O pai da
Lucinha - Roberto Barbato Jr
O pai da Lucinha era um pentelho. Dos
grandes. Sujeito chato mesmo. Adorava infernizar a vida alheia. Um dia, meteu
na cabeça que iria atazanar a professora da filha, a tia Joviane. Com esse
nome, pensava, a mulher não era boa coisa. Além de barriguda, devia ter bigode
e mau hálito. Nem se deu ao trabalho de vê-la ou pedir informações à filha
acerca de sua beleza. Estava convencido: a tia Joviane era um tribufu.
Instruiu a menina para colocar a professora em
saia justa diante de toda a classe. A Lucinha, coitada, com seus sete anos, não
tinha ciência da sacanagem que estava prestes a fazer.
Numa tarde, enquanto ouvia explicação sobre os
quatros elementos da natureza, a Lucinha interrompeu a aula e se saiu com essa:
- Tia, você sabe quem foi Leibniz?
A tia Joviane corou. Com sua parca
experiência no magistério e uma formação intelectual lacunosa, não soube o que
responder. A classe toda riu e surgiu uma desconfiança da parvalhice da
professora. Um espírito de porco, o pai da Lucinha! Conseguiu o que queria.
Ao tomar conhecimento da proeza da filha, o imbecil
vibrou. Nem bem esperou virar a semana e apresentou outro nome esdrúxulo para a
menina. Ela mandou ver. Daquela vez, a Tia Joviane, sempre tão meiga, explanava
sobre as quatro estações do ano.
- Tia, você já leu Kierkegaard?
A criançada veio abaixo na sala de aula: uma
guerra de papeizinhos, um zum-zum-zum de assobios e o barulho das carteiras se
arrastando...
O pai da Lucinha já não se continha na sua
sanha exitosa. Apresentou à filha ninguém menos que Heidegger. E complementou:
- Se a tia Joviane disser que conhece Heidegger,
pergunte se ela sabe quem foi a aluna por quem ele se apaixonou.
A menina adorou saber que a namorada do sujeito
era uma tal de Hannah Arendt, também filósofa. Incrementou a provocação do pai.
- Tia Joviane, a senhora sabe quem foi
professor de Hannah Arendt?
Uasuashauhs! A molecada não se conteve! A tia
Joviane já estava em descrédito com o corpo – corpinho – discente. A criançada
não perdoava.
No final do mês, o pai da Lucinha foi
implacável. Deu à filha uma aula sobre a Lei de Hooke e fez um pedido para a
menina:
- Se a mula da tia Joviane não souber,
explique você para a turma toda.
Dito e feito. A Lucinha fez a indagação. A
exemplo das outras vezes, a tia Joviane não soube responder. A menina dissertou
sobre o tema como se defendesse uma tese de livre-docência. Arrasou.
Diante do ocorrido, a professora foi objeto
de longa discussão da diretoria da escola. Reunião de pais e mestres foi marcada
e o pai da Lucinha, o primeiro a comparecer. Queria ver a baranga da
professora. Quando ela entrou na sala, o biltre ficou boquiaberto, totalmente
descrente daquela realidade cruel. Um metro e sessenta de pura delícia, um
corpo escultural. Um paradoxal mulherão! Quem diria, a tia Joviane, hein?
Burrinha, é verdade. Mas, que mulher! Se arrependimento matasse, pensou. E
matou. Em segundos foi fulminado pela beleza da moça.
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