Hannibal Lecter e Clarice Starling: histórias de Thomas Harris
Adaptações de livros para o cinema nem sempre dão certo. Esse truísmo é indiscutível! Com a obra de Thomas Harris não seria diferente, é claro.
O canibal Hannibal Lecter, interpretado Anthony Hopkins, ganhou notoriedade no cinema em "O Silêncio dos Inocentes", datado de 1991, com direção de Jonathan Demme. À época, o filme realmente causou frisson. A despeito de sua brutalidade, Lecter parecia encantar as platéias com sua erudita educação e gosto apurado. Além disso, a serenidade que ostentava por trás das grades era patente.
O que ninguém sabia era como um canibal poderia ser tão refinado. Imaginava-se que, em alguma continuação, isso ficaria claro. Também se imaginou, creio, que a relação entre ele e Clarice Starling, a agente do FBI vivida por Judie Foster, fosse assumir contornos mais definidos. Quem de nós, ao final do filme, não se chegou a perguntar se ele a devoraria? Fazia parte da lógica do filme a necessidade de não se envolverem sentimentalmente? Essas perguntas ficaram no ar e cultivou-se a expectativa de que, sobrevindo a seqüência do filme, pudessem ser respondidas.
Se as adaptações de livros para o cinema estão sempre sujeitas a grandes imperfeições, o mesmo ocorre no que se refere às seqüências. Raros são os filmes cujas continuações mantêm a qualidade do anterior.
Pois a seqüência do filme, adaptação do livro homônimo de Thomas Harris – "Hannibal" –, não só resultou em algo mal feito, como pareceu, também, "fraudulenta". Em realidade, não há correspondência entre o final do livro e o final do filme. Parece-me que Thomas Harris e Ridley Scott chegaram a um acordo quanto ao que deveria ser feito nas telas... De todo modo, a versão cinematográfica do texto, dilui, em larga medida, a complexidade da relação entre Starling e Hannibal. Para quem não leu o livro, adianto que, ao final da história, os dois terminam juntos, consumando a atração sugerida n’ “O Silêncio dos Inocentes".
Não bastasse isso, aspectos estruturais do livro foram negligenciados, como a patente mudança de personalidade de Starling (detalhe: Judie Foster recusara o papel por discordar da nova caracterização da personagem). Diante da decadência profissional que a acomete, não lhe resta outra postura senão a de rever seus princípios morais e optar por uma conduta mais "técnica" e “racional” em seu ofício. A evidência de traços como esse certamente enriqueceria a personagem do filme e poderia fazer jus ao longo processo de catarse vivenciado por ela no livro. Não é de se estranhar que os espectadores do filme, desconhecendo o teor da obra escrita, tenham a sensação de que ela é apenas uma policial sensível, sem os intensos conflitos gerados pela inadvertida execução de um colega e pelas lembranças do pai, também policial. De fato, a ausência de contradições pessoais cifrou a personagem (do filme) a uma personalidade anódina.
Voltemos à relação entre ela e Hannibal, em “O Silêncio dos Inocentes". Trata-se de uma atração que transcende a ligação agente-prisioneiro ou psiquiatra-paciente. Basta que lembremos a cena em que, entre grades, Hannibal acaricia, com apenas um dedo, a mão de Starling. Salvo equívoco, esta atitude denota a possibilidade de a relação se tornar pessoal, afetuosa e também carnal, ao menos da parte dele. Seria talvez um tanto pueril imaginar que a mencionada carícia se restringisse a um gesto de afabilidade sem segundas intenções. Por esse motivo, é notório que havia um sentido em poupar Starling no final do filme. Com isso Thomas Harris poderia garantir o enlace ao final de "Hannibal"... De nada adiantou: Ridley Scott optou por outro caminho...
O que mais causa indignação ao espectador que leu “Hannibal” é a descabida adaptação feita. Mesmo tendo a chancela de Thomas Harris, um disparate merece referência: a solução, ao final do filme, para a fuga de Lecter não condiz com sua extrema habilidade em se desvencilhar de situações adversas como aquela.
Sem dúvida, teria sido melhor se Scott se mantivesse fiel ao final do livro: Lecter e Starling estão juntos no Teatro Colón, de Buenos Aires. E planejam uma vinda para o Rio de Janeiro.
A respeito da erudita educação de Lecter, que o permite ser curador de museu na Itália e ministrar fantásticas aulas, falaremos depois...
É só... Por ora é só...
11 comentários:
Caríssimo, que seu retorno à blogosfera seja definitivo. Vou criar um link para o Lápis Preciso no Barômetro Político... Sucesso!!!!
Olá!
O final do filme ficou muito sem sentido realmente..
Mas aparte disso gostaria de discutir e ver sua opinião em relação ao finla do livro.
Quando tratada pelo Lecter depois da dose cavalar de anestésicos, o doutor trata dela, com drogas e tratamento hipnóticos. Me parece que assim ele conseguiu "tratar" o probleminha que ela tinha com a lembrança do pai, mas tbm manteve ,ao meu ver, ela longe da realizade, digamos sob seu controle.
Com o passar do tempo as drogas não eram mais necessárias como o narrador diz, mas no último (ou penúltimo) párágrafo do livro, diz que a qualquer momento ela poderia ouvir a corda da besta e despertar a contra gosto se é que estivesse dormindo, remetendo ao jantar famoso com o Krendler onde,se eu entendi bem, Lecter faz um comando hipnótico para que ela fosse totalmente livre quando ela ouvisse novamente o som da besta.
Ele estava mantendo ela junto a ele por causa de um comando hipnótico? Não tem nada a ver? Ou o autor realmente deixou no ar essa informação (ele diz, "se ela estiver realmente dormindo").
O que viria a ser esse som da besta se não for isso de tirá-la do hipnotismo?
Outra coisa. Ela estava vendo o Lecter cortando o cérebro do Krendler e não se incomodou ou ela não estava vendo nada por causa do arranjo enorme de flores? A dúvida surgiu pois: 1- Ele teve todo o cuidado de vestir o Krendler com terno para encobrir as fitas prendendo ele. 2- Ele disse que tirou o arranjo para o lado na mesa. Mas -3 Ela comeu o cérebro e comentou que nunca tinha comido alcaparras antes. 4- Quando ele atirou a besta, pode ser visto o cabo e as penas apenas, ou seja, não se via a cabeça. Então fiquei confusa.. Que ela estava drogada era óbvio.
Aguardo sua opinião.
Até +
Prezada Luiza,
Como você não deixou seu e-mail e não sei como responder aos comentários, resolvi escrever aqui mesmo, em atenção à sua mensagem gentil. Para lhe ser sincero, li o livro há algum tempo (2000) e já não me recordo mais dos detalhes finais. Todavia, parece-me que a relação entre Hannibal e Starling é bastante problemática. Minha inquietação reside no fato de o Ridley Scott não ter mostrado que ambos terminam juntos ao final do livro, em Buenos Aires, no Teatro Colón. Acho que o final do livro poderia muito bem ser adequado ao filme.... Relativamente às suas observações, vou refletir. Parabenizo-a pela atenção a detalhes que podem ter relevância na interpretação do filme. Espero que leia esse comentário. Visite o blog sempre que puder. Abraços. Roberto.
Pois é, eu terminei de ler o livro ontem a noite, e fiquei com a mesma impressão que a Luiza: Starling ficou com Hannibal por estar hipnotizada.
Enfim, eu havia visto o filme antes de ler o livro, mas já faz muito tempo. Tanto que eu, ao ler, relembrava do Silêncio dos Inocentes, sem fazer ligação nenhuma ao próprio filme de Hannibal. Nem sequer lembrava que o final era diferente. E, na minha opinião, o final do livro é muito bom. Não esperava por nada daquele tipo, e foi o final que me fez realmente me apaixonar pela história.
Izze,
É isso aí.... o final do livro é realmente marcante. Não me recordo se o Thomas Harris sugere, ao longo do texto, que os dois terminariam juntos. Todavia, é mesmo muito bacana....
Abraços
Roberto.
Eu adoro essa história do Hannibal tanto o flme quanto o livro tenho eles e ainda assisto e reli certos pedacinhos q gostaria de me lembrar. Também prefiro o final do livro ficaria otimo no livro e tb assim como vcs percebo omo mudou o comportamento de Clarice, não parece a "mesma pessoa".
O dvd q tenho é uma edição especial e vem com o 2° disco so de extras, traillers, cenas deletadas (varias do livro), é otimo deviam ver!
E eu gosto dele é fascinante "le tem modos perfeitos não é rigido, é tranquilo, educado"
Bjuss
ahhh baxei as musicas dele inclusive "Vide cor Meum" e "Aria da Capo" toca no piano linda!
nefertari_djed@yahoo.com.br
Eu acho o final do livro intragável!!!! A solução do "final" para o filme pode não ter sido o melhor, mas chegou quase lá!!!
Eu acho o final do livro intragável!!!! A solução do "final" para o filme pode não ter sido o melhor, mas chegou quase lá!!!
Eu acho o final do livro intragável!!!! A solução do "final" para o filme pode não ter sido o melhor, mas chegou quase lá!!!
Eu acredito que Clarice não ficou com Hannibal por estar hipnotizada. Em primeiro lugar, Lecter estava tentando fazer lavagem cerebral em Starling para que ela se tornasse sua falecida irmã Mischa (por quem ele possuía um complexo parecido com o que Clarice tinha com seu pai) e não sua amante e esposa. Durante todo o decorrer do livro, vemos a decadência moral de Starling causada pelas diversas decepções que teve com a corrupção existente no FBI. Isso faz Clarice repensar todos os seus conceitos e morais, mas sem nunca deixar de ser quem ela é. A força da personalidade de Starling é evidente e isso atraiu Lecter, a única pessoa que a valorizava e lhe dizia a verdade enquanto todos a desprezavam. Harris deixa o final ambíguo, mas a ideia de Hannibal e Clarice vivendo felizes em Buenos Aires é um desfecho perfeito para a tensão sexual e obsessão mútua entre a agente do FBI e o serial killer construídas desde seu primeiro encontro em O Silêncio dos Inocentes.
Aí concordo eu queria que eles ficassem juntos.
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