quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Gargalos

Não conheço família destituída de tiques, manias e neuroses. Há gosto para todo tipo.... Apenas a intensidade das neuras é que varia. Em família, é sabido, todo mundo se revela um pouco louco. Essa loucura parece ser absolutamente normal até que alguém perceba.

Em casa, acostumamo-nos a examinar o gargalo das antigas garrafas de refrigerante. Eram de vidro e muitas vezes quebravam ao abrir. Se caísse um caco no fundo da garrafa e alguém consumisse....

Ouvíamos histórias tenebrosas. Uma amiga da escola garantiu-me que um tio dela foi parar no hospital com um cacão de vidro no estômago. O coitado precisou submeter-se a uma cirurgia de emergência. Hemorragia para todo lado, quase morreu! A criançada ficava em volta para saber como aquilo aconteceu....

Nos idos anos 80, numa noite de verão, fazia muito calor. Na geladeira, uma única garrafa de coca-cola. Resolvemos abri-la. O gargalo estava quebrado. Justamente na borda interior! E agora?

Teríamos de comprar outra! Àquela hora, contudo, o supermercado já havia fechado. Cidade do interior, naquela época, ainda não tinha a facilidade das "24 horas", tudo fechava cedo. Uma alternativa interessante residia em procurar por um boteco e comprar o refrigerante. Cadê vontade? Ninguém se habilitou....

Ficamos num impasse horroroso... E o calor parecia aumentar com vontade da coca. Toma, não toma. Toma, não toma. Por via das dúvidas, minha mãe falou, é melhor não tomar. Resolveu-se que deveríamos coar a bendita coca-cola. Não me recordo como a tarefa foi empreendida, mas sei que meu pai armou uma engenhoca bacana.

Cada um tomou seu copo – já sem gás algum! (arghhhh) – e se deu por satisfeito. Ninguém viu caco no coador. O exagero da conduta era grande, mas, no fundo, ninguém desejava arriscar.

Anos depois, já casado, resolvi sair com ela para jantar. Pedimos coca-cola e o garçom abriu a garrafa na nossa frente. O gargalo estava quebrado, não havia dúvida. Solicitei a troca da garrafa. Logo depois, ele apareceu com outra. Repetiu o gesto: abriu o refrigerante na nossa presença e esperou para ver se estava tudo bem. Surpresa!!! A segunda garrafa também estava quebrada. Não tive dúvidas: pedi que trocasse novamente o refrigerante.

Após mais um tempinho, voltou. Pôs a garrafa na mesa e abriu. Quando olhei para o gargalo, tive aquela sensação inequívoca de déjà vu. O corte era exatamente o mesmo! O garçom, cara amarrada, olhou-me com reprovação. Tentou argumentar que o problema "era de fábrica". Silenciei e, com calma, pedi uma lata de coca-cola. Problema resolvido!

Veio a lata! Ele olhou para mim e, sarcástico, disse:

- Essa não tem como quebrar!

Sorri, aquiescendo. Estava satisfeito que as garrafas de coca-cola seriam inutilizadas pelo restaurante.

Antes de ir embora, vimos o garçom servindo uma mesa com duas garrafas de coca. Elas estavam a caminho da mesa já abertas.

Como a dúvida é cruel....

Um comentário:

Anônimo disse...

"Essa loucura parece normal até que alguém perceba..." ótimo isso!
Beijos caríssimo