“Dormia a
nossa pátria mãe tão distraída,
Sem perceber
que era subtraída
Em tenebrosas
transações”
(Chico
Buarque)
Quando ouvi
que a Dilma havia sido reeleita Presidente do Brasil, tal como reza o senso
comum, pensei: “cada povo tem o representante que merece”. Depois, vendo os
números da apuração, pensei, em tom de pilhéria, que somente metade da população
tem o representante que merece. Segundo esse estapafúrdio raciocínio, nossa presidente
careceria da legitimidade necessária à assunção do cargo. Naturalmente, tudo
isso não passa de brincadeira. Afinal, o processo eleitoral transcorreu sem que
indícios razoáveis de fraude tenham sido verificados. Dilma é, portanto, uma representante
legítima do povo brasileiro. Por mais quatro anos, salvo se houver alguma
intercorrência legal que possa cassá-la, viveremos sob os auspícios dessa
senhora.
Que esse fato
não me agrade não é novidade. O que talvez seja novidade é maneira pela qual
venho pensando a política.
Sempre
descrevi aqui mesmo (vide links abaixo) minhas convicções sobre a política.
Manifestei votos, pugnei pela necessidade de se promover discussões respeitando
a diversidade ideológica e, mais do que tudo, demonstrei minha frontal
contrariedade à postura de quem prega os votos nulo e branco.
Num passado
não muito distante, costumava a acreditar que os partidos políticos eram
instrumentos de transformação social, capazes de organizar a política e
administrar o dissenso. Acreditava também que, à exceção da cultura, não
haveria outro caminho que não o político para a transformação da sociedade.
Defluía daí minha insistência para que se assumisse, mesmo diante de opções
eleitorais não satisfatórias, o compromisso do voto. Todos deviam prestigiar o
instituto da representatividade política.
Não foram
poucas as vezes em que me insurgi contra opiniões que derivavam do senso comum.
“Cada povo tem o representante que merece”, “políticos são todos farinha do
mesmo saco”, “Os políticos usam dos partidos para obter vantagens pessoais” e
“Não há político que preste, todos são bandidos” foram máximas que rechacei de
pronto, convicto de que havia alguns vocacionados e dispostos a atingir o
objetivo da política, o bem comum.
Devo confessar
que grande parte das minhas convicções eram sustentadas pela práxis de um
partido político que honrava seu discurso. Tratava-se de um partido que lutava
pela ética na política, que não fazia acordos com meras intenções eleitoreiras
e que chegava até mesmo a recusar alianças consideradas espúrias em nome da
coerência com sua plataforma ideológica.
A um rapaz que
participaria da primeira eleição direta depois dos longos anos do regime de
exceção era extremamente sedutora a ideia de que aquele partido poderia romper,
em alguma medida, com as práticas fisiológicas, com o nepotismo que sangrava a
máquina pública, com o costume do caudilho, com um passado abominável, enfim.
No voto da eleição de 1989 depositei muita esperança, sobretudo porque era
preciso combater o adversário, àquela altura dos acontecimentos um lídimo
representante de todas as práticas nefastas acima aludidas.
Nas eleições
subsequentes, já com muitas ressalvas, ainda houve esperança. O discurso
continuava sedutor. As metas eram explícitas e ditas com todas as letras: minar
a hiperinflação, minimizar as disparidades sociais, proporcionar condições
dignas à massa de brasileiros que vivia abaixo da pobreza, erradicar o
analfabetismo e distribuir a renda!
O Brasil,
diziam, precisava crescer por si só, “jamais dando o peixe, mas ensinando o
povo a pescar”. Reproduzia-se essa máxima à larga. O assistencialismo era quase
um palavrão, uma afronta ao rigoroso – quase inexorável – estratagema
ideológico de desenvolvimento social. Com invejável habilidade, o líder máximo
dessa agremiação política convenceu muita gente.
E tinha mais: seus
asseclas enchiam a boca para dizer que aquele era o único partido ético, alheio
às práticas obscuras da política tradicional, da velhacaria que se praticava amiúde
no país. Pugnava-se pela fidelidade partidária, pela coerência ideológica das
alianças eleitorais. Em tudo o partido era digno de elogios.
Veio,
finalmente, o poder. A esperança venceu o medo, disseram. E, então, começou o
pesadelo. O cumprimento das promessas anteriormente jogadas à população se mostrou
inviável. O governo do sempre ético Partido dos Trabalhadores ficou refém da
política econômica tão criticada por ele mesmo. Aos poucos, o partido mostrou-se
contaminado por um sem-número de atitudes suspeitas.
Evidentemente,
já estava em curso um discreto processo de aparelhamento do Estado brasileiro. Nas
gestões dos executivos municipais não se deixou de verificar o velho nepotismo,
outrora acidamente criticado pelo partido. A hipocrisia do discurso era
patética. No âmbito federal, alguma coisa acontecia sem que Luiz Inácio “soubesse
de nada”.
O “mensalão“
rompeu qualquer dúvida à época existente sobre a idoneidade de muitos políticos
do Partido dos Trabalhadores. Rompeu, também, com a aura da pureza e da
honestidade que, pensava-se, pertencia a poucos. Caiu por terra a crença de que
aquele era um partido afeiçoado à ética na política. Luiz Inácio continuou a reivindicar
o monopólio da moralidade pública. Com inenarrável desfaçatez afirmou: “Ninguém
neste país tem mais autoridade moral e ética do que nosso partido. Admitimos
que tem gente igual a nós, mas não admitimos que tenha melhor”. Quem não
conseguiu rir, certamente foi capaz de chorar.
O julgamento
da ação penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal não deixou dúvidas sobre a
ilicitude das atividades desempenhadas por líderes do Partido dos
Trabalhadores, alguns dos quais sempre se orgulharam por terem lutado pela
democratização do Brasil. Eles, que supostamente tanto fizeram por uma sociedade
democrática, foram condenados por ajudá-la a se corromper. Quanta ironia!
O maior
esquema de corrupção praticado no Brasil não foi uma fantasia como querem
muitos petistas. Sua apreciação pelo Poder Judiciário não demonstrou a
existência de nenhum tribunal de exceção. É muito difícil convencer os donos da
verdade sobre a impessoalidade das normas jurídicas. Para eles sempre haverá
uma exceção. Eles são a exceção. Por
isso, a regra jamais poderá ser aplicada em relação a eles.
Vivenciando todo
esse cenário, somente um insensível não seria capaz de repensar suas
convicções. Pois eu, agora, não me tornei adepto das máximas do senso comum.
Não entendo que políticos sejam, todos, iguais e inescrupulosos. Mas não posso
deixar de afirmar que já não me importo mais com a escolha de uma plataforma
partidária e tampouco julgo um político pelo partido ao qual ele está
vinculado.
Fidelidade partidária
e coerência ideológica não fazem mais parte dos critérios que utilizo para
escolher algum representante. Continuo acreditando – não sei por quanto tempo –
que os votos nulo e branco não devem ser utilizados. Insisto na necessidade de
uma escolha, ainda que ela não nos satisfaça plenamente.
De forma
talvez corajosa – ou ingênua! – sigo acreditando que há políticos interessados
em transformar a sociedade em que vivemos. Ainda há aqueles que “vivem para a política” e não “vivem da
política”, como diria Weber.
Embora desiludido, continuo confiante.
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