Conversa
(Narrativa do diálogo que se seguiu a qualquer uma
das opções)
Pronto: morri. Não importa como.
Olhei para Ele e fui logo
perguntando:
- E o meu filme?
- Que filme?
- Aquele que todo mundo vê
quando morre.
Ele não entendeu. Olhou para mim
meio desconfiado.
- Filme?
- É, filme. O filme da minha
vida, com cada momento, desde o meu nascimento até a morte.
Ele ficou impassível. Sabia que
eu ficaria irritado.
- Vamos lá. Vou ser claro com o
Senhor. Eu morri e tenho direito a rever minha vida. Quero ver como eu era
quando criança. O senhor sabe: até os cinco anos, a gente não guarda nada na
memória. Imaginei que ao morrer pudesse me ver com as fraldas sujas, mijado,
cagado...
- Sei.
- E mesmo depois. Também quero
relembrar o que já sei. Sentir de novo algumas sensações. A primeira paixão, o
primeiro beijo, o desespero naquela tarde de dezembro.
- Você supõe que alguém tenha
filmado tudo isso?
Inconformado, e numa clara
demonstração de arrogância, alteei a voz com Ele:
- Mas é claro! Se da vida não
restar ao menos um filme, não valeu nada.
Ele só meneava a cabeça.
- Eu tenho direito a uma
diversão! Ou será que a vida era só aquilo?
- Aquilo?
- É. Aquilo. Aquilo mesmo que o
Senhor sabe. Aliás, o Senhor sabe do que eu estou falando: trabalho, família,
restrições, concessões, infortúnios. E alguma alegria, é bem verdade.
Àquela altura da conversa, meu
tom não era amistoso. Pensei até que Ele pudesse lançar um “Você sabe com quem
está falando?”. Mas, não. Ele jamais agiria assim.
Sempre ouvi dizer que a
negociação é o melhor caminho. Meu professor de Ciência Política dizia que a
gente deve negociar, mesmo que seja com um pau na mão. Evidentemente, com Ele
não adiantaria nem a negociação, nem o pau.
Ele continuou quieto, me
observando.
- E então? Vai rolar a sessão?
- O filme? Você quer dizer “o
filme”?
- Isso. O filme. Tem projeção
digital, som double, tela grande?
Ele é realmente generoso. Deu
uma risada serena e disse que pensaria no assunto.
(continua)
Links relacionados: Primeira opção, Segunda opção e Terceira opção
Um comentário:
Muito bom!
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