Terceira opção - Roberto Barbato Jr
A terceira opção é pouco
provável e talvez não passe mesmo de um sopro de esperança. Como o momento da
transcendência deve ser precedido pela narrativa da vida pretérita, pintemos um
quadro animador. Afinal de contas, sonhar é gratuito e, a rigor, não faz mal
nenhum.
Durante toda a minha vida,
não houve um momento sequer de privação material. Sempre tive o que queria.
Para mim, querer era poder. Em virtude disso, não precisei trabalhar
arduamente. Como filho de uma família aristocrata e muito abastada, entendi,
desde cedo, que fazer firula era um meio de vida. Apenas para não ficar
desagradável aos olhos dos menos afortunados, fingia lograr algum tipo de
atividade laborativa. Isso mesmo, simular o trabalho era quase uma necessidade
para privar de algumas companhias que me apeteciam. Mera forma de socialização.
Sabe-se que o dinheiro não
compra felicidade e, bem ao contrário do que dizem por aí, não manda buscá-la.
É certo que também é incapaz de adquirir saúde. Mas que ajuda, isso ajuda. O
meu caso é exemplar. Fiz esportes, alimentei-me bem, dormi a contento e pude
desfrutar de excelente orientação médica. Nunca fumei, não usei drogas e quando
ousei beber, era apenas para degustar, com parcimônia, o sabor de algum vinho.
A genética, componente fundamental desse processo virtuoso, sempre me foi
favorável. Hoje, com a idade já avançada, não tive nenhum diagnóstico de
qualquer doença degenerativa, nenhuma ocorrência de neoplasia e tampouco
adversidades de ordem cardíaca. Minha lucidez é constantemente aprovada pelos
meus netos. Eles adoram me testar.
Como este relato vai remanescendo enfadonho, resolvo encerrá-lo, não sem antes assinalar
que amei, constante e intensamente. Construí família digna de inveja. Uma prole
unida, sem desvios ou qualquer tipo de desventura significativa.
Agora, cabe-me apenas
projetar o que virá. Numa tarde de sexta-feira, em pleno outono, estarei na
sala de casa. Será um cômodo bem asseado, com acústica ímpar. Quase deitado no sofá,
após sorver uma taça de tinto e degustar um Monte Cristo, ficarei, uma vez
mais, encantado com a melodia da música que estará grassando pelo infinito, sem
nenhuma interferência. Ao meu lado, aberto no capítulo do Paraíso, repousará um
exemplar da Divina Comédia. Beatriz
estará ali para conduzir Dante, tal como desejei que me acontecesse na primeira opção.
Já em estado de torpor,
algum desconforto anestesiado irromperá subitamente dentro de mim. Com a
placidez de quem realmente merece descanso sem sofrimento, tombarei a cabeça
para o lado. Meu corpo aguardará estático e rijo até que alguém tenha ciência do
meu fim.
Em tempo: é óbvio que esta
narrativa padece de um sério problema: a omissão da música que estará tocando
no momento da partida. Deixarei uma lista aqui na próxima semana. Mas, desde
já, aguardo sugestões.
Um comentário:
Tem que ta tocando "My Way" do Sinatra, ou "Beatriz" do Circo Mistico!
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