Lembro-me de ter lido na Folha de S. Paulo, não sei quando, um artigo de um cronista – ou colunista – cujo nome também não me recordo. Nele, o autor discorria sobre os dissabores de quem está de um lado específico da sociedade capitalista: o empresário.
Argumentava que, a despeito de obter o lucro da produção ou comercialização, o empresário – ou burguês, para usarmos a terminologia marxista – trabalhava sobremaneira. Sua tarefa não consistia apenas em auferir os lucros derivados da exploração da força de trabalho alheia, mas estava baseada na própria atividade laborativa. Em suma, o capitalista, para ser bem sucedido e manter seus negócios em atividade, tinha que trabalhar muito. Talvez até mais que o próprio operário. Não bastasse isso, levava para casa uma série de preocupações, como a necessidade de pagamento dos funcionários, de compra de matéria-prima, a possibilidade de atingir as metas traçadas, o fechamento do mês, enfim.
Já o operário, embora trabalhasse arduamente durante todo o mês, não tinha inquietações como essas. Não carregava para o ambiente familiar os fantasmas das planilhas e os cálculos sempre atormentados. Bastava que pusesse em ação sua força de trabalho durante a jornada de trabalho e fosse para sua casa descansar entre um dia e outro (fácil, né?). Ao final da semana, teria seu sossego: não deixaria de dormir pensando em contas, na organização de sua empresa, no trato com os funcionários. Tomaria sua cervejinha e assistiria ao seu sagrado futebol. Também ao final do mês, fosse qual fosse o lucro gerado para seu patrão, teria seu salário pago.
Para não estender mais (ou talvez fantasiar, dado que as recordações sobre o texto vão me escapando), o autor mostrava que ser capitalista, hoje em dia, é quase tão penoso quanto ser operário.
É claro que ele não deixa de ter um pouco de razão sobre o dispêndio de esforços que o capitalista precisa empreender em seu negócio. É sabido que a administração dos negócios particulares demanda tempo, paciência e, sobretudo, muito equilíbrio. É preciso uma boa dose de organização e racionalidade para ser empresário. Tratar com clientes, fornecedores e prestadores de serviços não é tarefa fácil....
Tirante essa pequena ressalva, a essência do artigo me sugeriu uma inequívoca piada de mal gosto. Não entremos aqui nos detalhes da exploração capitalista tão bem explicada pelo velho Marx. Não será preciso lembrar que, ao vender sua força de trabalho, o operário produz o necessário para o pagamento de seu salário (que deveria, em tese, prover sua subsistência de modo digno) e o desproporcional lucro capaz de manter toda a empresa em pé e, ainda, resultar num enorme quinhão financeiro para seu patrão. Também não será necessário recordar de que maneira a extração da mais-valia é feita no mundo moderno. Tampouco valerá a pena lembrar as condições de trabalho a que são submetidos os operários ainda hoje e todas as consequências da atividade alienante que desempenham em seu cotidiano, seja na indústria, no comércio, na área educacional.... Para o nobre articulista, o que realmente importava eram os esforços do capitalista, sua dedicação ingente, seu compromisso para com a saúde de sua empresa!
Qual é a razão de escrever aqui algo sobre um artigo tão antigo quanto desconhecido? Outro dia, ouvi um patrão queixar-se a um de seus empregados da chateação é que ter de lidar com seus clientes, sempre ávidos por resultados exitosos. Atender ao celular para prestar algumas informações sobre o andamento do serviço contratado era uma tarefa assaz desagradável. Além disso, havia a desgastante tarefa de cobrar pelo serviço avençado, já que muitos de seus clientes estavam inadimplentes. Já o funcionário, não precisava fazer nada disso. A ele, bastava trabalhar! Simplesmente trabalhar....
Ali diante de seu patrão, o funcionário parecia um vilão, um monstro a arruinar a vida do empresário que lhe parecia, cada vez mais, um coitado.
Quase chorei! Até hoje estou com pena daquele patrão....
Um comentário:
Barbato, e oque temos a dizer a respeito da "terceirização" do papel do burguês, ou empresário. Executivos, gerentes, ou 'meros' vendedores que acabam por assumir as preocupações, as metas, e até mesmo a receber comissões de acordo com o trabalho realizado e alcançado. Também não há uma certa inversão? Estes proletários estão sendo pagos então para assumir o papel do emrpesário e a ele garantir determinado lucro? Com a terceirização desta responsabilidade, qual seria o papel do empresário senão provir os meios de produção e o capital inicial? Gostei muito do artigo, me fez pensar. Apesar de confuso o meu devaneio.
Abraços, Marília (Metrocamp)
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