sábado, 2 de fevereiro de 2013

Segunda opção


Segunda opção - Roberto Barbato Jr

Meu corpo já putrefaz. Bebi, fumei, experimentei ervas e essências. Um sedentário incomparável. Nunca segui uma prescrição médica. Por décadas, dormi mal e pouco. Materialmente também sou uma catástrofe. Gastei tudo o que ganhei, sem pudor. Não acumulei, não projetei, não previ. Vivia a oportunidade do momento. Pagava o almoço, o aluguel e as putas. O que entrava, saía.

O futuro ainda não existia.

Agora, estou convicto de que já vivi mais da metade da minha vida. Daqui para frente, o caminho será pesaroso. Sujeitar alguém a viver é o pior castigo. Muito pior que a morte. Não é isso que dizem?

Não terei mulher. Meus filhos não saberão onde estarei. A dona da pensão a que serei relegado, depois de alguma paciência, vai me despejar por motivos óbvios: meus serviços não lhe serão mais úteis. Sem alternativa, desembocarei num abrigo municipal, ávido por uma sopa e um cobertor capaz de me ensejar alergia. Serei alocado em um cômodo fétido, recendendo a urina. Minha cervical, quase pó de osso, não me permitirá dormir. Anti-inflamatórios me serão negados, sob a desculpa de que a verba para remédios foi há muito cortada pelos gestores da coisa pública (justo pra mim que, um dia, acreditei no Estado). Quando chegar o verão, a coluna de certo vai melhorar, mas os pernilongos e as baratas farão a festa. Malditos.

Eu sei, eu sei. Esse cenário é quase idílico diante das doenças que estarão em curso. Males, síndromes degenerativas e infecções de toda sorte. Dor de verdade, sem nenhuma droga para aplacar. Com a superveniência de uma isquemia, metade do meu corpo ficará paralisado e eu sucumbirei na cama. Ficarei todo cagado, mijado, esperando que alguém me limpe. Será insuportável.

Só, então, vou me arrepender de não ter agarrado a primeira opção. Seguirei desgraçadamente acordado. E vivo.

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