Setembro de 1992. Eu estava no terceiro ano da faculdade. Tinha uma professora a quem não creditava boa avaliação: desconfiava de todas as suas eventuais habilidades intelectuais. Essa desconfiança, aliás, resistiu ao tempo. A longo tempo, diga-se. Não bastasse, sofria com suas esquisitices: aquela senhora apreciava lecionar no meio do campus, na grama, no concreto ou em qualquer lugar que nos fizesse sofrer com o calor, com os mosquitos e com as conhecidas agruras do clima tropical brasileiro.
Ok, careço ser sincero. Eu tinha alguma birra dela.
Sucedeu o seguinte. Após o feriado de sete de setembro, a professora, provavelmente sem ter preparado aula, entrou na sala. Pediu para que todos lessem um artigo publicado no feriado por Marilena Chauí, na Folha de S. Paulo. O recorte de jornal passou de mão em mão, sendo submetido à apreciação de todos. O tempo já avançado precisava ser justificado. Ela, então, perguntou para cada aluno sua opinião sobre aquele texto que considerava brilhante, uma obra-prima.
Instado a me pronunciar, apenas disse que não via nenhum brilhantismo no texto da lavra da professora Chauí:
- Este artigo é um festival de obviedades.
Alguém poderia objetar que eu estava disposto a fazer alguma provocação. Não era o caso. Como estudante, supostamente uma consciência crítica – algo quase impossível aos vinte anos! – apenas dei minha opinião. Só isso. Preferia não estar em sala de aula. Gostaria de não ter de me manifestar. Mas tive de fazê-lo. O resultado não poderia ser outro: a mulher se inflamou.
- Onde já se viu? A professora Marilena Chauí é uma das maiores intelectuais do Brasil. Seus artigos são geniais. Ela tem mais de não sei quantos livros publicados, é uma inteligência rara.... A professora Marilena Chauí isso, a professora Marilena Chauí aquilo.....
Caramba! Será que Marilena Chauí é imune a dizer obviedades? Ou seria tão brilhante que até mesmo suas obviedades devessem ser admiradas?
A história terminaria aí, não fosse a postura que adotei na semana seguinte. Quando acordei, dei-me conta de que a primeira aula daquela manhã seria com a irascível professora. Desisti de ir para o campus. Fiquei na república, sem ter o que fazer – o que, sem dúvida, mostrou-se uma alternativa acertada.
Para minha surpresa, fiquei sabendo que a digníssima docente ainda estava incomodada com meu comentário da semana passada. Disseram-me que ela se saiu com essa:
- A professora Marilena Chauí tem mais de trinta anos de carreira. Tem gente que nem completou o terceiro ano da faculdade e se vê no direito de criticá-la.
Seria possível? Além de insensata, minha professora seria covarde? Não me dera direito à defesa? Fizera provocação que não poderia ser rebatida? Alguém sugeriu que eu retrucasse na aula subsequente. Embora não me faltasse vontade, nem cogitei dessa possibilidade. Imagino ter sido naquela ocasião que a tal consciência crítica tenha me dado algum sinal de vida.
Um comentário:
Roberto,
gostei do seu texto!
Sinceros parabéns!
Abraços e tudo de bom,
Postar um comentário