Naqueles tempos: 1992 e a
patrulha ideológica
Naqueles
tempos, o que não faltava na faculdade era patrulha ideológica. Tratava-se de
algo tão difundido e corriqueiro entre os alunos que, mesmo não desejando incorrer
nessa conduta, muitas vezes não conseguíamos frear nossos impulsos.
Hoje pode
parece banal, mas naquele contexto certas palavras assumiam um tom de heresia.
A palavra “liberal” e a expressão “liberal-democracia” eram problemáticas.
Qualquer tendência a ser identificada com elas era suficiente para que o debate
desembocasse na patrulha – ou na zombaria. O interlocutor, de socialista
comprometido com a divisão material dos meios de produção (veja só o exagero!),
passava, em virtude de um pequeno lapso, a ser defensor intransigente do
liberalismo político. Ninguém perdoava.
“Que
socialista, o quê! Liberal enrustido, isso sim”.
Houve um dia
em que, não suportando mais a pressão da tropa de fiscalização da turma, um aluno
se rebelou. Dissera que, em conversa com o pai, foi convencido a adotar o credo
liberal. Sob ele poderia proteger-se dos dissabores da uniformidade socialista
e da falta de criatividade que o Kremlin faria se espalhar pelo mundo. A metáfora
utilizada para persuadir o filho não era nada engenhosa. Bastou uma imagem
cruelmente estúpida e reiterativa: depois que o Brasil produzisse o grande bolo
do desenvolvimento, deveriam abocanhar a maior fatia dele. Pois é, o rapaz abraçou
a ideia paterna e imagino que até hoje esteja com fome.
Se conto tudo
isso, não posso deixar de dizer que também fui vítima dessa patrulha ideológica.
Comigo, entretanto, um dos episódios foi relativamente cômico. Cheguei à
faculdade logo de manhã, peguei um café e fui me sentar à mesa do pessoal que
ali conversava sobre a possível queda do ministério do Collor. Sem saber qual
era o assunto versado, acendi um cigarro e perguntei:
- Alguém aí
sabe quem ganhou o Oscar ontem?
A resposta foi
furiosa.
- O ministério
do Collor está quase caindo e você está preocupado com o Oscar?
Era isso
mesmo. Eu não poderia gostar de cinema. Muito menos, me interessar pelo
vencedor do Oscar. A arte cinematográfica não combinava com a política.
Detalhe:
naquele ano, Silêncio dos Inocentes venceu 5 oscars, inclusive o de melhor
filme. Essa era a informação que eu desejava. E, por causa dela, quase apanhei.
Um comentário:
Caro Roberto,
boa tarde!
Como sempre, é uma delícia ler seus relatos bem-humorados. Será que a patrulha ideológica se aposentou?
Abraços e tudo de bom,
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