propaganda contra a doença, bem por cima da bilheteria de selos, do Correio.

Parece que o Estado atualmente contará com pouco mais de cem leprosos, informa o dr. Varela Santiago, médico de Natal, se dedicando ao problema e autor dum Esboço Histórico da lepra no Rio Grande do Norte, de que vou me servir.

A lepra é relativamente recente no Estado. O primeiro caso já conhecido data já da segunda metade do século passado. Seguiram casos raros, quando senão quando aparecia um, se isolando por si mesmo ou vivendo, na paciência sem medo dos outros, a vida social, que nem um telegrafista de Mossoró por 1883. Esse telegrafista, Deus me perdoe! é um caso engraçado de psicologia morfética. Se falava naqueles tempos que morfético mordido por cobra, sarava da lepra. Mas como não se sabia direito se o leproso sarava também da mordida da cobra o pobre do telegrafista ficou numa hesitação danada. Andou campeando uma cobra, arranjou uma cascavel, ótima pra morder, trouxe ela pra casa. Desde então viveram na maior comunhão possível, cascavel e telegrafista. Mas morder é que jamais ele não se deixou. Viveu eternamente na esperança de ser mordido sem querer. - É hoje, ele se falava, hoje de certo a cascavel escapole e me morde. - Passava que mais passava junto da caixa em que a cascavel jazia fechadíssima. Esbarrava na caixa. Se escutava lá dentro um chocalho baixinho. Mas não houve remédio: nunca que a cobra escapoliu e o telegrafista morreu leproso. Morreu leproso, num morrer de todas as horas martirizado, antiofídico mas pelo menos não provou picada de cascavel que além de matar depressa, talvez doa. Se existe caso mais dramaticamente cômico, outro que conte".

(ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. 2 ed. São Paulo: Duas Cidades, 1983, p. 263).

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O inferno e a ausência de proporcionalidade

Há pouco, falei sobre Vidas secas, do Graciliano. O post versava, entre outras coisas, sobre a idéia de inferno, constante da imaginação do filho maior de Fabiano, protagonista da história. Logo depois, li no blog do Ozaí (http://antoniozai.blogspot.com) o conto "Inferno", também de autoria do velho Graça.

Fiquei matutando... Acometeram-me lembranças do tempo em que, ainda moleque, o inferno me botava medo. E bota medo nisso! Educado em colégio de padre (arghhhh!), freqüentador de missas até a adolescência e violentado, praticamente estuprado, pela ideologia católica, o inferno tinha mesmo que me apavorar. E apavorava.

Imaginava as grandes caldeiras borbulhantes, fogo alto, vermelhidão por todos os lados; o capeta com seu rabo pontudo, a orelha adelgaçada, a voz gutural e o terror tocado diuturnamente. Eu havia de passar a eternidade por lá por folhear as Playboys que, na década de oitenta, ainda imprimiam algum ar de proibição para a molecada. Ou então teria de arder naquele calorão por ter apertado tanta campainha e ter saído correndo, deliberadamente. Ora, esses delitos que jamais feriram a ordem moral pública ou incomodaram de sobejo quem quer que fosse constituíam-se de condições mais que suficientes para eu ter com o diabo. Era o que eu pensava...

Acho, inclusive, que alguém chegou a sugerir meu destino nos infernos porque eu falava palavrão. Talvez meu avô, minha avó, não sei... Eu estava, enfim, fodido. Não adiantaria nada rezar. O problema era meu comportamento, já reprovado e sentenciado ao fogo eterno.

Cheguei mesmo a sonhar com o capeta! Por alguma birra política que ainda hoje me escapa à compreensão ele assumiu a face de D. Pedro I. Onde já se viu? Eu tinha aula de história e aprendia os tributos que a colônia pagava à metrópole. Eram férias de 1981! Parei na cama dos meus pais: "O diabo está atrás de mim", justifiquei minha presença ali. Acolheram-me, naturalmente. A próxima noite...

Por extenso período, imaginava que o filho-da-puta fosse irromper dos infernos para me apavorar. Fiquei de sobreaviso: "Não se engane, uma hora ele vai aparecer!". Formei convicção. Ninguém me tirava aquilo da cabeça...

Mas o que me incomodava mesmo na idéia de inferno é sua ausência de proporcionalidade. Como poderia alguém pagar pela eternidade por algo que logrou realizar em tão pouco tempo? Ainda que vivesse muito – oitenta, noventa, cem anos –, e tivesse uma copiosa lista de pecados, seria pouco para justificar a permanência eterna junto ao chifrudo. Alguns pecados mais graves, por abjetos que fossem, jamais poderiam ser bastante para uma pena infinita.

"Estamos aqui só de passagem", foi o que algum imbecil me disse, querendo me convencer de que nossa existência era apenas um teste. Entendi, então, que vida era apenas um esforço probatório: havíamos de provar que merecemos o reino dos céus. Ou, ao revés, desmerecemos o inferno.

Não, Deus não poderia permitir isso! O castigo não poderia durar a eternidade, mas apenas o tempo necessário para a catarse do espírito. Estava decidido a preterir o inferno! Falaram-me sobre o purgatório e achei que a idéia não era tão ruim. Tanto melhor!, pensei. E passei a esquecer o capeta...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Vidas Secas, Fabiano e o Soldado Amarelo

Vidas secas, de Graciliano Ramos é dessas obras que, depois de lidas, levam-nos à infeliz constatação de que deveríamos tê-las devorado há muito. Também nos sugere a idéia de uma leitura metódica, apta a sublinhar os pontos reputados realmente relevantes para a apreensão da riqueza do texto. Quando o li, indisciplinado, furtei-me a fazer qualquer anotação. Por isso, arrisco aqui, de memória, algumas observações.

Causou-me boa impressão o lado psicológico dos personagens. Em 1992, assisti a uma palestra do saudoso João Luiz Lafetá na qual ele tratava justamente desse assunto. Com a clareza e a didática que sempre norteram sua obra, o crítico paulista amarrara a trama do romance de sorte a mostrar como a composição psicológica dos personagens assumia importância capital na leitura do texto.

A linguagem empregada por Graciliano é, também, fundamental para entender o livro. Já comentei aqui no blog que o autor, embora fosse tributário das inovações do modernismo, reputava algumas inovações da linguagem uma besteira. Nem por isso deixou de inovar também...

As falas de alguns personagens são exíguas, raras mesmo. As descrições, em algumas cenas, parecem falar por eles. Fabiano, o protagonista da história, pouco se manifesta. Seus pensamentos, vão e voltam, assumem dimensões grandiosas em momentos específicos.

Um de seus filhos – o "menino mais velho", assim denominado na narrativa – tem obsessão pela palavra "inferno" e não admite que ela fique apenas no reino da descrição incompleta (a mãe fala vagamente em garfos quentes ou coisa que o valha...). Como a buscar a perfeita compreensão do termo, o menino insiste para que Sinha Vitória o explique. A pergunta é simples, como, aliás, o é a maioria das intervenções dos personagens: "Como é?". E recebe um cascudo...

E quanto aos flash-backs? Graciliano a eles recorreu com freqüência e talvez aí se encontre, de modo claro, o aspecto "psicologizante" da obra. Fabiano tenta justificar a si mesmo a razão de ter matado e comido o papagaio, animal de estimação da família. Necessidade, explica amiúde. E fará a mesma coisa quando se lembrar de Baleia, a cadela. Seria mesmo necessária sua morte? Não se sabe... Sinha Vitória, salvo equívoco, também se pergunta sobre isso.

Um rompante e inflamado sopro de esperança encerra o romance! O sonho de uma cidade na qual as crianças possam aprender e na qual a vida talvez não se lhes apresente com tanto desdém. Fabiano anseia não mais ser enganado e ter uma rotina diversa daquela até então havida. Não é apenas a expectativa de mudança da rotina, mas a expectativa da mudança das condições de subsistência de sua família, de ardor por uma vida digna, alheia aos desmandos da sociedade e da própria natureza que com todos fora cruel.

Por fim, comento aquilo que considero o ponto alto do romance e que poderia, sem nenhum risco, ser visto como um dos momentos mais fascinantes da literatura brasileira. Trata-se do embate travado entre Fabiano e o Soldado Amarelo.

Fora o Soldado Amarelo que, utilizando-se de suas prerrogativas oficiais, prendera injustamente Fabiano. Humilhara-o, deixara-o em situação realmente vexaminosa. Fabiano praguejara, inconformara-se!

Tempos depois, ambos se encontram e Fabiano tem a oportunidade da vingança. A cena do soldado acuado, tal como descrita no texto, causa suspense e suscita no leitor o desejo de logo conhecer o final da cena. É impressionante o poder de intimidação do protagonista do romance. Absolutamente mudo, ele consegue impingir um terror atroz ao representante das forças oficiais.

Somos levados a acreditar na possibilidade de uma revanche, uma desforra catártica. E, no entanto, surpreendemo-nos com a resignação do nosso herói. "Governo é governo": essa pequena frase talvez traduza o legado da opressão por tanto tempo cultivado no Brasil.

Alguém já teve a curiosidade de procurar no dicionário o significado da palavra Fabiano? Aurélio nos fornece as seguintes acepções: "Indivíduo inofensivo; pobre-diabo; Indivíduo qualquer, desconhecido, sem importância". Não é sem razão que o termo foi utilizado para dar nome ao protagonista de uma das obras mais belas da literatura brasileira. Preciosismo do velho Graça!

É só... Por ora é só...




sábado, 27 de outubro de 2007

Os mortos de Seabrook

Já comentei sobre a personalidade de Paulo Duarte, amigo íntimo de Mário de Andrade e intelectual combativo da era Vargas. Pois hoje lembrei-me de um trecho de suas memórias. Pouco antes de narrar a entrega de Olga aos nazistas, Paulo Duarte conta a história dos mortos de Seabrook. Vale a pena dar uma espiada. Ei-la:

''Eu havia lido poucos dias antes um livro de Seabrook, uma espécie de Blaise Cendrars de língua inglesa. Aí contava ele a estória de um velho feiticeiro que fazia trabalhar os mortos numa plantação de cana. Vultos maltrapilhos, passo incerto, ar aparvalhado, autômatos, olhar parado, vazio, mudos, sem uma queixa. Um dia, a um erro grave dera-lhes de comer bolos que continham sal. Aperceberam-se então que estavam mortos e fugiram espavoridos para as próprias sepulturas. Cada um, ao pé da sua, esgravatava a terra, a fim de reentrá-la, mas logo caíam como um morto cai, carcaça em decomposição.

Esta a estória de Seabrook.

Nós já vivêramos uma época em que um velho feiticeiro fazia também trabalharem os mortos, não para plantar cana, mas para ganhar eleições"

A citação, cuja ortografia mantive no original, foi retirada de DUARTE, Paulo. Memórias. Os mortos de Seabrook. Vol. IV. São Paulo: Hucitec, 1976, p. 184.

Logo mais, volto para escrever novamente.

É só... Por ora é só...



sábado, 6 de outubro de 2007

Nelson Rodrigues: a vida como ela é...


Recentemente, vi nas vitrines de uma mega store O homem proibido, de Nelson Rodrigues. Não se trata de seu livro mais conhecido. Creio, aliás, que, em matéria de divulgação, apenas A vida como ela é e Engraçadinha tenham recebido a devida atenção. Isso, naturalmente, se deve aos esforços da Rede Globo que logrou produzir a versão "televisiva" dessas obras.

É provável que muitos conheçam as crônicas de A vida como ela é, adaptadas pela emissora nos anos 90. Além do bom elenco, a produção de época resultou fantástica, salvo alguns pequenos equívocos. A narração das crônicas fora feita por José Wilker, tendo seguido à risca trechos do texto original, publicado pela Companhia da Letras e organizado por Ruy Castro.

Com desenvolvimento e desfechos muito peculiares à obra rodriguiana, as histórias são puro deleite. É bem verdade que algumas podem soar insanas e talvez sejam até previsíveis: sogra que foge com o futuro genro; médico que tenta – mas não consegue! – trair a mulher; mulher infiel, afeita a toda sorte de sacanagem sexual; secretária-noiva que não sucumbe aos assédios do chefe...

Enfim, trata-se de personagens que hoje jamais causariam qualquer tipo de estupefação. Em 1950, contudo, pareciam raros e impassíveis de serem denunciados pela crônica vulgar. Nelson Rodrigues o fizera, entretanto. Por isso, a pujança de sua obra reside num questionamento moral até então jamais feito no Brasil.

Lidas hoje, à luz do contexto social brasileiro, não parecem capazes de suscitar grandes debates e tampouco de comover ou escandalizar alguém, exceto os mesmos personagens sociais que recalcitram em sua indelicada existência: velhas senhoras conservadoras, núcleos religiosos hipócritas e, sobretudo, falsos moralistas...

Assim, embora com laivos modernos, muitas dessas crônicas circunscrevem-se a um determinado tema e período, como se fossem, a rigor, datadas e monotemáticas. Aquelas que narram casos de adultério são paradigmáticas a esse respeito. Naquela época, causavam impacto; hoje, nada significariam, já que até mesmo a previsão legal para a conduta adúltera, insculpida no art. 240 do Código Penal, fora revogada! Tratando-se, portando, de atualização feita por legislação vetusta e arcaica, é de se compreender que não surte nenhum efeito essa história de marido ou mulher infiel em tempos hodiernos.

E já que falamos em infidelidade – tema por excelência dessas crônicas – não deixemos que a célebre frase do Nelson caia no esquecimento. Ei-la: "O homem fiel já nasceu morto".

Por fim, valeria um comentário sintético sobre o título das crônicas. "A vida como ela é" soa assaz pretensioso!

Sobre Engraçadinha, obra de maior fôlego e densidade social, falarei oportunamente.

É só... Por ora é só...

domingo, 23 de setembro de 2007

Sugestão: Caixa Dois


Perguntaram-me se minha inspiração havia acabado. Que inspiração? Seja lá qual for, meu problema é o tempo. E na falta dele, limito-me apenas a fazer uma sugestão: assistam a Caixa Dois, do Bruno Barreto. Se não valer pelos eventuais lances cômicos, valerá, sem dúvida, pela riqueza dos diálogos e do argumento do filme.

O fato de ter derivado de uma peça de teatro, em nada o prejudica. A adaptação do Barreto ficou excelente e o elenco todo está ótimo.

Vale a pena!

É só... Por ora é só...




quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O avião, por Vinícius de Moraes



Já que no post anterior falei da fobia do poetinha por aviões, segue aí uma de suas pérolas:

"O avião é mais pesado que o ar, tem motor a explosão e foi inventado por brasileiro. E você ainda quer que eu ande nele?" (Vinícius de Moraes)

Nem é preciso dizer nada...

É só... Por ora é só...



terça-feira, 11 de setembro de 2007

A "irracionalidade" dos intelectuais


Falar da irracionalidade dos intelectuais parece um contra-senso. Homens de cultura, afeitos a todo tipo de especulação científica, não poderiam eles serem tachados de seres desprovidos de razão. Muitos asseveram em seu ofício que nada poderá ser digno de crédito senão por meio do crivo da racionalidade técnica e do cálculo moderno. Naturalmente, arrogam-se iluministas! Nas densas páginas de Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer traduziram esse sentimento nos seguintes termos: "O que não se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para o esclarecimento" (Theodor W. Adorno & Max Horkheimer. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 21). Desnecessário lembrar o leitor que, aqui, "Esclarecimento" significa "Iluminismo".

Pois é... a despeito disso, alguns intelectuais têm posturas pessoais que contradizem sua "intelectualidade".

Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo, tinha lá seus demônios... Reza a lenda que não deixava, em nenhuma hipótese, treze cigarros no maço. Não me recordo a razão do procedimento, mas, certamente, tem a ver com alguma superstição. Por falar em demônios, dizem também que o historiador paulista, quando voltava para casa do colégio, ainda menino, vivia a olhar para trás, suspeitando que o demônio estivesse em seu encalço.

Da mesma geração, e amigo dele, Vinícius de Moraes não era menos “irracional”, para não dizer supersticioso. A que se devia seu medo de voar? Não se sabe! Sabe-se que o poeta tinha uma fobia de avião que parecia mesmo visceral, a ponto de provocar-lhe pesadelos terríveis. Foi o que aconteceu, curiosamente, na madrugada da morte de Mário de Andrade, em 1945. Sonhara que vários de seus amigos haviam morrido num acidente de avião. O sonho – talvez um presságio – o impediu de comparecer ao enterro do líder modernista na Paulicéia Desvairada.

Esse medo, fobia ou seja lá que nome tenha, rendeu-nos uma belíssima crônica sobre Mário, intitulada "A manhã do morto" (sugiro sua leitura e comprometo-me a colocá-la aqui no Blog, se houver interesse de alguém).

Por tudo isso, alguém disposto a fazer pilhéria se pautaria nos exemplos acima dados para dizer que "os intelectuais não são tão intelectuais assim”. Uma tal afirmação defluiria da lamentável confusão entre o ofício da razão e as convicções pessoais. Besteira discutir isso aqui!

De outro lado, há aqueles intelectuais "intransigentes" que, em hipótese nenhuma, arredam pé de suas convicções mundanas.

Paulo Duarte é um exemplo paradigmático. Político combativo, foi, antes de tudo, um opositor aguerrido da ditadura varguista, tendo sido exilado duas vezes. Ao lado de Mário de Andrade, Rubens Borba de Moraes, Sérgio Milliet e outros intelectuais, ajudou a construir o Departamento de Cultura de São Paulo, em 1935. Enquanto fazia pesquisa para meu doutorado, encontrei em seu espólio uma suposta carta psicografada. Ela fora escrita por um sujeito que procurara por ele, dizendo levar notícias de Mário de Andrade. Ora, sendo tão íntimo do autor de Macunaíma, Duarte não deixara de conferir a tal missiva. Após sua leitura, concluiu que a grafia e o estilo não se identificavam com os do velho amigo. Isso lhe bastou para concluir que "há também falsários do outro mundo"...

Para ele, Mário continuaria vivo em suas cartas, em sua memória e na copiosa herança cultural que deixara para o Brasil.

É só... Por ora é só...


domingo, 2 de setembro de 2007

Sr. Luiz Inácio e o monopólio da autoridade moral e ética



Quando pensei em criar esse blog jamais imaginei que ele pudesse se prestar a algum tipo de comentário político. Lembro-me sempre de Mário de Andrade e suas reiteradas recusas da política. "Não me fale em política. Tenho horror à política", dizia o autor de Macunaíma. Naturalmente, o leitor da obra marioandradina sabe que essa recusa não significava repúdio à política, mas sim às suas estruturas partidárias e burocráticas. Mário foi um grande combatente político, não restam dúvidas (o interessado no assunto poderá ler Missionários de uma utopia nacional-popular, livro de minha autoria, publicado pela Editora Annablume: www.annablume.com.br).

Pois bem... jurei que não publicaria, aqui, nada de talhe político. Não pude me conter, entretanto.

Ontem, ao discursar no 3o Congresso do PT, o Sr. Luiz Inácio mais uma vez reivindicou para seu partido o monopólio da autoridade moral e ética! As palavras, publicadas na edição de hoje da Folha de S. Paulo, são as seguintes:

"É verdade que podemos ter cometido erros, e os erros estão sendo apurados como precisam ser. Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que nosso partido. Admitimos que tem gente igual a nós, mas não admitimos que tenha melhor".

Não é preciso grande esforço de interpretação para inferir que, segundo seu depoimento, o PT tem o monopólio da autoridade moral e ética no Brasil. Além disso, o PT parece traduzir os conceitos da lisura, da transparência e honestidade. Abaixo dele, muitos; acima, ninguém!

Quanta pretensão! É muita arrogância!

O Sr. Luiz Inácio é mesmo um indivíduo muito inteligente! Agora que as luzes do cenário público nacional se voltam para a votação do mensalão no STF, vem ele inverter a lógica do discurso que fizera por ocasião das denúncias de Roberto Jefferson. À época, concedera sagaz entrevista na qual fazia crer o incauto eleitor que já havia se afastado do partido em razão de suas atribuições na Presidência da República. Assim, investido do cargo de Chefe do Executivo, não teria tempo e condições práticas de tomar conhecimento sobre o que realmente se passava no PT. Eventuais negociações escusas, improbidade na condução das finanças do partido e outros tantos assuntos, não lhe eram familiares. Afinal, um presidente da República não teria tempo para acompanhar tanta coisa... Por ironia, a infausta declaração transformou-se, em exíguo espaço de tempo, em motivo de pilhéria nacional.

Curioso notar que, nesse mesmo período, o Sr. Luiz Inácio também reivindicara para si o monopólio da autoridade moral e ética. Para que não pairem dúvidas sobre essa reivindicação, vejamos sua declaração, publicada na Folha on line, em 21/06/2005:

"Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu para fazer o que precisa ser feito nesse país".

Mas, afinal, o Sr. Luiz Inácio continua petista? A pergunta não é descabida. Em 2005 fazia-nos crer que era apenas presidente e que os quadros partidários, bem com sua rotina, estavam muito distantes de sua realidade. Não era, então, um petista militante! Hoje, ainda presidente, a situação assumiu novas feições. Embora preocupado com a condução da nação, o Sr Luiz Inácio tem tempo de sobra para vociferar no congresso do seu partido a respeito de uma eventual autoridade moral e ética.

Em suma, a ética aí existente não é outra senão a ética da conveniência!

Seja como for, não nos esqueçamos: os baluartes da ética, da moral, da lisura, da transparência e da honestidade são o Sr. Luiz Inácio e o Partido dos Trabalhadores! Ninguém mais é melhor do que eles! Ninguém!

Em tempo: em 1989, 1994, 1998 e 2002 votei no Lula! Em 2006 votei no Sr. Luiz Inácio! Não preciso explicar a diferença. Preciso?




terça-feira, 28 de agosto de 2007

A arte e a indiferença: Sérgio Buarque de Holanda


Desde que escrevi o post anterior não me sai da cabeça uma citação adorável de Sérgio Buarque de Holanda sobre a arte brasileira. Como não disponho do depoimento original, citarei abaixo o trecho de autoria do José Lins do Rego sobre o assunto.


"Foi por isso que o sr. Sérgio Buarque,(...), disse uma vez que essa história de arte brasileira 'não nascerá da nossa vontade, surgirá muito mais provavelmente da nossa indiferença'. Sérgio Buarque quis com isso tocar no esforço e messianismo de certa gente que a toda a força procura criar uma arte nacional, como se fosse tão fácil criar uma arte.(...) É portanto de nossa indiferença que vem surgindo o que se chamará um dia de arte brasileira. Ela provavelmente não virá dos discursos às estrelas do Sr. Plínio Salgado nem tampouco dos saltinhos à Piolim do muito talentoso Oswald de Andrade.(...) Nessa gente opera-se uma modernização de superfície". (LINS DO REGO, José. "Jorge de Lima e o Modernismo" apud CANDIDO, A. & CASTELLO, J.A. Presença da literatura brasileira. Modernismo. 9 ed. São Paulo: Difel, 1983, p. 249-250. Grifos meus).

Furto-me a comentar a citação. Apenas convido o leitor a reler o post sobre Mário e Glauber e fazer o devido acréscimo da reflexão necessária.

É só... Por ora é só...




sábado, 25 de agosto de 2007

Glauber Rocha e Mário de Andrade: a (in)existência da arte brasileira


Conforme disse no post anterior, já estava preparando algo sobre Nelson Rodrigues quando caiu em minhas mãos uma belíssima entrevista de Glaubler Rocha concedida a Antônio Torres em 1964, em São Paulo. Ela agora veio a lume na edição de Agosto da Revista Entrelivros (www.revistaentrelivros.com.br).

Em um dos trechos do depoimento, Glauber fala sobre a arte brasileira asseverando que, naquele período, ela ainda não existia. A citação é um pouco extensa, mas vale a pena conferir. Vejamos:

"Não existe ainda a verdade arte brasileira. Estamos procurando. O Tom (Jobim) na música, o (Jorge) Mautner no romance, o (Lindolfo) Bell na poesia, o (Gianfrancesco) Guarnieri no teatro e muitos outros – todo mundo procurando, cavando a terra e a angústia, cavando a alma e o sistema social, cavando a estética e a linguagem. Todo mundo está atrás, trabalhando em várias veredas – como no sertão. Acho que a arte brasileira está nascendo desde o teatro de Anchieta – é um processo que vai levar mais de 600 anos. A raça, a terra, a natureza – o nacionalismo vem desde aquele horroroso Basílio da Gama. José de Alencar, Lima Barreto, os poetas românticos, Augusto dos Anjos, Machado de Assis, Raul Pompéia, Nepomuceno, Mário de Andrade, Portinari, Volpi, Villa-Lobos, Niemeyer, Jorge Amado, Nelson Rodrigues, o poeta Vinicius, Nelson Pereira dos Santos e Zé Keti – estão todos na jogada. É preciso ter abertura, abertura mesmo, porque todo grande artista é um revolucionário. Arte e liberdade é um corpo só, cangaceiro de duas cabeças, como dizia o capitão Cristino, vulgo Corisco". (Entrelivros, Agosto/2007, p. 62-63).

Quem se arriscaria a tecer comentários sobre cada ponto observado pelo Glauber? São muitos os dilemas ali colocados. Salvo equívoco, vão desde a inexistência da arte brasileira até a dicotomia arte-liberdade, passando, necessariamente, pela noção de nacionalismo.

Pois é... depois de ler a entrevista, lembrei-me das fantásticas ponderações de Mário de Andrade (que também "está na jogada", conforme diz o próprio Glauber) sobre arte e cultura brasileiras. Quase fui tragado pela idéia de tentar produzir algum artigo que pudesse estabelecer a relação dos diagnósticos marioandradinos e a avaliação glauberiana.

Dei-me conta, então, que escrevo num blog e que não caberiam estudos e ensaios... Além disso, lembrei que a razão desse blog é escrever sem compromisso. Então, vamos lá...

Mesmo desprezando o rigor acadêmico, não posso me furtar a colocar para o eventual leitor um trecho de autoria do Mário de Andrade, datado de 1928 e publicado em sua preciosa Ensaio sobre a música brasileira. Observe-se, desde já, que Macunaíma foi também publicado nesse ano. Trata-se, portanto, de um período de intensa atividade intelectual do líder do Modernismo brasileiro. Eis o trecho:

"Uma arte nacional não se faz com êscolha discricionaria e diletante de elementos: uma arte nacional já está feita na inconsciencia do povo. O artista só tem que dar pros elementos já existentes uma transposição erudita que faça da música popular, música artística, isto é: imediatamente desinteressada". (ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. São Paulo: Martins; Brasília: I.N.L., 1972, p. 15-16 – Grafia mantida no original)

Curioso notar que, ao contrário de Glauber, Mário admite a existência da arte nacional. Entretanto, tal existência está circunscrita à insconsciência do povo. Parece haver aqui uma contradição entre o pensamento dos dois? Não creio!

Quando Glauber afirma que "Estamos procurando" ou "todo mundo está atrás, trabalhando em várias veredas" ou, ainda, "todo mundo cavando", nada mais faz do que corroborar a idéia de Mário. Ora, embora pareça estranho, não há aí contradição nenhuma. A idéia é simples: a arte brasileira (verdadeira ou não!) existe. Precisa, contudo, tornar-se consciente, visível, palpável. Daí a idéia de que "Estamos procurando"... A noção de que há algo a ser descoberto ou formulado é forte na obra marioandradina, aliás. Suas percucientes ponderações sobre o nacionalismo estético bem o afirmam (mas isso é, talvez, assunto para outro post).

Quase quatro décadas separam as afirmações de Mário das de Glauber. Isso talvez não dissesse muito não fosse a semelhança de diagnósticos que ambos traçaram sobre os mesmos problemas.

Acho que já escrevi demais, embora o assunto reclame mais linhas...

É só... Por ora é só...



quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Volto já!

Volto já!

Pois é... já estava preparando algo sobre Nelson Rodrigues quando vi uma belíssima entrevista do Glauber. Logo mais falarei sobre ela. Volto já!


terça-feira, 14 de agosto de 2007

Até breve

Na edição da Folha de S. Paulo de ontem, vi o texto de Fernando Rodrigues, intitulado "Até breve" e resolvi dar um "Até breve" aqui também. Naturalmente, não irei me afastar desse blog por muito tempo. Apenas o necessário para voltar com fôlego, falando de alguma coisa que, supostamente, seja mais interessante que o "Até breve"...

É só... Por ora é só...

sábado, 11 de agosto de 2007

Se eu morasse em Sampa hoje: Dominguinhos e Yamandú

Se eu morasse em Sampa hoje: Dominguinhos e Yamandú

Se eu morasse em Sampa hoje, iria, hoje mesmo, assistir ao show do Dominguinhos e do Yamandú Costa. Ficaria bastante satisfeito em ver um Yamandú mais contido, sereno e tranquilo. Para quem pode e está disposto a ir, segue abaixo uma bela matéria da Folha de S. Paulo sobre o show.

Apreciem-no!


*** *** ***

Violonista gaúcho e sanfoneiro pernambucano dividem o palco do Auditório Ibirapuera de hoje a domingo

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Dominguinhos deu um presente a Yamandú Costa: a serenidade. Com relação à desenfreada busca por virtuosismo de "El Negro del Blanco", que ele gravou em 2003 com o clarinetista Paulo Moura, o violonista gaúcho de 27 anos soa mais contido no CD em parceria com o sanfoneiro pernambucano de 66, que acaba de lançar pela Biscoito Fino.

"Se você ouvir ele tocando com o Hamilton de Holanda [bandolinista], também parece uma Fórmula 1, porque os dois têm o dedo e o pensamento ligeiro", brinca Dominguinhos, que faz, de hoje a domingo, o show de lançamento do disco no Auditório Ibirapuera. "Mas, como grande músico, ele vai se ajeitando ao parceiro. Consegui levá-lo a um lugar mais manso, mais melódico."

"Esse tempo de quatro anos entre um disco e outro parece maior quando a gente é jovem", concorda o violonista.

"O CD "Yamandú+Dominguinhos" não tem nada de ego envolvido. É uma coisa mais de um querer ouvir o outro do que querer se ouvir; um carinho musical, como se a gente estivesse se abraçando."

Ele tinha 16 anos de idade quando foi "tietar" Dominguinhos em um show que o sanfoneiro fazia no Rio Grande do Sul com Renato Borghetti. Foi encantamento mútuo: enquanto o gaúcho dizia que seu sonho era fazer o violão soar como a sanfona do pernambucano, este já reconhecia no garoto o sucessor do virtuosismo de Raphael Rabello.

Alguns anos tiveram que se passar para que o namoro musical frutificasse. Com Yamandú firmemente consolidado no cenário musical, o produtor José Milton promoveu seu encontro com o ídolo da adolescência, que rendeu um show no Tom Jazz e o disco.

Hoje, a comunicação musical entre ambos é tão boa que dispensa ensaios ou mesmo conversa prévia. Do repertório do show em São Paulo, nenhum dos dois faz a mínima idéia, embora Yamandú antecipe que, certamente, deva ser distinto do CD, que trouxe "Bonitinho", parceria da dupla, ao lado de clássicos como "Wave" (Tom Jobim) e "Pedacinho do Céu" (Waldir Azevedo), além de uma faixa final em que "Asa Branca" é apresentada ao lado de "Prenda Minha", do folclore gaúcho.

"O disco a gente definiu só no estúdio, sem ter falado antes nem no hotel, e nunca teve coisas buriladas demais", conta Dominguinhos. "A gente pega o instrumento e a coisa acaba saindo assim, fácil."


YAMANDÚ E DOMINGUINHOS
Quando:
hoje, às 21h; sáb. e dom., às 20h30
Onde: Auditório Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, parque Ibirapuera, portão 2, tel. 0/xx/11/5908-4299)
Quanto: R$ 30

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Hannibal Lecter e Clarice Starling: histórias de Thomas Harris

Hannibal Lecter e Clarice Starling: histórias de Thomas Harris


Adaptações de livros para o cinema nem sempre dão certo. Esse truísmo é indiscutível! Com a obra de Thomas Harris não seria diferente, é claro.


O canibal Hannibal Lecter, interpretado Anthony Hopkins, ganhou notoriedade no cinema em "O Silêncio dos Inocentes", datado de 1991, com direção de Jonathan Demme. À época, o filme realmente causou frisson. A despeito de sua brutalidade, Lecter parecia encantar as platéias com sua erudita educação e gosto apurado. Além disso, a serenidade que ostentava por trás das grades era patente.


O que ninguém sabia era como um canibal poderia ser tão refinado. Imaginava-se que, em alguma continuação, isso ficaria claro. Também se imaginou, creio, que a relação entre ele e Clarice Starling, a agente do FBI vivida por Judie Foster, fosse assumir contornos mais definidos. Quem de nós, ao final do filme, não se chegou a perguntar se ele a devoraria? Fazia parte da lógica do filme a necessidade de não se envolverem sentimentalmente? Essas perguntas ficaram no ar e cultivou-se a expectativa de que, sobrevindo a seqüência do filme, pudessem ser respondidas.


Se as adaptações de livros para o cinema estão sempre sujeitas a grandes imperfeições, o mesmo ocorre no que se refere às seqüências. Raros são os filmes cujas continuações mantêm a qualidade do anterior.


Pois a seqüência do filme, adaptação do livro homônimo de Thomas Harris – "Hannibal" –, não só resultou em algo mal feito, como pareceu, também, "fraudulenta". Em realidade, não há correspondência entre o final do livro e o final do filme. Parece-me que Thomas Harris e Ridley Scott chegaram a um acordo quanto ao que deveria ser feito nas telas... De todo modo, a versão cinematográfica do texto, dilui, em larga medida, a complexidade da relação entre Starling e Hannibal. Para quem não leu o livro, adianto que, ao final da história, os dois terminam juntos, consumando a atração sugerida n’ “O Silêncio dos Inocentes".


Não bastasse isso, aspectos estruturais do livro foram negligenciados, como a patente mudança de personalidade de Starling (detalhe: Judie Foster recusara o papel por discordar da nova caracterização da personagem). Diante da decadência profissional que a acomete, não lhe resta outra postura senão a de rever seus princípios morais e optar por uma conduta mais "técnica" e “racional” em seu ofício. A evidência de traços como esse certamente enriqueceria a personagem do filme e poderia fazer jus ao longo processo de catarse vivenciado por ela no livro. Não é de se estranhar que os espectadores do filme, desconhecendo o teor da obra escrita, tenham a sensação de que ela é apenas uma policial sensível, sem os intensos conflitos gerados pela inadvertida execução de um colega e pelas lembranças do pai, também policial. De fato, a ausência de contradições pessoais cifrou a personagem (do filme) a uma personalidade anódina.

Voltemos à relação entre ela e Hannibal, em “O Silêncio dos Inocentes". Trata-se de uma atração que transcende a ligação agente-prisioneiro ou psiquiatra-paciente. Basta que lembremos a cena em que, entre grades, Hannibal acaricia, com apenas um dedo, a mão de Starling. Salvo equívoco, esta atitude denota a possibilidade de a relação se tornar pessoal, afetuosa e também carnal, ao menos da parte dele. Seria talvez um tanto pueril imaginar que a mencionada carícia se restringisse a um gesto de afabilidade sem segundas intenções. Por esse motivo, é notório que havia um sentido em poupar Starling no final do filme. Com isso Thomas Harris poderia garantir o enlace ao final de "Hannibal"... De nada adiantou: Ridley Scott optou por outro caminho...

O que mais causa indignação ao espectador que leu “Hannibal” é a descabida adaptação feita. Mesmo tendo a chancela de Thomas Harris, um disparate merece referência: a solução, ao final do filme, para a fuga de Lecter não condiz com sua extrema habilidade em se desvencilhar de situações adversas como aquela.


Sem dúvida, teria sido melhor se Scott se mantivesse fiel ao final do livro: Lecter e Starling estão juntos no Teatro Colón, de Buenos Aires. E planejam uma vinda para o Rio de Janeiro.


A respeito da erudita educação de Lecter, que o permite ser curador de museu na Itália e ministrar fantásticas aulas, falaremos depois...


É só... Por ora é só...

sábado, 4 de agosto de 2007

Sobre a finitude dos blogs

Sobre a finitude dos blogs

Ainda estou incomodado com esse blog... Não sei até quando ele irá durar. Por isso, resolvi escrever sobre a finitude dos blogs. Não é nenhum tratado ou dissertação percuciente sobre o tema. É apenas um texto redundante. E sintético!

Lembro-me de ter visto, há algum tempo, um blog sobre obsessões. O endereço era o seguinte:

http://73obsessoes.zip.net

Tentei consultá-lo recentemente, mas não obtive sucesso. O fato é que se trata (ou tratava) de um blog com fim determinado. Esgotadas as 73 obsessões, a autora se furtaria a inserir novos textos (ou novas obsessões, é claro!). Imagino derivar daí minha preocupação com a finitude desse pedante veículo de expressão.

Parece-me bastante sensato que os blogs findem algum dia. Mostrando-se inúteis, nada mais lhes restará a não ser a morte. Gostei da idéia e pretendo segui-la, tão logo esse blog se mostre mais inútil do que já é...

É só... Por ora é só...




quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Obras que eu republicaria!

Obras que eu republicaria!

Não me sai da cabeça a idéia de que certos livros mereceriam ser resgatados. Republicados! Tenho cá uma lista com uma infinidade deles. Nem sei por onde começar a relação. Passeios na ilha: divagações sobre a vida literária e outras matérias, do Drummond é um deles. Roberto, romance de Sérgio Milliet, é outro. A Ópera do Malandro e Os Saltimbancos (textos das peças), do Chico, outros mais... Enfim, são muitos. Conheço alguns apenas. Outros, estão à espera de eventual leitura.

Como os livros, há também os CDs. Também são vários e muitos se perderam na feliz transformação do Vinil em Compact Disc. Outros chegaram a ser lançados, mas caíram no esquecimento logo na primeira prensa. À flor da pele, de Raphael Rabello e Ney Matogrosso é o exemplo que me ocorre agora. Uma preciosidade!

Quanto aos filmes, valem os mesmos comentários de cima!

Para não ficar nesse chove-não-molha, façamos o seguinte: inauguremos, aqui mesmo, a série "Obras que eu republicaria!". Livros, CDs, Filmes e etc! Uns e outros, todos!

Aguardo sugestões!

Logo mais!

É só... Por ora é só...

sábado, 28 de julho de 2007

"O caso da Aranha" - Mário de Andrade

"O caso da Aranha" - Mário de Andrade

Como estou sem tempo e prometi postar algumas crônicas do Mário, segue abaixo uma delas... É uma delícia. Faz parte d' O Turista Aprendiz, obra de anotações etnográficas datadas da década de 1920. Não me estendo mais... Tampouco comentarei a crônica.

É só... Por ora é só...

***

O CASO DA ARANHA

ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. 2 ed. São Paulo: Duas Cidades, 1983, p. 307.

"Este primeiro dia de Paraíba tem que ser consagrado ao caso da aranha. Não é nada importante porém me preocupou demais e o turismo sempre foi manifestação egoística e individualista.

Cheguei contente na Paraíba com os amigos, José Américo de Almeida, Ademar Vidal, Silvino Olavo me abraçando. Ao chegar no quarto pra que meus olhos se lembraram de olhar pra cima? Bem no canto alto da parede, uma aranha enorme, mas enorme.

Chamei um dos amigos, Antônio Bento, pra indagar do tamanho do perigo. Não havia perigo. Era uma dessas aranhas familiares, não mordia ninguém, honesta e trabalhadeira lá ao jeito das aranhas. Quis me sossegar e de-fato a razão sossegou, mas o resto da minha entidade sossegou mas foi nada! Eu estava com medo da aranha. Era uma aranha enorme...

Tomei banho, me vesti, etc. fui jantar, voltei pro quarto arear os dentes, ver no espelho se podia sair pra um passeinho até a praia de Tambaú, mas fiz tudo isso aranha. Quero dizer: a aranha estava qualificando a minha vida, me inquietava enormemente.

Passeei e foi um passeio surpreendente na Lua-cheia. Logo de entrada, pra me indicar a possibilidade de bom trabalho musical por aqui, topei com os sons dum coco. O que é, o que não é: era uma crilada gasosa dançando e cantando na praia. Gente predestinada pra dançar e cantar, isso não tem dúvida. Sem método, sem os ritos coreográficos do coco, o pessoalzinho dançava dos 5 anos aos 13, no mais! Um velhote movia o torneio batendo no bumbo e tirando a solfa. Mas o ganzá era batido por um piazote que não teria 6 anos, coisa admirável. Que precocidade rítmica, puxa! O piá cansou, pediu pra uma menina fazer a parte dele. Essa teria 8 anos certos mas era uma virtuose no ganzá. Palavra que inda não vi, mesmo nas nossas habilíssimas orquestrinhas maxixeiras do Rio, quem excedesse a paraibaninha na firmeza, flexibilidade e variedade de mover o ganzá. Custei sair dali.

Os coqueiros soltos da praia me puseram em presença da aranha. O passeio estava sublime por fora mas eu estava impaciente, querendo voltar pra ver se acabava duma vez com o problema da aranha. Nuns mocambos uns homens metodicamente vestidos de azulão, dólmã, calça e gorro. Eram os presos. São eles que fazem as rodovias do Estado e preparam os catabios. Não fogem. E não sei porque não fogem.

E fiquei em presença da aranha outra feita. Olhei pro lugar dela, não a vi. Foi-se embora, imaginei. De-repente vi a aranha mais adiante. Está claro que a inquietação redobrou.. De primeiro ela ficara enormemente imóvel, sempre no mesmo lugar. Agora estava noutro, provando a possibilidade de chegar até meu sono sem defesa. Pensei nos jeitos de matá-la. Onde ela estava era impossível, quarto alto, cheio de frinchas e de badulaques, incomodar os outros hóspedes, fazer bulha. A aranha deu de passear, eu olhando. Se ela chegar mais perto, mato mesmo. Não chegou. Fez um reconhecimentozinho e se escondeu. Deitei, interrompi a luz e meu cansaço adormeceu, organizado pela razão.

Faz pouco abri os olhos. A aranha estava sobre mim, enorme, lindos olhos, medonha, temível, eu nem podia respirar, preso de medo. A aranha falou:

- Je t'aime".

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Questões de linguagem

Questões de linguagem

Durante o dia de ontem, em meio a tanta coisa, pensei se deveria levar adiante esse blog. Não sabia o que escrever. Decidi falar sobre linguagem, ainda que isso possa soar redundante para os textos iniciais.

Pois bem... Inquietam-me sobremaneira as questões de linguagem. Como narrar? Qual é o critério usado pelo autor para definir o fio narrativo? Não sei... Sei que Mário de Andrade tinha uma forma bem peculiar de escrever. É certo que no caso dele, subjacente à linguagem empregada, havia uma ambição maior: o projeto de aproximação entre o português falado e o português escrito. Suas crônicas, sobretudo aquelas produzidas nas décadas de 1920 e 1930, evidenciam o quanto investira nesse projeto. Não é só: a tal Gramatiquinha da Língua Portuguesa talvez seja a expressão mais candente de sua preocupação com a nossa língua. Por causa dela, o líder modernista recebera ataques os mais variados. Graciliano Ramos, por exemplo, a rotulara de "frescura", em Linhas Tortas. Quanto a Macunaíma...

Espero futuramente postar algumas crônicas do Mário por aqui. Valerá a leitura...

É só... Por ora é só...

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Sem compromisso: a razão desse Blog

Sem compromisso: a razão desse Blog

Tenho a impressão de que muita gente não escreve por excessivo zelo da linguagem. Incapazes de publicar algo descompromissado, alguns preferem simplesmente renunciar ao ato da escrita. São indivíduos que temem a tela branca, a escassez de idéias e ficam receosos de tudo, de toda crítica que lhes possa atingir. Por não abrir mão do perfeccionismo, optam pela resignação, pela voz calada, surda e anódina. Besteira? Quem sabe?

Já escrevi várias vezes a mensagem de abertura desse Blog que, aliás, era outro. Chamava-se Literocinemusical. Um vexame de título! Faltoso de criatividade e tudo o mais. Transfiro para cá, após anos, algumas das anotações de lá... Espero, contudo, que dessa vez a iniciativa tenha vida longa.

Jamais fico satisfeito com a minha escrita. Se pudesse, retocaria tudo, burilaria reiteradamente o texto até encontrar a forma ideal, aquela capaz de me satisfazer. Como ela nunca existirá, resolvi desistir... Desisti de buscar a forma ideal, bem entendido. E, por isso, arrisco-me a falar de tantas coisas quantas me parecerem interessantes. Sem rigor, sem compromisso...

É essa a razão do Blog: escrever sem compromisso!

Lembrei-me de um belíssimo trecho d' Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, no qual é possível notar a insatisfação de quem trabalha com a escrita e se vê na obrigação de cumprir determinadas normas que se revelam inúteis e, na maioria das vezes, pouco práticas. Vale a pena lê-lo! Ei-lo:

"O embaixador causa-me muitos dissabores, eu já o previra. É o tolo mais metódico que se pode imaginar; quer tudo passo a passo e é minucioso como uma comadre. É um homem que nunca está contente consigo mesmo e do qual ninguém é capaz de colher palavras de gratidão. Trabalho sempre apressado e não gosto de retocar as coisas, e isso lhe dá ocasião para devolver-me qualquer escrito e dizer: ' Não está mal, mas reveja-o, encontra-se sempre um termo melhor, uma partícula mais castiça'. Nesses momentos, de bom grado mandaria tudo ao diabo. Nem um 'e', nem a mínima conjunçãozinha pode ser omitida, e é inimigo mortal de toda ordem inversa, que às vezes me escapa. Se um período não for construído segundo a velha musiquinha de costume, ele não entende e não aceita nada. É um martírio ter de trabalhar com um homem assim".

(GOETHE, J. W. Os sofrimentos do jovem Werther. Tradução, organização, prefácio, comentários e notas de Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM Editores, 2001).

Por fim, o comentário derradeiro: o título Lápis impreciso foi tirado da letra de Tempo e Artista, do meu autor soberano, Chico Buarque.

É só... Por ora é só...