Em 1986, quando
se divulgou que Cesar Camargo Mariano daria um show no São Carlos Clube, a
molecada que tinha alguma aspiração musical ficou ansiosa. O repertório poderia
ser apreciado por quem, independentemente de preferências de estilo, tivesse
apreço pela boa música. Assim, pouco importava se não houvesse a movimentação
típica das apresentações do rock nacional, então em efervescência.
O show tão
cobiçado seria, ao menos para mim, inacessível. Primeiramente, porque havia um
incômodo de natureza interior: o preço do ingresso era elevado. Trezentos
cruzeiros era uma quantia acima daquilo que eu me permitia pedir ao meu pai. Em
segundo lugar, havia um problema de ordem prática: eu estava em período de “segregação”
por ter matado aulas na sexta-feira da semana anterior ao show. Com o perdão do
exagero, por quatro finais de semana minha liberdade estaria “cerceada”. Meu
pai não era afeito a esse tipo de reprimenda, mas a infração foi comunicada a
ele pela própria diretoria da escola, o que moralmente o impedia de adotar com
o filho outro procedimento que não aquele. Pois é. A data do show do Cesar
Camargo coincidia com o período da tal segregação que me foi imposta. Fazer o
quê? Em situações como essa, aproveita-se o que é possível, não é?
Foi com esse
raciocínio que formulei a ideia de que o show seria preterível desde que eu
acompanhasse o ensaio, a chamada “passada de som”. Como morava perto –
literalmente em frente – da sede do clube, aproveitei para dar um pulo lá no
salão de bailes. Esse era, aliás, um hábito que tinha sempre que alguma banda
se apresentava por ali. Passava tardes ouvindo e vendo os músicos se
prepararem. Ao lado do palco, vi Cesar Camargo brincar
com as teclas do piano. Como todo músico virtuoso, seus dedos flutuavam sobre o
instrumento. Mas não havia nenhum desatino de notas velozes. Ele imprimia
leveza e precisão em acordes contidos.
Quando o
ensaio acabou, saí dali e me encontrei com uma turma que esboçava uma maneira
de burlar a entrada no show. Entrariam no clube por uma cerca furada do campo
de futebol e, de modo furtivo, passariam pelas quadras que ficavam atrás do
salão. A entrada estaria, então, liberada: sem catracas e sem apresentação de ingressos.
Moleza! Para mim, contudo, ainda que o plano fosse eficaz, de nada adiantaria.