Mário Prata publicou no Estadão, em 23/01/1995, uma crônica chamada "O amor do Tumitinha era pouco e se acabou". Naturalmente, a frase versa sobre a interpretação muito pessoal que uma amiga dele fazia da famosa "Ciranda, cirandinha". Ela imaginava que Tumitinha era um japonês pequeno, cujo nome real era Tumita. Sempre que ouvia a música, ficava pesarosa, pois notava que o amor do Tumitinha havia se acabado.
Lembrei-me recentemente dessa crônica porque ouvi a expressão "até dizer chega" e me dei conta de que ela me era, na infância, uma só palavra: "atédezechega". "Atédezechega" constituía-se, para mim, de algo contrário à sua idéia primacial, ou seja, um limite. "Tomar coca-cola atédezechega", por exemplo, não era tomar coca até que não mais se agüentasse fazê-lo. Era tomá-la indefinidamente, para sempre, sem nenhum óbice. Fazer algo atédezechega era uma maravilhosa porque, tratando-se de algo prazeiroso, dava-me a legitimidade para extravagâncias de toda sorte. Somente mais tarde, atento à cadência da fala brasileira, dei-me conta de que o antigo atédezechega era pontual e preciso: "até dizer chega". Em suma, até não se agüentar mais.
"Sonso" foi outra palavra que me causou alguma confusão. Sempre a ouvia no feminino: "A fulana é uma sonsa mesmo!". Entendia que sonsa, naqueles casos, era a menina bocó, bobona, desatenta e um tanto burrinha. Alguém relativamente tranqüilo, sem a urgência característica da puberdade, poderia perfeitamente ser considerado sonso.
Havia, também, uma espécie de sinônimo de sonso que resultava na mesma confusão: "songamonga". Aí o exagero era patente! A songamonga era uma idiota completa! Muito tempo depois é que percebi o real sentido dessas palavras. O Aurélio me disse que sonso é "dissimulado, manhoso, astuto, velhaco, solerte, sonsinho". Então, tratava-se de idéia diametralmente oposta àquela que eu tinha? Isso mesmo! Songamonga, para minha surpresa, é a "pessoa sonsa, dissimulada". Dá no mesmo. Não foi curto o período em que empreguei esses termos de modo indevido.
Depois que comecei a me interessar pela obra do Mário de Andrade, e resolvi estudá-la, ficava intrigado com alguns termos que ele usava e cujo significado não encontrava em nenhum dicionário. Nesses casos, o melhor era deduzir o teor pelo sentido da frase, que é o que todos nós fazemos na ausência de dicionários ou outras fontes de pesquisa. Mário inventava nomes, verbos e palavras. Já falei aqui, por algumas vezes, que sua linguagem era um tanto peculiar. Há, entretanto, termos que, embora deduzíveis, revelam-se absolutamente feios. É o caso de "passadistização" e "circuncissfláutico". Esta última é invencível! "Fico meio circuncissfláutico com esses bairrismos, palavra", diria sobre os regionalismos de seu tempo.
Que o modernismo tivesse legitimidade para inventar, romper com padrões, é algo que não se discute. Foi justamente por isso que existiu e fez o que fez! Mas, daí a inventar o incompreensível, pode soar desagradável e, sobretudo, inútil. Se a palavra inventada não se converte em instrumento útil de comunicação, de entendimento, não tem valor. Mário, contudo, devia saber disso e, mesmo assim, inventava. E como inventava!
Boa semana a todos!
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