terça-feira, 11 de setembro de 2007

A "irracionalidade" dos intelectuais


Falar da irracionalidade dos intelectuais parece um contra-senso. Homens de cultura, afeitos a todo tipo de especulação científica, não poderiam eles serem tachados de seres desprovidos de razão. Muitos asseveram em seu ofício que nada poderá ser digno de crédito senão por meio do crivo da racionalidade técnica e do cálculo moderno. Naturalmente, arrogam-se iluministas! Nas densas páginas de Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer traduziram esse sentimento nos seguintes termos: "O que não se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para o esclarecimento" (Theodor W. Adorno & Max Horkheimer. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 21). Desnecessário lembrar o leitor que, aqui, "Esclarecimento" significa "Iluminismo".

Pois é... a despeito disso, alguns intelectuais têm posturas pessoais que contradizem sua "intelectualidade".

Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo, tinha lá seus demônios... Reza a lenda que não deixava, em nenhuma hipótese, treze cigarros no maço. Não me recordo a razão do procedimento, mas, certamente, tem a ver com alguma superstição. Por falar em demônios, dizem também que o historiador paulista, quando voltava para casa do colégio, ainda menino, vivia a olhar para trás, suspeitando que o demônio estivesse em seu encalço.

Da mesma geração, e amigo dele, Vinícius de Moraes não era menos “irracional”, para não dizer supersticioso. A que se devia seu medo de voar? Não se sabe! Sabe-se que o poeta tinha uma fobia de avião que parecia mesmo visceral, a ponto de provocar-lhe pesadelos terríveis. Foi o que aconteceu, curiosamente, na madrugada da morte de Mário de Andrade, em 1945. Sonhara que vários de seus amigos haviam morrido num acidente de avião. O sonho – talvez um presságio – o impediu de comparecer ao enterro do líder modernista na Paulicéia Desvairada.

Esse medo, fobia ou seja lá que nome tenha, rendeu-nos uma belíssima crônica sobre Mário, intitulada "A manhã do morto" (sugiro sua leitura e comprometo-me a colocá-la aqui no Blog, se houver interesse de alguém).

Por tudo isso, alguém disposto a fazer pilhéria se pautaria nos exemplos acima dados para dizer que "os intelectuais não são tão intelectuais assim”. Uma tal afirmação defluiria da lamentável confusão entre o ofício da razão e as convicções pessoais. Besteira discutir isso aqui!

De outro lado, há aqueles intelectuais "intransigentes" que, em hipótese nenhuma, arredam pé de suas convicções mundanas.

Paulo Duarte é um exemplo paradigmático. Político combativo, foi, antes de tudo, um opositor aguerrido da ditadura varguista, tendo sido exilado duas vezes. Ao lado de Mário de Andrade, Rubens Borba de Moraes, Sérgio Milliet e outros intelectuais, ajudou a construir o Departamento de Cultura de São Paulo, em 1935. Enquanto fazia pesquisa para meu doutorado, encontrei em seu espólio uma suposta carta psicografada. Ela fora escrita por um sujeito que procurara por ele, dizendo levar notícias de Mário de Andrade. Ora, sendo tão íntimo do autor de Macunaíma, Duarte não deixara de conferir a tal missiva. Após sua leitura, concluiu que a grafia e o estilo não se identificavam com os do velho amigo. Isso lhe bastou para concluir que "há também falsários do outro mundo"...

Para ele, Mário continuaria vivo em suas cartas, em sua memória e na copiosa herança cultural que deixara para o Brasil.

É só... Por ora é só...


2 comentários:

Antonio Ozaí da Silva disse...

Roberto,

a racionalidade científica não é tao racional quanto parecer. E o irracional sempre o é na perspectiva do outro. Por coincidência, li estes dias o livro "Filosofia da Ciência", de Rubem Alves. Tem muito a ver com o tema que vc levanta. Aliás, gostei da forma como vc se refere, leve e bem humorado.

Ah! Demorou mais para fazer este comentário do que para ler. Mas valeu a pena. Obrigado.

Abraços e tudo de bom,
Ozaí

Anônimo disse...

Roberto. No momento estou observando discuros racionais, mas sem razoabilidade no cotidiano. Tenho pena desses. Mas,tenho horror dos que usam da racionalidade instrumental - não aquela denunciada por Adorno-, mas aquela razão usada intencionalmente como argumento falacioso, que engana tantos intelectuais.
Gostei do seu jeito e temas dos seus escritos. Abraço. do Raymundo de Lima (UEM/Pr).