sexta-feira, 24 de maio de 2013

Naqueles tempos: 1992 e a patrulha ideológica


Naqueles tempos: 1992 e a patrulha ideológica

Naqueles tempos, o que não faltava na faculdade era patrulha ideológica. Tratava-se de algo tão difundido e corriqueiro entre os alunos que, mesmo não desejando incorrer nessa conduta, muitas vezes não conseguíamos frear nossos impulsos.

Hoje pode parece banal, mas naquele contexto certas palavras assumiam um tom de heresia. A palavra “liberal” e a expressão “liberal-democracia” eram problemáticas. Qualquer tendência a ser identificada com elas era suficiente para que o debate desembocasse na patrulha – ou na zombaria. O interlocutor, de socialista comprometido com a divisão material dos meios de produção (veja só o exagero!), passava, em virtude de um pequeno lapso, a ser defensor intransigente do liberalismo político. Ninguém perdoava.

“Que socialista, o quê! Liberal enrustido, isso sim”.

Houve um dia em que, não suportando mais a pressão da tropa de fiscalização da turma, um aluno se rebelou. Dissera que, em conversa com o pai, foi convencido a adotar o credo liberal. Sob ele poderia proteger-se dos dissabores da uniformidade socialista e da falta de criatividade que o Kremlin faria se espalhar pelo mundo. A metáfora utilizada para persuadir o filho não era nada engenhosa. Bastou uma imagem cruelmente estúpida e reiterativa: depois que o Brasil produzisse o grande bolo do desenvolvimento, deveriam abocanhar a maior fatia dele. Pois é, o rapaz abraçou a ideia paterna e imagino que até hoje esteja com fome.

Se conto tudo isso, não posso deixar de dizer que também fui vítima dessa patrulha ideológica. Comigo, entretanto, um dos episódios foi relativamente cômico. Cheguei à faculdade logo de manhã, peguei um café e fui me sentar à mesa do pessoal que ali conversava sobre a possível queda do ministério do Collor. Sem saber qual era o assunto versado, acendi um cigarro e perguntei:

- Alguém aí sabe quem ganhou o Oscar ontem?

A resposta foi furiosa.

- O ministério do Collor está quase caindo e você está preocupado com o Oscar?

Era isso mesmo. Eu não poderia gostar de cinema. Muito menos, me interessar pelo vencedor do Oscar. A arte cinematográfica não combinava com a política.

Detalhe: naquele ano, Silêncio dos Inocentes venceu 5 oscars, inclusive o de melhor filme. Essa era a informação que eu desejava. E, por causa dela, quase apanhei.


Um comentário:

Antonio Ozaí da Silva disse...

Caro Roberto,

boa tarde!
Como sempre, é uma delícia ler seus relatos bem-humorados. Será que a patrulha ideológica se aposentou?

Abraços e tudo de bom,