Como já escrevi vários posts que versam sobre a língua portuguesa, é possível que dê a impressão de que reivindico um posto que não é meu e que jamais – jamais mesmo! – desejei: o de comentador sobre a Língua Portuguesa.
O professor Pasquale, tão conhecido da população brasileira, tem grandes méritos ao difundir algumas dicas e regras do nosso idioma. Não tenho dúvida de que exerça aquilo que Gramsci qualificou como "sentimento nacional-popular", ou seja, "a consciência de uma missão dos intelectuais para com o povo". Em outros termos, o professor Pasquale cumpre a função de difundir e vulgarizar (atente-se para o real significado do termo) a língua portuguesa. Para um país como o nosso, ainda com milhares de analfabetos, essa é uma iniciativa realmente nobre.
Feitos os esclarecimentos necessários, manifesto minha intenção de criar mais uma coluna de sucesso no blog. Trata-se da coluna "Língua Brasileira".
Poderia parecer um contra-senso que, na iminência de vigorar o acordo ortográfico entre países lusófonos, alguém se dispusesse a recusar a existência de uma língua portuguesa. Não se trata disso, em absoluto.
Para justificar a expressão "Língua Brasileira" bastaria reconhecer que, há tempos, o Brasil logrou romper com a dependência intelectual de Portugal. Em clássico ensaio, o mestre Antonio Candido notou que, com o advento do modernismo brasileiro, o diálogo com Portugal não "ia além da conversa de salão". Portugal deixou de constituir-se de referência lingüística para os brasileiros. Assim, no início do novecentos já não nos preocupávamos mais com injunções intelectuais da metrópole. Hoje, naturalmente, o assunto parece superado. Todavia, volvamos atenção ao que dizia Mário de Andrade.
Em seus fantásticos escritos do Diário Nacional, o líder modernista não se furtou a falar sobre o rompimento entre a língua brasileira e a língua de Portugal. Na crônica "Fala brasileira I", datada de 25/05/1929, asseverou:
"É por isso principalmente que possuímos língua brasileira. Tenhamos a coragem de acabar com sentimentalismos pelo menos inúteis. Nós estamos hoje, nacionalmente falando, por completo divorciados de Portugal. A língua que os dois países falam, prá grande maioria dos homens e das nações evoca o Brasil. Porque o Brasil importa atualmente mais que Portugal. (...) Coincidir ou não com a língua portuguesa e os termos vindo dela: não nos importa socialmente nada". (ANDRADE, Mário de. Táxi e crônicas no Diário Nacional, São Paulo: Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976, p. 112).
Creio que a citação de Mário, embora possa ressoar um tanto anacrônica e ter ares de resistência cultural hoje descabida, é mais do que suficiente para justificar o título da coluna Língua Brasileira!
Aproveito a deixa, para citar mais uma preciosidade do Mário sobre o embate entre Brasil e Portugal. Em carta a Manuel Bandeira, disse o poeta paulistano:
"Foi uma ignomínia a substituição do na estação por à estação só porque em Portugal paisinho desimportante pra nós diz assim. (...) Não estou pitorescando o meu estilo nem muito menos colecionando exemplos de estupidez. O povo não é estúpido quando diz 'vou na escola', 'me deixe', 'carneirada', 'manfiar', 'besta ruana', 'farra', 'vagão', 'futebol'. É antes inteligentíssimo nessa aparente ignorância porque sofrendo as influências da terra, do clima das ligações e contatos com outras raças, das necessidades do momento e da adaptação, e da pronúncia, do caráter da psicologia racial modifica aos poucos uma língua que já não lhe serve de expressão porque não expressa ou sofre essas influências e a transforma afinal numa outra língua que se adapta a essas influências". (ANDRADE, Mário de. Apud FERNANDES, Lygia (org.) - Setenta e uma Cartas de Mário de Andrade, Rio de Janeiro, Livraria São José, s.d., págs. 71, 72 e 73).
Alguém ainda tem dúvidas de que a língua deve ser um fenômeno vivo, fluido, mutável e útil?
Bom final de semana!
2 comentários:
Parabéns pelo texto. O português e o Brasileiro são dois idiomas distintos, tanto que pra maioria absoluta dos brasileiros é impossível entender um português. Sou brasileira e falo brasileiro. Não considero o português como MEU idioma. As línguas faladas nos dois lados do atlântico divergiram seguindo um processo de evolução completamente diferente e separado. Vários lingüistas defendem a separação de nosso idioma, escritores como Monteiro Lobato, José de Alencar, Oswald de Andrade etc defenderam o idioma brasileiro. O português e o brasileiro na fonética, no léxico, na morfologia são basicamente opostos. Eu não me incomodo quando dizem que falo brasileiro, pelo contrário, fico muito feliz.
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"A lei da evolução, de Darwin, estabelece que duas populações de uma espécie, se isoladas geograficamente, separam-se em duas espécies. A regra vale para a Lingüística. "Está em gestação uma nova língua: o brasileiro", afirma Ataliba de Castilho. Há quem seja ainda mais assertivo. "Não tenho dúvida de que falamos brasileiro, e não português", diz Kanavillil Rajagopalan, especialista em Política Lingüística da Unicamp. "Digo mais: as diferenças entre o português e o brasileiro são maiores do que as existentes entre o hindi, um idioma indiano, e o hurdu, falado no Paquistão, duas línguas aceitas como distintas." Kanavillil nasceu na Índia e domina os dois idiomas."
http://brasiliano.wordpress.com/2008/04/21/falamos-a-lingua-de-cabral/
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"No meu modo de ver as coisas, já é possível considerar o português do Brasil como uma língua românica de status igual ao do francês, do italiano, do espanhol etc.[…] Nenhuma língua, enquanto tiver gente falando ela, pode resistir às mudanças que ocorrem em suas estruturas com o tempo. Assim, passados 500 anos, tanto a língua de cá quanto a língua de lá se modificaram, cada uma delas numa direção, exibindo diferenças nessas mudanças, fazendo opções diferentes, escolhas diferentes. E a tendência, como indica o desenho, é à diferenciação sempre maior com o decorrer do tempo." Marcos Bagno -lingüista
http://brasiliano.wordpress.com/2008/04/25/de-%E2%80%9Cque-pais-que-povo-que-lingua%E2%80%9D/
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"O português e o 'vernáculo'(a língua falada pelos brasileiros) são, é claro, línguas muito parecidas. Mas não são em absoluto idênticas. Ninguém nunca tentou fazer uma avaliação abrangente de suas diferenças; mas eu suspeito que são tão diferentes quanto o português e o espanhol, ou quanto o dinamarquês e o norueguês. Isto é, poderiam ser consideradas línguas distintas, se ambas fossem línguas de civilização e oficialmente reconhecidas." Mário Perini-lingüista http://brasiliano.wordpress.com/2008/04/20/as-duas-linguas-do-brasil/
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"É uma violência inútil ajeitar-se uma idéia a um molde inadequado que a comprime, que a machuca, que a deforma, somente porque esse molde assentava bem a essa idéia há 100 anos passados.É martírio para a mocidade que aprende e humilhação para o mestre inteligente que ensina, esse bilingüismo dentro de um só idioma – essa unidade exterior, de superfície, de duas línguas que se repelem, a língua que falamos e a língua que escrevemos. [...]Nós, no Brasil, presos à gramática "portuguesa", somos vítimas de uma desintegração dolorosa de nós mesmos. [...]A língua brasileira, já ninguém discute isso, diverge da portuguesa;" Mário Marroquim-lingüista
http://brasiliano.wordpress.com/2008/09/01/ensinar-portugues-ou-estudar-o-brasileiro/
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Sabe aquela história de que falamos português? Pois bem, segundo o lingüista Nicolau Leite, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo aquilo não passa de nhenhenhém. Como nossa língua pode ser portuguesa se ela é formada por 30 000 vocábulos indígenas e mais de 3 000 palavras trazidas pelos escravos africanos do tronco banto? Nicolau Leite acha que nosso idioma é mesmo o brasileiro e que é absurdo tentar unificar as línguas com normatizações. O português, no fundo, foi só a casa de fundação da nossa língua, que recebeu e continua recebendo influências de todos os lados, afirma.
http://brasiliano.wordpress.com/2008/04/19/lingua-do-brasil/
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"Assim como o Português saiu do Latim, pela corrupção popular desta língua, o Brasileiro esta saindo do Português. O processo formador é o mesmo: corrupção da língua mãe." Monteiro Lobato
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A nossa gramática não pode ser inteiramente a mesma dos portugueses. As diferenciações regionais reclamam estilo e método diversos. A verdade é que, corrigindo-nos, estamos de fato a mutilar idéias e sentimentos que nos são pessoais. Já não é a língua que apuramos, é o nosso espírito que sujeitamos a servilismo inexplicável. Falar diferentemente não é falar errado. A fisionomia dos filhos não é a aberração teratológica da fisionomia paterna. Na linguagem como na natureza, não há igualdades absolutas; não há, pois, expressões diferentes que não correspondam também a idéias ou a sentimentos diferentes. Trocar um vocábulo, uma inflexão nossa por outra de Coimbra é alterar o valor de ambos a preço de uniformidades artificiosas e enganadoras. (1921: 8-9) João Ribeiro -lingüista http://brasiliano.wordpress.com/2008/09/01/ensinar-portugues-ou-estudar-o-brasileiro/
por favor, não deixem que "maioria absoluta" faça parte de "nossa inculta e bela língua" brasileira. Assim terei de "subi pra cima" e reivindicar o português portugálico. foi maus...
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