Tio Harlan 6: a primeira vez - Roberto Barbato Jr
Quando o tio Harlan assistiu “A Dama das Camélias”, ficou extasiado. Ele ainda era criança, mas sua sexualidade já despertava. Nem bem terminou o filme – cuja versão era a antiga, com a Greta Garbo – queria saber exatamente o que fazia a protagonista do filme. Minha avó, com muito jeito, teve de lhe explicar que se tratava de uma cortesã. Desde então, o tio Harlan passou a sonhar que sua primeira vez fosse com uma cortesã, à moda dos romances do Oitocentos. Era uma tara que ele tinha. Imaginava que somente uma cortesã poderia iniciá-lo no mundo do sexo.
Como cortesãs no Brasil do século XX não existiam, o tio Harlan, com todo seu despojamento, ajustou sua fantasia para os tempos hodiernos. Passou a imaginar que sua iniciação sexual se daria com a governanta da família, a quem todos atribuíam injustamente algum affaire com meu avô. A mulher era uma quase cinquentona, bem conservada e gostosona. Na cabeça do meu tio, os dois iriam copular na suíte paterna, na cama do vovô, com direito a uma champanhe e tudo o mais.
Os sonhos do tio Harlan até que se realizaram, mas de uma maneira oblíqua.... Não houve suíte, champanhe, nem nada. Tudo aconteceu na sala de jantar da casa do vovô. E também não foi com a governanta. Foi com sua filha.
A menina, vez por outra, aparecia lá na casa dele com o pretexto de pedir dinheiro para a mãe. Um dia, o viu estudando matemática de cara amarrada e sacou a oportunidade: a fim de incentivá-lo, disse que poderia estudar com ele. Argumentou que era uma sumidade em ciências exatas.
É claro que meu tio desconfiou que pudesse ser vítima de um golpe. De todo modo, topou a parada. Estudos iniciados, a menina não tardou a se insinuar. Tio Harlan, excitadão, se fazia de desentendido. A menina, abusada, tirava os sapatos e, embaixo da mesa, sem que ninguém pudesse sequer suspeitar, passava os pés nas pernas dele. Na segunda tarde de estudos, avançou o sinal: chegou com os pés perto do pau dele. Na terceira tarde, a coisa descambou. Percebendo que o rapaz tinha uma conduta hesitante, sentou-se em seu colo e o beijou desesperadamente. O tio Harlan foi roçado, lambido, chupado e, segundo ele conta, foi violentado.
Depois daquela tarde, já sabedor do prazer carnal, queria comer a menina todos os dias. O estudo da matemática era o pretexto ideal para consumar seus desejos sexuais. Por longo tempo, se passou por um menino estudioso e meu avô chegou a achar que se ele continuasse naquela toada, seria um grande matemático, um engenheiro ou um físico de renome. Só tomou conhecimento de sua ignorância quando viu no boletim a nota bimestral de matemática: dois e meio. O gênio tirou dois e meio. Sem a ajuda da menina, é óbvio.
Temeroso com o futuro do filho, meu avô cortou os "estudos" de matemática. Que o menino se arrumasse com a punheta! Aí, sem opção nenhuma, o Tio Harlan virou punheteiro. E ainda teve de recuperar a nota bimestral.
Recentemente, recebi um e-mail dele, dizendo que assistiu a versão d’ “A Dama das Camélias” com a Greta Scacchi e ficou fascinado. Com alguma reserva, me confidenciou que ainda sonha com uma cortesã. Grande tio Harlan....
"Modelando o artista ao seu feitio/ O tempo, com seu lápis impreciso/ Põe-lhe rugas ao redor da boca/ Como contrapesos de um sorriso. "Tempo e artista" - Chico Buarque/1993
sábado, 28 de janeiro de 2012
sábado, 21 de janeiro de 2012
Entre a rotina e o ócio
A editora Cosac & Naify lançou recentemente, em edição primorosa, uma obra de prosa do poeta Drummond: Passeios na ilha. Nela, há uma interessantíssima crônica sobre o ofício de escrever ou, melhor ainda, sobre o vício de escrever. Em “A rotina e a quimera”, o poeta nos fala da compulsão dos escritores que não deixam de criar nem mesmo enquanto estão em plena atividade profissional. Ele se refere aos funcionários públicos ou burocratas que, diante de suas incontáveis atribuições, não se furtam a escrever, nem que seja apenas em pensamento. O trecho é belíssimo e vale citá-lo, ainda que seja com base na edição velha, velhíssima (1952). Vejamos:
"Sempre se falou mal de funcionários públicos, inclusive dos que passam a hora do expediente escrevinhando literatura. Não se esse tipo de burocrata-escritor existe ainda. A racionalização do serviço público, ou o esforço por essa reacionalização trouxe modificações sensíveis ao ambiente de nossas repartições, e é de crer que as vocações literárias manifestadas à sombra de processos se hajam ressentido desses novos métodos de trabalho. Sem embargo, não se terão estiolado de todo, tão forte é, no escritor a necessidade de exprimir-se dentro ou fora da rotina que lhe é imposta. Se não escrever no espaço de tempo destinado à produção de ofícios, escreverá na hora do sono ou da comida, escreverá debaixo do chuveiro, na fila, ao sol, escreverá até sem papel – no interior do próprio cérebro, como os poetas prisioneiros da última guerra, que voltaram ao soneto como a uma forma que por si mesma se grava na memória.
E por que se maldizia tanto o literato-funcionário? Porque desperdiçava os minutos do seu dia, reservado aos interesses da nação, no trato de quimeras pessoais. A nação pagava-lhe para estudar papéis obscuros e emaranhados, ordenar casos difíceis, promover medidas úteis, ouvir com benignidade ‘as partes’. Em vez disso, nosso poeta afinava a lira, nosso romancista convocava suas personagens, e toca a povoar o papel da repartição com palavras, figuras e abstrações que em nada adiantavam à sorte do público. (....)
Retire-se tal rotina ao temperamento literário a que me reporto, e cessará sua veia criadora. Instalado confortavelmente num escritório de capitão de indústria, já não se produzirá essa inconformidade entre o real e o individual, que tantas vezes gera a obra de arte.
(....)
Observe-se que quase toda literatura brasileira, no passado como no presente, é uma literatura de funcionários públicos” (Conferir ANDRADE, Carlos Drummond de. “A rotina e a quimera”. In: Passeios na ilha: divagações sobre a vida literária e outras matérias. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1952, p. 111-113)
As reflexões de Drummond são extremamente profícuas para lidar com a relação entre os intelectuais e o projeto de construção nacional tão em voga no início do século XX e, de forma ainda mais ampla, para criar liames entre a literatura e a política.
Para além dessas reflexões, é interessante notar que o poeta aponta para o imperativo de existir uma “rotina” para produzir literatura. Ideia curiosa. Afinal, não sonham os escritores com o ócio para poderem produzir sua literatura de maneira remansosa? Não é a tranquilidade que tanto almejam para os esforços literários? Não é óbvia a tensão constante entre o fardo do trabalho e o prazer da escrita? Sabe-se que muitos escritores – homens de letras, de maneira geral – se ressentem da necessidade de prover sua subsistência material muitas vezes em detrimento de sua produção individual.
Se Drummond reputava essencial a existência da rotina para se manter a “veia criadora”, Mário de Andrade partia de premissa diametralmente oposta. Para ele, as possibilidades de criação artística estavam associadas ao “ócio criativo” (vejam bem: estou falando de Mário de Andrade e não de Domenico de Masi).
Em um artigo de 1918, intitulado “A divina preguiça” Mário teria dito que “a arte nasceu porventura dum bocejo sublime, assim como o sentimento do belo deve ter surgido duma contemplação da natureza”. Ou seja, a rotina das instituições públicas (que Mário conheceu tão bem quanto Drummond) não lhe seria combustível para criação alguma.... A esse respeito, aliás, é sabido que, durante o tempo em que estivera à frente da Diretoria do Departamento de Cultura de São Paulo (1935-1938), Mário se queixava frequentemente da burocracia e a responsabilizava pela quase impossibilidade de criação literária e pelo abandono de seus projetos pessoais.
Ao final das contas, não sei o que pensar das posições dos dois Andrades. Quais seriam as condições ideais de criação: a rotina ou o ócio? Seja como for, tenho a convicção de que escrever sempre é prazeiroso, mesmo em se tratando de trabalho. Quando a escrita é descompromissada e atrevida, tal como faço aqui, é melhor ainda. Um verdadeiro gozo.
"Sempre se falou mal de funcionários públicos, inclusive dos que passam a hora do expediente escrevinhando literatura. Não se esse tipo de burocrata-escritor existe ainda. A racionalização do serviço público, ou o esforço por essa reacionalização trouxe modificações sensíveis ao ambiente de nossas repartições, e é de crer que as vocações literárias manifestadas à sombra de processos se hajam ressentido desses novos métodos de trabalho. Sem embargo, não se terão estiolado de todo, tão forte é, no escritor a necessidade de exprimir-se dentro ou fora da rotina que lhe é imposta. Se não escrever no espaço de tempo destinado à produção de ofícios, escreverá na hora do sono ou da comida, escreverá debaixo do chuveiro, na fila, ao sol, escreverá até sem papel – no interior do próprio cérebro, como os poetas prisioneiros da última guerra, que voltaram ao soneto como a uma forma que por si mesma se grava na memória.
E por que se maldizia tanto o literato-funcionário? Porque desperdiçava os minutos do seu dia, reservado aos interesses da nação, no trato de quimeras pessoais. A nação pagava-lhe para estudar papéis obscuros e emaranhados, ordenar casos difíceis, promover medidas úteis, ouvir com benignidade ‘as partes’. Em vez disso, nosso poeta afinava a lira, nosso romancista convocava suas personagens, e toca a povoar o papel da repartição com palavras, figuras e abstrações que em nada adiantavam à sorte do público. (....)
Retire-se tal rotina ao temperamento literário a que me reporto, e cessará sua veia criadora. Instalado confortavelmente num escritório de capitão de indústria, já não se produzirá essa inconformidade entre o real e o individual, que tantas vezes gera a obra de arte.
(....)
Observe-se que quase toda literatura brasileira, no passado como no presente, é uma literatura de funcionários públicos” (Conferir ANDRADE, Carlos Drummond de. “A rotina e a quimera”. In: Passeios na ilha: divagações sobre a vida literária e outras matérias. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1952, p. 111-113)
As reflexões de Drummond são extremamente profícuas para lidar com a relação entre os intelectuais e o projeto de construção nacional tão em voga no início do século XX e, de forma ainda mais ampla, para criar liames entre a literatura e a política.
Para além dessas reflexões, é interessante notar que o poeta aponta para o imperativo de existir uma “rotina” para produzir literatura. Ideia curiosa. Afinal, não sonham os escritores com o ócio para poderem produzir sua literatura de maneira remansosa? Não é a tranquilidade que tanto almejam para os esforços literários? Não é óbvia a tensão constante entre o fardo do trabalho e o prazer da escrita? Sabe-se que muitos escritores – homens de letras, de maneira geral – se ressentem da necessidade de prover sua subsistência material muitas vezes em detrimento de sua produção individual.
Se Drummond reputava essencial a existência da rotina para se manter a “veia criadora”, Mário de Andrade partia de premissa diametralmente oposta. Para ele, as possibilidades de criação artística estavam associadas ao “ócio criativo” (vejam bem: estou falando de Mário de Andrade e não de Domenico de Masi).
Em um artigo de 1918, intitulado “A divina preguiça” Mário teria dito que “a arte nasceu porventura dum bocejo sublime, assim como o sentimento do belo deve ter surgido duma contemplação da natureza”. Ou seja, a rotina das instituições públicas (que Mário conheceu tão bem quanto Drummond) não lhe seria combustível para criação alguma.... A esse respeito, aliás, é sabido que, durante o tempo em que estivera à frente da Diretoria do Departamento de Cultura de São Paulo (1935-1938), Mário se queixava frequentemente da burocracia e a responsabilizava pela quase impossibilidade de criação literária e pelo abandono de seus projetos pessoais.
Ao final das contas, não sei o que pensar das posições dos dois Andrades. Quais seriam as condições ideais de criação: a rotina ou o ócio? Seja como for, tenho a convicção de que escrever sempre é prazeiroso, mesmo em se tratando de trabalho. Quando a escrita é descompromissada e atrevida, tal como faço aqui, é melhor ainda. Um verdadeiro gozo.
domingo, 15 de janeiro de 2012
UFC: esporte ou diversão selvagem?
Nunca li nada sobre as lutas do UFC, não sei suas regras e só vi uma única – repito: única - cena do esporte. Foi precisamente o momento em que Anderson Silva derrotou Yushim Okami, no Rio de Janeiro em 2011 (clique aqui para ver o vídeo).
Por várias vezes ouvi comentários de que o MMA se tornaria – como de fato se tornou – um esporte de grande evidência, capaz de merecer significativa atenção por meio dos canais televisivos. Até pouco tempo atrás, se não me engano, a transmissão das lutas era exclusiva dos canais da TV a cabo. Recentemente, dado o grande sucesso que obtiveram, tais lutas foram alçadas à categoria de esporte popular e televisionadas pela TV aberta. Ok, um esporte que ascende de modo célere e conquista admiradores em todo país é merecedor de nota.
A Rede Globo transmitiu, na madrugada de hoje, alguns embates. Não tive interesse em assistir. Mas não fui dormir sem a inquietação que ocupa minha atenção desde que vi a vitória do Anderson: o MMA é mesmo um esporte ou se afigura uma prática selvagem de diversão?
Se levarmos a definição de esporte ao pé da letra (vide Houaiss), não teremos dúvidas de que aquelas lutas não se diferem de muitas práticas esportivas, algumas aceitas até mesmo como olímpicas. Em suma, de um ponto de vista estrito, não há dúvidas de que esses embates corporais sejam um esporte.
Conviria, contudo, indagar se esse “esporte” não está sobremaneira amparado no espetáculo sádico que proporciona aos seus fãs. Tomemos como exemplo a circunstância sumariamente descrita no início desse texto. Depois de nocautear seu adversário, o simpático Anderson Silva, continuou a espancá-lo. Deu-lhe vários socos sucessivos na cabeça (na cabeça!) enquanto, prostrado, seu adversário tentava armar alguma proteção. Após o juiz ter decretado o fim da luta, o campeão, com justiça, comemorou: deu voltas pelo ringue (que hoje se chama octógono, segundo me informaram), subiu na rede de proteção que determina o limite territorial da luta, levantou os braços, bradou, gritou e os cambau. Vitória merecida. Anderson Silva certamente utilizou-se das regras do esporte para lograr seu objetivo. Nisso nada há a repudiar.
O que me parece digna de alguma repulsa é, em si, a possibilidade de o embate continuar mesmo depois que um dos lutadores vai ao chão. Caramba! O sujeito cai, está lá praticamente indefeso e.... tome pancada! Uma vez abatida, a vítima ainda pode ser surrada. Tudo isso, é claro, deve estar previsto no regulamento do tal “esporte”. Trata-se de uma selvageria instituída formalmente e, ao que tudo indica, já consagrada pelo gosto popular.
Além da covardia ínsita ao esporte, há também algo de sádico em suas regras. Sadismo que é, aliás, deliberadamente legitimado pelo regozijo da plateia, a exemplo do que ocorria com as antigas lutas do Coliseu. Não será exagero se alguém achar que, em matéria de esportes, a proximidade do UFC com os jogos do Império Romano não é pequena.
Por várias vezes ouvi comentários de que o MMA se tornaria – como de fato se tornou – um esporte de grande evidência, capaz de merecer significativa atenção por meio dos canais televisivos. Até pouco tempo atrás, se não me engano, a transmissão das lutas era exclusiva dos canais da TV a cabo. Recentemente, dado o grande sucesso que obtiveram, tais lutas foram alçadas à categoria de esporte popular e televisionadas pela TV aberta. Ok, um esporte que ascende de modo célere e conquista admiradores em todo país é merecedor de nota.
A Rede Globo transmitiu, na madrugada de hoje, alguns embates. Não tive interesse em assistir. Mas não fui dormir sem a inquietação que ocupa minha atenção desde que vi a vitória do Anderson: o MMA é mesmo um esporte ou se afigura uma prática selvagem de diversão?
Se levarmos a definição de esporte ao pé da letra (vide Houaiss), não teremos dúvidas de que aquelas lutas não se diferem de muitas práticas esportivas, algumas aceitas até mesmo como olímpicas. Em suma, de um ponto de vista estrito, não há dúvidas de que esses embates corporais sejam um esporte.
Conviria, contudo, indagar se esse “esporte” não está sobremaneira amparado no espetáculo sádico que proporciona aos seus fãs. Tomemos como exemplo a circunstância sumariamente descrita no início desse texto. Depois de nocautear seu adversário, o simpático Anderson Silva, continuou a espancá-lo. Deu-lhe vários socos sucessivos na cabeça (na cabeça!) enquanto, prostrado, seu adversário tentava armar alguma proteção. Após o juiz ter decretado o fim da luta, o campeão, com justiça, comemorou: deu voltas pelo ringue (que hoje se chama octógono, segundo me informaram), subiu na rede de proteção que determina o limite territorial da luta, levantou os braços, bradou, gritou e os cambau. Vitória merecida. Anderson Silva certamente utilizou-se das regras do esporte para lograr seu objetivo. Nisso nada há a repudiar.
O que me parece digna de alguma repulsa é, em si, a possibilidade de o embate continuar mesmo depois que um dos lutadores vai ao chão. Caramba! O sujeito cai, está lá praticamente indefeso e.... tome pancada! Uma vez abatida, a vítima ainda pode ser surrada. Tudo isso, é claro, deve estar previsto no regulamento do tal “esporte”. Trata-se de uma selvageria instituída formalmente e, ao que tudo indica, já consagrada pelo gosto popular.
Além da covardia ínsita ao esporte, há também algo de sádico em suas regras. Sadismo que é, aliás, deliberadamente legitimado pelo regozijo da plateia, a exemplo do que ocorria com as antigas lutas do Coliseu. Não será exagero se alguém achar que, em matéria de esportes, a proximidade do UFC com os jogos do Império Romano não é pequena.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Capitalismo: invertendo valores
Lembro-me de ter lido na Folha de S. Paulo, não sei quando, um artigo de um cronista – ou colunista – cujo nome também não me recordo. Nele, o autor discorria sobre os dissabores de quem está de um lado específico da sociedade capitalista: o empresário.
Argumentava que, a despeito de obter o lucro da produção ou comercialização, o empresário – ou burguês, para usarmos a terminologia marxista – trabalhava sobremaneira. Sua tarefa não consistia apenas em auferir os lucros derivados da exploração da força de trabalho alheia, mas estava baseada na própria atividade laborativa. Em suma, o capitalista, para ser bem sucedido e manter seus negócios em atividade, tinha que trabalhar muito. Talvez até mais que o próprio operário. Não bastasse isso, levava para casa uma série de preocupações, como a necessidade de pagamento dos funcionários, de compra de matéria-prima, a possibilidade de atingir as metas traçadas, o fechamento do mês, enfim.
Já o operário, embora trabalhasse arduamente durante todo o mês, não tinha inquietações como essas. Não carregava para o ambiente familiar os fantasmas das planilhas e os cálculos sempre atormentados. Bastava que pusesse em ação sua força de trabalho durante a jornada de trabalho e fosse para sua casa descansar entre um dia e outro (fácil, né?). Ao final da semana, teria seu sossego: não deixaria de dormir pensando em contas, na organização de sua empresa, no trato com os funcionários. Tomaria sua cervejinha e assistiria ao seu sagrado futebol. Também ao final do mês, fosse qual fosse o lucro gerado para seu patrão, teria seu salário pago.
Para não estender mais (ou talvez fantasiar, dado que as recordações sobre o texto vão me escapando), o autor mostrava que ser capitalista, hoje em dia, é quase tão penoso quanto ser operário.
É claro que ele não deixa de ter um pouco de razão sobre o dispêndio de esforços que o capitalista precisa empreender em seu negócio. É sabido que a administração dos negócios particulares demanda tempo, paciência e, sobretudo, muito equilíbrio. É preciso uma boa dose de organização e racionalidade para ser empresário. Tratar com clientes, fornecedores e prestadores de serviços não é tarefa fácil....
Tirante essa pequena ressalva, a essência do artigo me sugeriu uma inequívoca piada de mal gosto. Não entremos aqui nos detalhes da exploração capitalista tão bem explicada pelo velho Marx. Não será preciso lembrar que, ao vender sua força de trabalho, o operário produz o necessário para o pagamento de seu salário (que deveria, em tese, prover sua subsistência de modo digno) e o desproporcional lucro capaz de manter toda a empresa em pé e, ainda, resultar num enorme quinhão financeiro para seu patrão. Também não será necessário recordar de que maneira a extração da mais-valia é feita no mundo moderno. Tampouco valerá a pena lembrar as condições de trabalho a que são submetidos os operários ainda hoje e todas as consequências da atividade alienante que desempenham em seu cotidiano, seja na indústria, no comércio, na área educacional.... Para o nobre articulista, o que realmente importava eram os esforços do capitalista, sua dedicação ingente, seu compromisso para com a saúde de sua empresa!
Qual é a razão de escrever aqui algo sobre um artigo tão antigo quanto desconhecido? Outro dia, ouvi um patrão queixar-se a um de seus empregados da chateação é que ter de lidar com seus clientes, sempre ávidos por resultados exitosos. Atender ao celular para prestar algumas informações sobre o andamento do serviço contratado era uma tarefa assaz desagradável. Além disso, havia a desgastante tarefa de cobrar pelo serviço avençado, já que muitos de seus clientes estavam inadimplentes. Já o funcionário, não precisava fazer nada disso. A ele, bastava trabalhar! Simplesmente trabalhar....
Ali diante de seu patrão, o funcionário parecia um vilão, um monstro a arruinar a vida do empresário que lhe parecia, cada vez mais, um coitado.
Quase chorei! Até hoje estou com pena daquele patrão....
Argumentava que, a despeito de obter o lucro da produção ou comercialização, o empresário – ou burguês, para usarmos a terminologia marxista – trabalhava sobremaneira. Sua tarefa não consistia apenas em auferir os lucros derivados da exploração da força de trabalho alheia, mas estava baseada na própria atividade laborativa. Em suma, o capitalista, para ser bem sucedido e manter seus negócios em atividade, tinha que trabalhar muito. Talvez até mais que o próprio operário. Não bastasse isso, levava para casa uma série de preocupações, como a necessidade de pagamento dos funcionários, de compra de matéria-prima, a possibilidade de atingir as metas traçadas, o fechamento do mês, enfim.
Já o operário, embora trabalhasse arduamente durante todo o mês, não tinha inquietações como essas. Não carregava para o ambiente familiar os fantasmas das planilhas e os cálculos sempre atormentados. Bastava que pusesse em ação sua força de trabalho durante a jornada de trabalho e fosse para sua casa descansar entre um dia e outro (fácil, né?). Ao final da semana, teria seu sossego: não deixaria de dormir pensando em contas, na organização de sua empresa, no trato com os funcionários. Tomaria sua cervejinha e assistiria ao seu sagrado futebol. Também ao final do mês, fosse qual fosse o lucro gerado para seu patrão, teria seu salário pago.
Para não estender mais (ou talvez fantasiar, dado que as recordações sobre o texto vão me escapando), o autor mostrava que ser capitalista, hoje em dia, é quase tão penoso quanto ser operário.
É claro que ele não deixa de ter um pouco de razão sobre o dispêndio de esforços que o capitalista precisa empreender em seu negócio. É sabido que a administração dos negócios particulares demanda tempo, paciência e, sobretudo, muito equilíbrio. É preciso uma boa dose de organização e racionalidade para ser empresário. Tratar com clientes, fornecedores e prestadores de serviços não é tarefa fácil....
Tirante essa pequena ressalva, a essência do artigo me sugeriu uma inequívoca piada de mal gosto. Não entremos aqui nos detalhes da exploração capitalista tão bem explicada pelo velho Marx. Não será preciso lembrar que, ao vender sua força de trabalho, o operário produz o necessário para o pagamento de seu salário (que deveria, em tese, prover sua subsistência de modo digno) e o desproporcional lucro capaz de manter toda a empresa em pé e, ainda, resultar num enorme quinhão financeiro para seu patrão. Também não será necessário recordar de que maneira a extração da mais-valia é feita no mundo moderno. Tampouco valerá a pena lembrar as condições de trabalho a que são submetidos os operários ainda hoje e todas as consequências da atividade alienante que desempenham em seu cotidiano, seja na indústria, no comércio, na área educacional.... Para o nobre articulista, o que realmente importava eram os esforços do capitalista, sua dedicação ingente, seu compromisso para com a saúde de sua empresa!
Qual é a razão de escrever aqui algo sobre um artigo tão antigo quanto desconhecido? Outro dia, ouvi um patrão queixar-se a um de seus empregados da chateação é que ter de lidar com seus clientes, sempre ávidos por resultados exitosos. Atender ao celular para prestar algumas informações sobre o andamento do serviço contratado era uma tarefa assaz desagradável. Além disso, havia a desgastante tarefa de cobrar pelo serviço avençado, já que muitos de seus clientes estavam inadimplentes. Já o funcionário, não precisava fazer nada disso. A ele, bastava trabalhar! Simplesmente trabalhar....
Ali diante de seu patrão, o funcionário parecia um vilão, um monstro a arruinar a vida do empresário que lhe parecia, cada vez mais, um coitado.
Quase chorei! Até hoje estou com pena daquele patrão....
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