Tio Harlan 5: o Grande Sábio - Roberto Barbato Jr
Por que o tio Harlan foi preso? A história é longa.... Além de filho da puta, alcoólatra e papudo, ele já foi, também, estelionatário. Pegou cana, no duro.
Foi assim. O Elias, que era um amigo esperto do tio Harlan, o chamou para montar um negócio de muita rentabilidade e pouco investimento. O capital a ser empregado pelo grande Harlan seria sua inteligência, seu próprio talento. Nada melhor para alguém que se supõe um gênio. É claro que mesmo antes de saber do que se tratava, a mula aceitou o negócio. Já disse, de chofre, que o Elias podia contar com ele incondicionalmente. “Se a minha participação no negócio é o meu talento, tô dentro” (as rimas do tio Harlan....).
O negócio consistia em arrebanhar uma quantidade considerável de pessoas que estivessem dispostas a acreditar no poder da palavra. Palavra de Deus, é óbvio. O tio Harlan, com sua enorme capacidade de persuasão, seria o representante do Senhor na terra, um demiurgo contemporâneo. Naquela época estavam pipocando religiões as mais diversas e o que não faltava no Brasil era igreja. Tinha mais igreja do que farmácia, ótica e padaria.
O tio Harlan treinou para ser pastor: leu a Bíblia inteira em seis meses, estudou técnica vocal, impostação de voz e resolveu adotar aquele sotaque dos pastores, com erre arrastado e tudo. Depois, encomendou uns ternos sóbrios, pôs aliança na mão esquerda – o casamento com Deus era de rigor – e assumiu sua nova identidade: virou pastor.
Enquanto ele fez tudo isso, o Elias preparou a infraestrutura do negócio. Alugou um pequeno terreno em que eram feitas as quermesses anuais do bairro. Ali tinha um palco, um microfone, um amplificador e duas caixas de som robustas. Dava para fazer um estrago considerável com aquele equipamento.
A data do primeiro culto foi divulgada por meio de anúncios pequenos, distribuídos nas ruas. A ideia era simples: convocar a vizinhança para conhecer a palavra do grande sábio.
“Culto da Igreja do Grande Sábio: a palavra da verdade”
“Sábado, às 18h30 no espaço comunitário do bairro Santa Clara”.
O Grande Sábio revelaria a palavra da verdade. Ninguém imaginou, contudo, que o grande sábio fosse o tio Harlan. Todos imaginavam que se tratasse de Deus.
O culto demorou uma hora. Não é que o tio Harlan deu conta do recado? Durante o tempo em que estava lá falando, o Elias arrecadava dinheiro para as obras da Igreja do Grande Sábio. O valor arrecadado foi bom, mas ainda havia muito a ganhar. Na quarta semana, há tinha gente de outros bairros participando do culto. Era o momento de inovar: com seu incrível talento para negócios, o tio Harlan contratou um grupo musical e encomendou umas músicas religiosas. O Grande Sábio era tema de todas elas. Virou um herói.
Após um ano, o terreno em que eram realizados os cultos já era insuficiente pra acomodar tanta gente e as obras da igreja nem sonhavam em começar. O dinheiro estava todo aplicado. Alguma atitude tinha que ser tomada.
O momento era aquele: tio Harlan e Elias decidiram resgatar as aplicações, dividir a grana arrecadada e partir para Portugal, onde também criariam, em uma cidadezinha qualquer, a Igreja do Grande Sábio. Enganar português é muito mais fácil, pensavam os dois.
Quando estavam prontos para deixar o Brasil, o Elias mudou os planos. Pegou todo o dinheiro para si e foi para o Paraguai, de carro. Deixou um bilhete para o amigo: “A sabedoria é uma virtude”. Nunca mais veria o tio Harlan e tampouco os fiéis da Igreja do Grande Sábio.
Pobre e incapaz de sustentar aquele esquema fabuloso, tio Harlan caiu em desgraça: não conseguiu se explicar para os fiéis e enfiou a cara na bebida. Foi acusado de estelionato e, sem que pudesse contratar um bom advogado, foi condenado e preso. Ninguém acreditou!
Tio Harlan entrou para a história: foi o único – repito: o único – pastor do Brasil que abusou da boa-fé alheia e se fodeu. Grande tio Harlan....
"Modelando o artista ao seu feitio/ O tempo, com seu lápis impreciso/ Põe-lhe rugas ao redor da boca/ Como contrapesos de um sorriso. "Tempo e artista" - Chico Buarque/1993
sexta-feira, 24 de junho de 2011
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Grandes interpretações
Voltando à brincadeira das listas (livros, filmes, músicas, etc), resolvi fazer uma de grandes músicas intepretadas por grandes músicos. Não se trata de intepretações definitivas, mas apenas especiais.
A brincadeira é simples: não vale música interpretada por seu compositor e tampouco se admite repetir o intérprete.
Vamos lá:
“Sala de Recepção”, de Cartola, por Chico Buarque
“Modinha (Seresta)”, de Villa-Lobos e Manuel Bandeira, por Tom Jobim
“Retrato em branco e preto”, de Chico Buarque, por Ney Matogrosso e Raphael Rabello
“Olha, Maria”, de Chico Buarque, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, por Milton Nascimento
“As rosas não falam”, de Cartola, por Paulinho da Viola
“Preconceito”, de Wilson Batista e Marino Pinto, por João Gilberto
“Berimbau”, de Baden Powell, por Toquinho
“Desafinado”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, por João Bosco
“A correnteza”, de Tom Jobim, por Djavan
“Folhetim”, de Chico Buarque, por Gal Costa
"Molambo", de Jayme Florence e Augusto Mesquita, por Yamandú Costa e Dominguinhos
“Olhos nos olhos”, de Chico Buarque, por Maria Bethânia
“O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, por Elis Regina
“O mundo é um moinho”, de Cartola, por Olivia Byington
“Dança da solidão”, de Paulinho da Viola, por Marisa Monte e Gilberto Gil
"Coração vagabundo", de Caetano Veloso, por Ana Canas
“The very thought of you”, de Nat King Cole, por Etta James
“Dream a little dream of me”, de Kahn / Schwandt-Andre, por Zizi Possi
“You don’t know me”, de Cindy Walker e Eddy Arnold, por Ray Charles
“So in Love”, de Cole Porter, por Caetano Veloso
“Every time we say goodbye, de Cole Porter”, por Ella Fitzgerald
“Love for Sale”, de Cole Porter, por Billie Holliday
“I only have eyes for you”, de Harry Warren/Al Dubin, por Frank Sinatra
“Requiem”, de Mozart, pela Filarmônica de Berlin (regência de por Herbert von Karajan)
”My pledge of Love”, de The Joe Jeffrey Group, por Nando Reis
“We can’t work it out”, dos Beatles, pelo Deep Purple
“Crazy”, de Seal, por Allanis Moressette
Cometi alguma injustiça? Esqueci alguma música? Mandem sugestões!
A brincadeira é simples: não vale música interpretada por seu compositor e tampouco se admite repetir o intérprete.
Vamos lá:
“Sala de Recepção”, de Cartola, por Chico Buarque
“Modinha (Seresta)”, de Villa-Lobos e Manuel Bandeira, por Tom Jobim
“Retrato em branco e preto”, de Chico Buarque, por Ney Matogrosso e Raphael Rabello
“Olha, Maria”, de Chico Buarque, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, por Milton Nascimento
“As rosas não falam”, de Cartola, por Paulinho da Viola
“Preconceito”, de Wilson Batista e Marino Pinto, por João Gilberto
“Berimbau”, de Baden Powell, por Toquinho
“Desafinado”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, por João Bosco
“A correnteza”, de Tom Jobim, por Djavan
“Folhetim”, de Chico Buarque, por Gal Costa
"Molambo", de Jayme Florence e Augusto Mesquita, por Yamandú Costa e Dominguinhos
“Olhos nos olhos”, de Chico Buarque, por Maria Bethânia
“O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, por Elis Regina
“O mundo é um moinho”, de Cartola, por Olivia Byington
“Dança da solidão”, de Paulinho da Viola, por Marisa Monte e Gilberto Gil
"Coração vagabundo", de Caetano Veloso, por Ana Canas
“The very thought of you”, de Nat King Cole, por Etta James
“Dream a little dream of me”, de Kahn / Schwandt-Andre, por Zizi Possi
“You don’t know me”, de Cindy Walker e Eddy Arnold, por Ray Charles
“So in Love”, de Cole Porter, por Caetano Veloso
“Every time we say goodbye, de Cole Porter”, por Ella Fitzgerald
“Love for Sale”, de Cole Porter, por Billie Holliday
“I only have eyes for you”, de Harry Warren/Al Dubin, por Frank Sinatra
“Requiem”, de Mozart, pela Filarmônica de Berlin (regência de por Herbert von Karajan)
”My pledge of Love”, de The Joe Jeffrey Group, por Nando Reis
“We can’t work it out”, dos Beatles, pelo Deep Purple
“Crazy”, de Seal, por Allanis Moressette
Cometi alguma injustiça? Esqueci alguma música? Mandem sugestões!
sábado, 18 de junho de 2011
Billie Holiday
Billie Holiday nasceu em 1915 e morreu em 1959. Tinha, portanto, 44 anos. Sua voz ainda não havia passado por aquela metamorfose que torna maduro o timbre de quem canta. Há, nisso, um glamour singular, uma espécie de valor histórico que, de certa forma, contrapõe-se ao brilho estético almejado por tantos intérpretes.
Guardadas, bem ressalvadas as proporções devidas, é mais ou menos como ouvir as interpretações de Noel Rosa em sua própria voz: soa fraco, sem viço, sem beleza. Todavia, dá uma sensação, um ar de genialidade histórica insuperável. Talvez o mesmo se possa dizer dos primeiros discos do Chico: arranjos de sambas com coral e uma levada que ele não mais retomaria em suas obras subsequentes. A voz, também, algo fina e sem potência, marca presença naqueles trabalhos. Sim, eu sei que muitos dirão que ainda hoje isso é uma realidade. Deixemos para lá....
Em Billie nada soa grandioso senão a particularidade de sua voz e de suas interpretações. Salvo engano - e segundo informações de um grande admirador -, ela não participou de nenhuma grande produção, de nenhum projeto musical de requinte. Sua vida faz parte daquele submundo cuja descrição muitas vezes nos chegou por meio das telas cinematográficas: o mundo do jazz, do Harlem, da prostituição, do álcool barato, do fumo ordinário e das drogas que a levaram à ruína. Nela, tudo é underground, quase tudo recende a melancolia e a depressão. Sua voz fina na trilha de filmes antigos conjuga, com maestria, a estética musical com o fundo histórico de uma época que produziu grandes gênios da música.
Foi, pois, uma vontade de ouvir o tal “glamour singular” mencionado acima que, recentemente, despertou-me a curiosidade por sua obra. Bastou pouco tempo para chegar à conclusão que “Love for Sale” é uma das mais belas de suas interpretações. Creio que essa seja a única – repito: única – interpretação que ficou melhor em sua voz do que na voz da Ella, a maior cantora de todos os tempos, conforme já mencionei aqui, em 2008, no post Ella.
Há também outras preciosidades que Billie logrou gravar: “Lover Man”, “Easy to Love”, “Big Stuff”, “Georgia on my mind” e “Don’t Explain” (composição de sua lavra). Extasiante é o dueto com o velho e bom Louis Armstrong em “My Sweet Hunk O’Trash”. Vale a pena ouvir!
Pois é.... agora, mais essa: apaixonado pela Billie também.
Guardadas, bem ressalvadas as proporções devidas, é mais ou menos como ouvir as interpretações de Noel Rosa em sua própria voz: soa fraco, sem viço, sem beleza. Todavia, dá uma sensação, um ar de genialidade histórica insuperável. Talvez o mesmo se possa dizer dos primeiros discos do Chico: arranjos de sambas com coral e uma levada que ele não mais retomaria em suas obras subsequentes. A voz, também, algo fina e sem potência, marca presença naqueles trabalhos. Sim, eu sei que muitos dirão que ainda hoje isso é uma realidade. Deixemos para lá....
Em Billie nada soa grandioso senão a particularidade de sua voz e de suas interpretações. Salvo engano - e segundo informações de um grande admirador -, ela não participou de nenhuma grande produção, de nenhum projeto musical de requinte. Sua vida faz parte daquele submundo cuja descrição muitas vezes nos chegou por meio das telas cinematográficas: o mundo do jazz, do Harlem, da prostituição, do álcool barato, do fumo ordinário e das drogas que a levaram à ruína. Nela, tudo é underground, quase tudo recende a melancolia e a depressão. Sua voz fina na trilha de filmes antigos conjuga, com maestria, a estética musical com o fundo histórico de uma época que produziu grandes gênios da música.
Foi, pois, uma vontade de ouvir o tal “glamour singular” mencionado acima que, recentemente, despertou-me a curiosidade por sua obra. Bastou pouco tempo para chegar à conclusão que “Love for Sale” é uma das mais belas de suas interpretações. Creio que essa seja a única – repito: única – interpretação que ficou melhor em sua voz do que na voz da Ella, a maior cantora de todos os tempos, conforme já mencionei aqui, em 2008, no post Ella.
Há também outras preciosidades que Billie logrou gravar: “Lover Man”, “Easy to Love”, “Big Stuff”, “Georgia on my mind” e “Don’t Explain” (composição de sua lavra). Extasiante é o dueto com o velho e bom Louis Armstrong em “My Sweet Hunk O’Trash”. Vale a pena ouvir!
Pois é.... agora, mais essa: apaixonado pela Billie também.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Enfim, ao acordo ortográfico
“....nem uma mulher em chamas cede um beijo assim de antemão.
Há sempre um tempo, um batimento, um clima que a seduz”.
Lábia – Chico Buarque e Edu Lobo.
Jurei que até o último momento resistiria bravamente às imposições do acordo ortográfico, assinado pelo Luiz Inácio em 2009. No post “Acordo ortográfico, ainda”, publicado aqui em 23/06/2009, mencionei algumas impressões negativas e alguns problemas que supunha haver nas alterações feitas na “última flor do Lácio”.
Logo mais, completará dois anos que fiz a promessa. Até que resisti bem. Agora, entretanto, faltando pouco mais de seis meses para acabar o prazo determinado, decidi romper o prometido. Minha decisão defluiu de algo simples: como tudo exige um pouco de cautela, antecipação e preparo, entendo que seria melhor usar o segundo semestre para, por exemplo, acostumar-me à terrível ideia de escrever ideia sem acento ou escrever contrassenso sem hífen. Preciso iniciar aquela fiscalização básica que deve acontecer toda vez que logramos mudar de hábitos. Será difícil, mas, ainda contrariado, preciso tentar.
Geleia, assembleia, ideia, joia, heroico, feiura, coautor, corréu, benquerido, contrarrazões.... Espero chegar lá.
Como diz a música do Chico e do Edu, deve haver “sempre um tempo, um batimento”. O meu só começou agora....
Há sempre um tempo, um batimento, um clima que a seduz”.
Lábia – Chico Buarque e Edu Lobo.
Jurei que até o último momento resistiria bravamente às imposições do acordo ortográfico, assinado pelo Luiz Inácio em 2009. No post “Acordo ortográfico, ainda”, publicado aqui em 23/06/2009, mencionei algumas impressões negativas e alguns problemas que supunha haver nas alterações feitas na “última flor do Lácio”.
Logo mais, completará dois anos que fiz a promessa. Até que resisti bem. Agora, entretanto, faltando pouco mais de seis meses para acabar o prazo determinado, decidi romper o prometido. Minha decisão defluiu de algo simples: como tudo exige um pouco de cautela, antecipação e preparo, entendo que seria melhor usar o segundo semestre para, por exemplo, acostumar-me à terrível ideia de escrever ideia sem acento ou escrever contrassenso sem hífen. Preciso iniciar aquela fiscalização básica que deve acontecer toda vez que logramos mudar de hábitos. Será difícil, mas, ainda contrariado, preciso tentar.
Geleia, assembleia, ideia, joia, heroico, feiura, coautor, corréu, benquerido, contrarrazões.... Espero chegar lá.
Como diz a música do Chico e do Edu, deve haver “sempre um tempo, um batimento”. O meu só começou agora....
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