sexta-feira, 16 de maio de 2014

Conversa

Conversa
(Narrativa do diálogo que se seguiu a qualquer uma das opções)

Pronto: morri. Não importa como.
Olhei para Ele e fui logo perguntando:
- E o meu filme?
 - Que filme?
- Aquele que todo mundo vê quando morre.
Ele não entendeu. Olhou para mim meio desconfiado.
- Filme?
- É, filme. O filme da minha vida, com cada momento, desde o meu nascimento até a morte.
Ele ficou impassível. Sabia que eu ficaria irritado.
- Vamos lá. Vou ser claro com o Senhor. Eu morri e tenho direito a rever minha vida. Quero ver como eu era quando criança. O senhor sabe: até os cinco anos, a gente não guarda nada na memória. Imaginei que ao morrer pudesse me ver com as fraldas sujas, mijado, cagado...
- Sei.
- E mesmo depois. Também quero relembrar o que já sei. Sentir de novo algumas sensações. A primeira paixão, o primeiro beijo, o desespero naquela tarde de dezembro.
- Você supõe que alguém tenha filmado tudo isso?
Inconformado, e numa clara demonstração de arrogância, alteei a voz com Ele:
- Mas é claro! Se da vida não restar ao menos um filme, não valeu nada.
Ele só meneava a cabeça.
- Eu tenho direito a uma diversão! Ou será que a vida era só aquilo?
- Aquilo?
- É. Aquilo. Aquilo mesmo que o Senhor sabe. Aliás, o Senhor sabe do que eu estou falando: trabalho, família, restrições, concessões, infortúnios. E alguma alegria, é bem verdade.
Àquela altura da conversa, meu tom não era amistoso. Pensei até que Ele pudesse lançar um “Você sabe com quem está falando?”. Mas, não. Ele jamais agiria assim.
Sempre ouvi dizer que a negociação é o melhor caminho. Meu professor de Ciência Política dizia que a gente deve negociar, mesmo que seja com um pau na mão. Evidentemente, com Ele não adiantaria nem a negociação, nem o pau.
Ele continuou quieto, me observando.
- E então? Vai rolar a sessão?
- O filme? Você quer dizer “o filme”?
- Isso. O filme. Tem projeção digital, som double, tela grande?
Ele é realmente generoso. Deu uma risada serena e disse que pensaria no assunto.

(continua)