sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O pai da Lucinha

O pai da Lucinha - Roberto Barbato Jr

O pai da Lucinha era um pentelho. Dos grandes. Sujeito chato mesmo. Adorava infernizar a vida alheia. Um dia, meteu na cabeça que iria atazanar a professora da filha, a tia Joviane. Com esse nome, pensava, a mulher não era boa coisa. Além de barriguda, devia ter bigode e mau hálito. Nem se deu ao trabalho de vê-la ou pedir informações à filha acerca de sua beleza. Estava convencido: a tia Joviane era um tribufu.

Instruiu a menina para colocar a professora em saia justa diante de toda a classe. A Lucinha, coitada, com seus sete anos, não tinha ciência da sacanagem que estava prestes a fazer.

Numa tarde, enquanto ouvia explicação sobre os quatros elementos da natureza, a Lucinha interrompeu a aula e se saiu com essa:

- Tia, você sabe quem foi Leibniz?

A tia Joviane corou. Com sua parca experiência no magistério e uma formação intelectual lacunosa, não soube o que responder. A classe toda riu e surgiu uma desconfiança da parvalhice da professora. Um espírito de porco, o pai da Lucinha! Conseguiu o que queria.

Ao tomar conhecimento da proeza da filha, o imbecil vibrou. Nem bem esperou virar a semana e apresentou outro nome esdrúxulo para a menina. Ela mandou ver. Daquela vez, a Tia Joviane, sempre tão meiga, explanava sobre as quatro estações do ano.

- Tia, você já leu Kierkegaard?

A criançada veio abaixo na sala de aula: uma guerra de papeizinhos, um zum-zum-zum de assobios e o barulho das carteiras se arrastando...

O pai da Lucinha já não se continha na sua sanha exitosa. Apresentou à filha ninguém menos que Heidegger. E complementou:

- Se a tia Joviane disser que conhece Heidegger, pergunte se ela sabe quem foi a aluna por quem ele se apaixonou.

A menina adorou saber que a namorada do sujeito era uma tal de Hannah Arendt, também filósofa. Incrementou a provocação do pai.

- Tia Joviane, a senhora sabe quem foi professor de Hannah Arendt?

Uasuashauhs! A molecada não se conteve! A tia Joviane já estava em descrédito com o corpo – corpinho – discente. A criançada não perdoava.

No final do mês, o pai da Lucinha foi implacável. Deu à filha uma aula sobre a Lei de Hooke e fez um pedido para a menina:

- Se a mula da tia Joviane não souber, explique você para a turma toda.

Dito e feito. A Lucinha fez a indagação. A exemplo das outras vezes, a tia Joviane não soube responder. A menina dissertou sobre o tema como se defendesse uma tese de livre-docência. Arrasou.

Diante do ocorrido, a professora foi objeto de longa discussão da diretoria da escola. Reunião de pais e mestres foi marcada e o pai da Lucinha, o primeiro a comparecer. Queria ver a baranga da professora. Quando ela entrou na sala, o biltre ficou boquiaberto, totalmente descrente daquela realidade cruel. Um metro e sessenta de pura delícia, um corpo escultural. Um paradoxal mulherão! Quem diria, a tia Joviane, hein? Burrinha, é verdade. Mas, que mulher! Se arrependimento matasse, pensou. E matou. Em segundos foi fulminado pela beleza da moça.



sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Mistério na zona sul no Colégio João XXIII


No mês passado, em 23/10, fui para São Paulo conversar com a meninada do Colégio João XXIII. As turmas da 7ª série leram o Mistério na Zona Sul e, a partir de sua narrativa, fizeram alguns trabalhos, conversaram com vereadores, juristas e outros profissionais. Também fizeram panfletos e camisetas que versavam sobre a temática do trabalho infantil.

Saber que as turmas leram o livro já seria motivo de sobejo para um escritor iniciante se sentir feliz. Com o convite, veio-me uma sensação ainda mais satisfatória: a de reconhecimento. Não bastasse ter sido apreciada pela garotada, a obra suscitou uma profusão de reflexões interessantíssimas, ligadas tanto à literatura, quanto a questões correlatas ao tema tratado no livro.

Naquela manhã, diante de indagações tão argutas da meninada, perguntei-me mentalmente a razão pela qual não se investe em leitura no Brasil. É certo que hoje se critica de modo enfático a disposição das gerações mais novas para os passatempos da internet, em detrimento da leitura e de outras atividades culturais. Todavia, há uma enorme ansiedade dos jovens pela leitura. Não se duvide disso.

Eis o link das fotos!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Avenida Brasil: a catarse de um vilão titubeante



Nunca uma novela das oito esteve tão próxima do cinema como Avenida Brasil, no capítulo da quinta-feira (11/10). Com cenas capazes de remeter o telespectador a clássicos como “Sob o domínio do medo” (Sam Peckinpah) ou a “Horas de desespero” (William Wyler), as tomadas feitas no barraco de Mãe Lucinda mostraram como uma trama novelesca pode se alçar ao requinte de grandes obras cinematográficas. A fotografia, impecável, conciliou o clima sombrio da circunstância narrada com um ambiente claustrofóbico que, embora escuro, não deixou de evidenciar os movimentos dos personagens e sua precisa identificação. Pois é, via-se com clareza a tudo e a todos.

Essa aproximação com algum thriller da telona não foi, entretanto, o grande mérito do capítulo. Por meio dele, o telespectador acompanhou a derrocada de um personagem sui generis da teledramaturgia brasileira: um vilão titubeante, submisso e nada exitoso. As inúmeras desventuras por ele amealhadas ao longo da trama certamente culminariam no evidente desfecho de sua morte. Tanto melhor que assim fosse, sobretudo porque seria ela, em momento imediatamente anterior, o elemento ensejador da catarse do desgraçado personagem.

No barraco de Lucinda, o cenário estava quase completo. Além de ter levado Carminha para lá, Max foi surpreendido com o auxílio do acaso: para o espetáculo que pretendia realizar, contou com a presença de Nina. De posse da pistola antes furtada de Tufão, subjugou a todos. Amarrou os pais, a ex-mulher – a quem não cansou de chamar de vagabunda – e a pretensa amante. Regado a goles cadenciados de cachaça, revelou que nem mesmo ele se amava e assinalou o desprezo que sempre recebeu dos pais. Iniciava-se ali a purgação que seria coroada com a evocação do dia do Juízo Final. Antes de sua descida ao inferno – como se estivesse ciente que seu único destino seria aquele –, Max lograria ter algo que jamais conseguiu: Nina. A expectativa da curra acentuou ainda mais o clima de tensão no barraco, que só foi quebrado com a heroica e piegas chegada de Jorginho.

Depois de dominar o filho, atirou aos quatro ventos uma profusão de diatribes, revelando recalques que ninguém imaginou povoar suas ideias. Em tempos mais ditosos, ele ansiava pela constituição de uma família. Mostrou-se profundamente desgostoso ao mencionar que tinha planos para o filho. Queria dar seu nome a ele, mas, por imposição de Carminha, o guri se chamou Cristiano. “Você gostava de mim”, revelou ao garoto, reivindicando a paternidade afetiva que Tufão lhe roubara. “Era assim que você me chamava: papai“, relatou ao menino. “Você não se lembra?”. É claro que Jorginho não se recordava de nada. Era pequeno ainda, sem memória formada. Também não se lembrava de que foi o pai biológico quem lhe presenteou com a primeira bola de futebol. Com ele, jogava pelada nos fundos de sua casa. Com essa revelação, de maneira inédita na trama, o vilão pleiteava para si os tributos que o menino pagava a Tufão pelo suposto talento que dele havia herdado para o trato com a pelota. Os reclames de Max não prosperaram.

Aquela família rapidamente desenhada pelo desengonçado vilão talvez jamais subsistisse à ambição de Carminha. De maneira escancarada, ela sempre manipularia o parceiro, fato ao qual, aliás, se poderia creditar todos os seus insucessos e sua inequívoca insegurança.

Pouco antes de ser assassinado, já a sós com Nina em lugar desconhecido, Max fez a última tentativa de determinar o seu destino. Ao ouvir da menina que deveria matá-la naquele instante, sem mais delongas, limitou-se a dizer que o faria apenas quando quisesse (“eu mato quando eu quiser”). Nem mesmo disso foi capaz. O sempre titubeante vilão perdeu o jogo antes de marcar um único ponto.




segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Nunca chorei o maltrato da vida

Nunca chorei o maltrato da vida - Roberto Barbato Jr

Nunca chorei o maltrato da vida. Não tinha dinheiro pra comprar coca-cola, cortar cabelo e nem comprar tênis. Sorvete e cinema, nem pensar. A escola era pública e o material, emprestado. Recebia os livros todos riscados, amassados. Não dava pra reclamar. Era a única maneira de aprender alguma coisa. O uniforme, minha mãe comprava sabe lá Deus com que sacrifício. Eu não gostava de estudar, mas também não tinha outra opção. Meu pai só existiu na minha imaginação. Ele é um daqueles pais famosos que grande parte dos brasileiros tem. Sim, é aquele sujeito que saiu para comprar cigarro e nunca mais voltou. Felizmente, minha mãe sabia que o cigarro era uma desculpa e jamais alimentou a ilusão de que o safado voltaria. Não voltou.

Além da precariedade material, sempre fui feio. Quando digo feio, quero dizer feio mesmo. Coisa séria. Feio a ponto de as meninas fazerem cara de enjoo quando me viam. Feio e pobre, não teria chance nenhuma com ninguém. Enquanto a meninada se vestia para o cinema, eu ficava em casa, imaginando um jeito de vazar a roleta, sem pagar nada. Depois que passasse pela porta, a escuridão da sala me daria guarida. Ninguém me acharia. E, convenhamos, nem seria interessante o lanterninha correr atrás de um menino como eu. Se me achasse no escuro, certamente tomaria um susto.

Durante algum tempo tive prática em surrupiar a broinha de milho da padaria. Era bem fácil. Bastava entrar calmamente, ir até o balcão e pedir dois pães franceses. Quando a moça se virava para pegá-los, já era: estava na rua dando a primeira mordida. Não era bonito fazer isso. Eu não contava para ninguém, pois não queria que me achassem um cara esperto. Furtar a broinha não era questão de esperteza, mas de sobrevivência. E disso eu sempre entendi muito bem.

Percebi que o mundo não me daria nada de graça. Teria que brigar pra conseguir uma vida mais ou menos digna. É claro que eu nunca acreditei naquela conversa de que o trabalho dignifica o homem. Se tivesse um pouco de habilidade para o crime, tentaria o sucesso fácil, alheio ao trabalho empenhado. Pouco se me daria a tal da dignidade. Prefiro o dinheiro. A merda é que até nisso eu fui cagado. Pobre e feio, deveria ao menos ter vocação para o afano, a tungada perfeita, tal como conseguia com a broinha. Mas, qual o quê! Virei um bundão. Ao sinal do menor temor, já me via gaguejando, tremendo, titubeando nas ações.  

Preferi a submissão, é claro. Pra um sujeito como eu, é mais fácil a subserviência. Bastaria algum estudo e um pouquinho, só um pouquinho, de sorte. Arranjando um empreguinho medíocre, bem me satisfaria. Ficaria quieto, recebendo ao final do mês o suficiente pra parar em pé, de estômago cheio. Mas nem tudo foi tão fácil.

Quando a Mel me conheceu, anunciou o estrago que faria na minha vida. Teríamos filhos, muitos filhos. Ela me seduziu, engravidou na primeira transa e foi taxativa ao dizer que seria uma mãe muito zelosa. Por zelosa, eu entendi dedicação integral aos nossos filhos. Isso me encheu de orgulho. Acontece que eu sou pobre e feio, mas não sou burro. Logo saquei que teria de trabalhar pra garantir tanto zelo da parte dela. Então, vieram a Amália, a Amélia e a Emília (antes que alguém pergunte, foi ela quem escolheu os nomes das meninas). Paramos por aí.

Com essa prole toda, tive que mudar de emprego pra ganhar mais. Meu projeto de só parar em pé, bastando ter o estômago cheio, caiu por terra. O dinheiro precisava render e eu, também. Com sacrifício, criamos as meninas. Eu trabalhando, e a Mel cuidando delas.

O tempo se passou. Continuei feio e pobre. As meninas se casaram e a Mel arrumou um amante. No dia que descobri a traição, matei os dois. Como não tinha dinheiro para contratar um bom advogado, peguei um rábula que nem sabia direito o que era homicídio privilegiado. Hoje estou aqui cumprindo pena com mais oito na minha cela. Amália, Amélia e Emília nunca vieram me ver e, provavelmente, jamais virão. Dizem que a progressão de regime tardará a chegar. Não faço a menor ideia do que farei quando sair daqui, mas, honestamente, espero morrer antes disso. Agora, tenho que receber uma visita. Um sujeito quer me ver. Diz que é meu pai.

domingo, 16 de setembro de 2012

A foto que não era para o Facebook




É uma foto que não era para capa
Era a mera contracara, a face obscura
O retrato da paúra quando o cara
Se prepara para dar a cara a tapa
(Chico Buarque)


Depois que fiz meu perfil no Facebook fiquei na dúvida de qual foto deveria colocar em sua capa. Não sabia qual critério utilizar para a escolha. Vasculhei no arquivo de imagens do computador e achei a vencedora de um pequeno concurso que eu mesmo editei, julguei e dei o veredito. Nada mais simples.

A foto é essa aí, que todos já conhecem. Sou eu, numa noite de tertúlia etílica fumando um charuto. Há, aliás, um vídeo registrado nessa mesma data em que, olhando para a câmera, eu assinalo a “coerência” da camiseta e da procedência do charuto (cubano, é claro). Tratava-se de uma pilhéria.

Pois bem, o charuto não foi observado pela maioria das pessoas que comentaram a foto. O que motivou reações de toda sorte foi a vestimenta. A camiseta usada naquela noite trazia a inscrição: “Uma abelha só não faz pressão”, que é o tema de uma campanha de sindicalização da CUT. Vejam só: eu com uma camiseta de cunho ideológico da CUT!

A bem da verdade, nem me lembro como essa camiseta foi parar em casa. Vendo-a numa gaveta, ainda sem uso, com a malha gostosa, não hesitei: apossei-me dela naquela mesma noite. Jamais imaginei, contudo, que usá-la fosse suscitar tantos questionamentos sobre minha filiação partidária e ideológica. Não estou com ânimo para colocar às escancaras as razões das minhas decepções políticas nos últimos tempos. Assim, para não ferir ainda mais suscetibilidades e ensejar eventuais indagações, optei por trocar a foto do meu perfil no Facebook.

A foto do charuto – ou melhor, da camiseta –, como diria o poeta, “não era para a capa”, era apenas para “dar a cara a tapa”.  


sábado, 1 de setembro de 2012

Minha primeira vez

É difícil falar da experiência da primeira vez. Para muitos, é uma espécie de tabu, de tema proibido ou alguma forma de constrangimento. Eu mesmo, quando decidi escrever sobre o assunto, fiquei inquieto em relação à maneira como iria abordá-lo. Foi difícil vencer a barreira, mas, agora, creio ser o momento ideal para fazer o meu relato.

Todas as pessoas com as quais eu conversava me diziam que a primeira vez é uma experiência única, incapaz de ser traduzida por palavras ou qualquer outro meio de linguagem. Os mais experientes asseveravam aquilo que todos nós sabemos: ninguém nunca esquece a estreia, a famosa primeira vez. Comigo também foi assim. Quando aconteceu, tive alguma dificuldade para formular meu sentimento. 

Feitos esses esclarecimentos, vamos ao relato concreto.

Depois de comer uma maçã (nada mais apropriado para a ocasião do que o fruto proibido), iniciei as preliminares, ou seja, os alongamentos necessários a esse tipo de prática esportiva, se assim podemos chamá-la. Alonguei-me rapidamente e ainda sem ter certeza de que estava pronto para o ato, subi nela de maneira cautelosa. É muito importante ser cuidadoso nesse momento. Em poucos segundos o processo se iniciou. Embaixo de mim, um barulho com volume considerável começou a aumentar até que eu atingisse a velocidade necessária. O corpo principiou a se acostumar com o ritmo dos meus movimentos. De repente, fui instigado a aumentar ainda mais a velocidade daquela movimentação que já me parecia inusual. Alguma coisa dentro de mim anunciou que o processo estava no início. Não fui capaz de mensurar o tempo de sua duração. Estimo, contudo, que depois de meia hora, tenha acontecido o ápice.

Uma sutil sensação de anestesia e uma grande euforia havia tomado conta do meu organismo. Eu queria mais. Todavia, já estava de bom tamanho.... O principal havia acontecido: pela primeira vez na minha vida senti a famosa endorfina tomar meu corpo. Passados alguns minutos, desliguei a esteira e corri para tomar um banho.

A primeira endorfina, acreditem, a gente nunca esquece.

sábado, 18 de agosto de 2012

Algumas palavras sobre política


Em tempo de futuras eleições, valem algumas palavras sobre política....

Talvez ainda por ingenuidade, acredite que a política seja um instrumento de transformação social e, como tal, capaz de promover o bem comum (é claro que “bem comum” é uma expressão muito vaga). Em que pese ser vista, quase sempre, como mera conquista do poder e de eventuais vantagens materiais, somente a política se presta a realizar essa transformação de modo tão abrupto e fecundo. Não fosse por meio de canais políticos, de instrumentos de poder, o homem não teria logrado a organização social que hoje conhecemos. Muito provavelmente, estaria, ainda, na chamada fase da “democracia direta”, na qual os problemas coletivos eram resolvidos em praça pública, nas Ágoras. Como este tipo de democracia se tornou inviável em tempos modernos, tivemos de recorrer ao esquema representativo. Surgiram, então, as deturpações decorrentes da atividade eleitoral e partidária. Entretanto, essa deturpação nada tem a ver com a finalidade da política, com sua capacidade de aprimorar a vida gregária.

Não é razoável que à política atribuamos a prevalência de interesses pessoais, como se ela fosse culpada pelos desvios humanos e por toda sorte de práticas escusas voltadas para os anseios de eventuais candidatos. É evidente o divórcio entre a atividade política e o uso da política para cumprimento de anseios individuais. Por isso, não se pode, jamais, confundir o político (candidato) com a política (atividade). Há candidatos que vivem para a política, porque são vocacionados e visam a um objetivo alheio à obtenção de prerrogativas espúrias e à abonança material. Não precisarei ir além do que já foi dito, bastando citar o célebre ensaio de Max Weber sobre a política como uma vocação.

Uma das questões que me inquietam é o fato de se desdenhar da política como se ela fosse uma instituição bizarra. Por que entendê-la de maneira diferente quando comparada às outras atividades que assumimos?

Ora, é inescusável que ela pertença a todos os domínios da sociedade. Se assumimos compromissos profissionais e éticos, assumimos, por conseguinte, uma relação manifestamente política. O problema é que os adeptos do senso comum não hesitam em preteri-la, sem saber, no entanto, que estão, de um modo ou de outro, afirmando-a. De maneira bem simplória, a política permeia relações em vários segmentos da sociedade, desde aquela estabelecida entre patrão e empregado até aquela fincada entre membros de uma família.

Meu primeiro professor de Ciência Política, com a clareza solar que lhe era peculiar,  asseverava que qualquer tomada de decisões é uma atitude política. Até mesmo o ato de negar a política, de se dizer “apolítico” é uma conduta inequivocamente política. Em suma, queiramos ou não, assumimos, a todo instante, posições políticas, ainda que o façamos por meio da própria negação da atividade política.

Esse era o caso de intelectuais e modernistas que assumiram muitos postos públicos em prol de um projeto de construção nacional. Em que pese o repúdio que tinham da atividade política, não se furtavam a utilizá-la para fins nobres. Mário de Andrade é um exemplo paradigmático a esse respeito. Não avançarei na discussão porque já escrevi o suficiente sobre o assunto (para quem tiver interesse, vide meu livro Missionários de uma utopia-nacional popular: os intelectuais e o Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2004)

Para terminar esse pequeno post, seria oportuna a menção à proposta de Bobbio em separar a política em duas facetas elementares: a “Política da cultura” e a “política dos políticos”, também chamada de “política ordinária”.

Grosso modo, a primeira pode ser entendida “como atividade dedicada à formação e à transformação da vida dos homens", enquanto a segunda não se difere daquilo que habitualmente vemos em nossos dias: a política como atividade de defesa de interesses particulares e ordinários. A distinção entre ambas parece assumir, ao menos no Brasil, força cada vez maior.

Para quem desejar ler mais sobre o tema, sugiro a leitura das brilhantes obras de Marco Aurélio Nogueira e seu blog: http://marcoanogueira.blogspot.com  



sábado, 11 de agosto de 2012

Itens que você nunca deve dar de presente ao seu pai, sobretudo no Dia dos Pais


Por uma questão de espaço – e de conveniência – o título desse post não deveria ser tão extenso. Todavia, na falta de uma boa opção....

Bom, o enunciado já diz tudo. Trata-se de mais uma lista. Vamos lá:

Uma furadeira (se for daquelas em promoção... nem pensar. Tem algumas que vêm até com uma trena. Isso é uma ofensa, por mais inventivo e prestativo que seu pai seja!);

Uma caixa de ferramentas (vale o mesmo comentário acima);

Um par de meias (é a tradução da falta de criatividade. E de grana.);

Uma gravata (a única diferença com as meias é o valor, quiçá maior, da gravata);

Um ticket de promoção de alinhamento e balanceamento (falta de vergonha na cara!);

Um pijama (o arrependimento da sua conduta virá quando você o vir com as mãos no bolso, abrindo a boca de sono. Se tiver dado as meias ali de cima, fodeu!);

Um par de chinelos de couro (lembre-se: ele é seu pai e não seu avô);

Um par de chinelos de qualquer material (não importa: chinelo é chinelo);

Uma nécessaire (porra, é Dia dos Pais e não das Mães).


sábado, 4 de agosto de 2012

Tio Harlan 8: a tese de doutorado

Tio Harlan 8: a tese de doutorado


Um dia, sentado no sofá da casa do vovô, enquanto assistíamos TV, o tio Harlan conseguiu chamar a atenção de todos. Disse que queria ser doutor. Minha avó, toda inocente, achou que o filho estava tomando jeito, vergonha na cara. Sussurrou um “louvado seja o Senhor” e pensou que teria um médico na família. Que nada!

Depois de assistir a um documentário, o tio Harlan decidiu que seria doutor em Economia. Queria desenvolver uma tese histórica sobre o desenvolvimento do capitalismo. Para ele, Marx, Weber, Dobb e outros estudiosos não chegaram a elaborar uma tese perfeita sobre o assunto porque lhes havia faltado o essencial: a influência dos costumes sexuais da tribo Munkdóicos na gênese do capitalismo industrial. Era essa a proposta da tese do gênio da economia, ainda não descoberto e jamais publicado.

Naturalmente, como ainda não tinha feito o mestrado, não poderia concorrer a uma vaga no doutorado. Mas, o tio Harlan, sempre com aquela megalomania, achou que conseguiria convencer a banca a aprová-lo diretamente para o doutorado. Naquela época, isso era dificílimo. Todavia, ele acreditava que não seria impossível.

Ninguém acreditou quando chegou em casa e avisou que já tinha conversado com um professor. O sujeito se dispusera a orientá-lo. Por certo, era louco ou não havia entendido a proposta de pesquisa que lhe fora apresentada.

O fato é que depois daquele dia, durante um mês, ninguém conseguiu falar com o tio Harlan. Ele se trancou no quarto e passou a redigir o projeto da tese que tencionava escrever e defender. Vovó levava-lhe café da manhã, almoço e janta, sempre com dó do filhinho querido que, pasme, agora era um homem sério, aspirante a título de doutor de universidade pública. Pois a casa virou um sossego.

- Fiz minha inscrição! – foi a notícia bombástica.

Poxa, até eu que nunca me iludi com o tio Harlan, resolvi dar um crédito a ele. É bem verdade que fiz um esforço hercúleo para acreditar na sua “vocação” para pesquisa acadêmica. Estava quase me convencendo quando, um dia, ele chegou em casa com cara de revolta. Havia sido tremendamente injustiçado!

- O que aconteceu, meu filho? – perguntou vovó, já trêmula de piedade.

Todos ouviram sua história. A despeito de ter um projeto de pesquisa genial, capaz de mudar a história moderna da economia, o tio Harlan foi reprovado no processo seletivo para ingresso no doutorado. E a recusa não se deu pela ausência do mestrado.

Sucedeu o seguinte: além de um grande expert em economia, o velho Harlan tinha lá seus devaneios filológicos. Achava-se um linguista do porte de um Houaiss ou de um Aurélio Buarque. Resolveu inovar logo no início do projeto. Como era vidrado em palavras difíceis, queria achar uma correspondente para “introdução”, “introito” ou “prolegômenos”. Assim, abriu o projeto de sua tese de doutorado com o item “Prepúcio” que, na cabeça dele, significava início de alguma coisa.

Quando o pretenso orientador viu o projeto, exclamou:

- Caralho!

O tio Harlan, com aquela vocação ímpar para piada infame, explicou:

- Não é o caralho. É só o prepúcio.

Pronto. Recusaram-se a entrevistá-lo, mandando-o de volta para casa. Até hoje a vovó acredita que ele foi mesmo injustiçado. 


Tio Harlan continua me matando de orgulho....


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Lasik. Descolamento do epitélio. Erosão do epitélio. Complicações Lasik. Conjuntivite pós-Lasik.

Lasik. Descolamento do epitélio. Erosão do epitélio. Conjuntivite pós-Lasik

Dentre todas as vantagens da internet, uma delas é a socialização de ideias, de conhecimentos e de experiências. Por inúmeras vezes, procurei o relato de alguém que tivesse algo a dizer sobre um determinado assunto. Há pouco tempo, por exemplo, antes de me submeter à cirurgia Lasik, busquei relatos de pacientes que a tivessem realizado. Encontrei farto material descritivo da cirurgia, mas não me deparei com narrativas pessoais que pudessem atender às minhas inquietações.

Depois de feita a cirurgia, em virtude de uma pequena complicação, continuei investigando informações e vi apenas um único e breve comentário sobre complicação similar. Não bastasse, após um mês de transcorrida a Lasik, fui acometido por uma intensa conjuntivite.

Supondo que a experiência que tive possa ser útil a alguém, resolvi escrever sobre ela. O texto que segue não tem a menor intenção de ensinar qualquer coisa a quem quer que seja. Trata-se apenas de um relato pessoal. Nada além disso. Antes de iniciá-lo, para os desavisados ou incautos leitores, fique claro também que este blog jamais teve a pretensão de lidar com qualquer assunto ligado à área de saúde. Siga-se.

No inverno de 2007, por volta das seis horas da manhã, acordei com uma intensa dor no olho esquerdo. Não sabia o que havia acontecido, mas tinha a sensação de que algo tinha penetrado meu olho. Acabei coçando-o e, naturalmente, agravei ainda mais a dor que sentia. Consegui consulta com um oftalmologista que logo diagnosticou o problema: tratava-se de uma erosão epitelial. Para quem não sabe, o epitélio é aquela membrana que recobre e protege os olhos. Também tem a função de ajudar a enxergar. Durante aquela madrugada, ocorreu algum ressecamento e, quando abri os olhos, o epitélio havia aderido na pálpebra (ou vice-versa). A decorrência desse processo foi uma abertura abrupta do epitélio, o que também causou muita dor e um embaçamento na visão do olho esquerdo. Por óbvio, quando a erosão acontece na área central do olho, a visão fica realmente embaçada. Foi exatamente o que ocorreu naquela circunstância. Todavia, após 48 horas, o epitélio havia sido reconstituído e o embaçamento, sumido. Transcorrida uma semana, tudo estava bem novamente.

Depois daquela vez, outras tantas aconteceram, tanto na área central do olho, quanto na área periférica. Nenhuma, contudo, foi tão grave e dolorida.

Com o passar do tempo, compreendi que deveria evitar qualquer tipo de ressecamento ocular. Isso era ainda mais evidente quando cuidava-se do período noturno. Passei a pingar colírios lubrificantes com assiduidade, sobretudo antes de dormir.

Até então, a possibilidade de eu fazer a cirurgia refrativa era praticamente nula. Quando me perguntavam a respeito do assunto, dizia que morreria usando óculos e que não tinha a menor intenção de me submeter a qualquer tipo de cirurgia ocular que não fosse, futuramente, a catarata.

Em fevereiro desse ano, após conversar com um grande amigo que havia feito a cirurgia, percebi que a vida sem óculos poderia mesmo ser bastante agradável. Pouco a pouco, fui seduzido pela ideia de me submeter à cirurgia refrativa, embora ainda tivesse muito receio em decorrência da peculiaridade do meu epitélio. Consultei alguns médicos, relatando a todos os problemas de erosão epitelial que tive e colhi várias opiniões. Nenhuma delas, contudo, contraindicava a cirurgia. Ou seja, embora tivesse os olhos relativamente ressecados e o epitélio frágil, eu poderia me submeter ao procedimento cirúrgico.

Escolhi o médico que realizaria a cirurgia. Por razões óbvias, não irei mencionar aqui seu nome. Fiz mais duas consultas com ele para me assegurar de que não teria problemas pós-operatórios em decorrência da fragilidade epitelial. É evidente que jamais pretendi qualquer garantia. Em medicina isso não existe. A inexistência de certeza é, paradoxalmente, a única certeza da medicina. Eu já havia apreendido isso em outra situação, bem mais adversa.

O que desejava, ao menos para a cirurgia refrativa, era garantir que o médico tivesse plena ciência das minhas especificidades. Assim, poderia, caso necessário, intervir da maneira oportuna. Enfim, estava em busca de um cuidado básico, elementar.

A cirurgia

No dia 29/03/2012, enfim, fui submetido à Lasik. Não senti nenhuma dor e tampouco qualquer desconforto significativo. Após o procedimento, o médico colocou uma lente de contato em cada olho e me mandou de volta para casa.

No caminho de São Paulo a Campinas, tive sensações diferentes de todas aquelas que me foram relatadas. Enxergava tudo embaçado e não conseguia ficar de olhos abertos. Diziam-me, antes da cirurgia, que logo após a aplicação do laser, o paciente já sai olhando a tudo com nitidez. Pinguei os colírios indicados pelo médico e tomei todos os cuidados recomendados.

No dia seguinte, ao entrar na sala do cirurgião para o primeiro retorno, recebi a notícia:

- Ontem, durante a cirurgia, você teve um descolamento do epitélio.

Perguntei se o descolamento havia ocorrido nos dois olhos. A resposta foi afirmativa. As lentes de contato, colocadas após a cirurgia, foram retiradas e continuei a enxergar embaçado.

O médico então me disse que não sabia da fragilidade do epitélio. Atribuiu-a a uma circunstância que não vem ao caso mencionar. Todavia, disse-me que não tinha ciência das condições dos meus olhos, que não poderia se “lembrar de todo paciente” e, para fechar com chave de ouro, que “esqueceu de anotar na minha ficha”. Apesar de ouvir tanto absurdo de uma só vez, mantive a calma e acreditei que aquilo seria passageiro, como de fato foi.

As pessoas que já tinham feito a Lasik ou PRK diziam que era assim mesmo, que aquele embaçamento ao qual eu me referia era normal. Era difícil fazê-las compreender que algo havia dado errado no procedimento cirúrgico.

A ideia que se vende por aí é que nos dois primeiros dias após a cirurgia tudo volta ao normal, ou seja, todo o desconforto e incômodo desaparecem, remanescendo apenas uma leve sensação de embaçamento. Pois bem, nas 48 horas sucessivas à cirurgia, eu enxergava como se tivesse um plástico bolha na frente de tudo. Minha visão não estava apenas com embaçamento, mas com uma lâmina de plástico chamuscada.

A administração do colírio antibiótico sugerido pelo médico (Zypred) foi fundamental para que o epitélio iniciasse, em ambos os olhos, o processo de aderência. Aos poucos, bem aos poucos, tudo foi voltando ao normal. O olho esquerdo demorou muito mais que o direito para ficar “bom”. Foram tantos os testes de acuidade visual que fiz sozinho, que já nem me lembro mais quais eram as referências.

De forma resumida – e perdoando-me pelos lapsos que a memória é capaz de produzir –, poderia sintetizar assim o primeiro mês após a cirurgia:

Primeira semana – nos dois primeiros dias, tudo muito embaçado. No terceiro dia, consegui assistir televisão com algum conforto. Ler de perto, nem pensar. Impossível trabalhar na frente do computador.

Segunda semana – idem à primeira com melhoras para trabalhar com computador.

Terceira semana – ler de perto passou a ser algo viável.

Quarta semana – 70% dos problemas resolvidos. Ainda havia algum embaçamento no olho esquerdo. O olho direito estava ótimo, mas o esquerdo o atrapalhava para ler.

Enfim, após um mês, tudo caminhava bem. Aos poucos, a visão de cada olho ia se restabelecendo. Foi então que surgiu um outro problema temido por quem se submete a uma cirurgia refrativa: uma infecção (conjuntivite).

A conjuntivite

Um mês depois da cirurgia, mais precisamente em 30/04/2012, véspera de feriado nacional, meu olho esquerdo ficou vermelho, sem que eu o tivesse coçado. Aquilo que eu mais temia havia acontecido. Estava em curso uma conjuntivite.

Fui ao médico logo após o feriado. Qual médico? Aquele que havia me operado. Voltei a consultá-lo porque entendi que, sendo já conhecedor do problema havido na cirurgia, poderia me prescrever um tratamento ideal, em sintonia com a peculiaridade da minha situação. Enfim, precisava que ele me examinasse e me desse um diagnóstico. Quando entrei em sua sala, pasme, quase apanhei. Pois é. Pode parecer que eu esteja fazendo alguma pilhéria, mas não se trata disso. O médico ficou furioso comigo, como se eu fosse o culpado pela contaminação. Depois de tanto transtorno e a expectativa de melhora rápida, fui acometido pela conjuntivite e ainda tive de ouvir sermão do médico. Como dizem os mais pessimistas, nada é tão ruim que não possa piorar. Tive de me afastar do trabalho no escritório e das atividades docentes.

No início, a tal conjuntivite não apresentou os sintomas usuais, sobretudo a sensação de areia nos olhos. Demorou uma semana para que isso acontecesse. E foi somente depois desse tempo que o olho direito foi acometido pela infecção.

O tratamento que eu estava fazendo era simples: pingava colírios indicados, limpava o olho com água boricada ou soro fisiológico e, naturamente, administrei antibiótico via oral, de oito em oito horas.

Em uma semana, a conjuntivite passou do olho esquerdo para o direito. Veja bem, não estou dizendo que a infecção deixou de existir no esquerdo para migrar ao direito. Nem pense nisso. O olho direito foi, também (et pour cause), acometido pela conjuntivite.

No dia 08/05/2012, no período da tarde, estava naquela toada de fazer compressa e aguentar o mal-estar nos olhos. Comecei a sentir uma dor intensa no olho direito. Após relutar um bocado, decidi ligar para o médico para pedir algum medicamento capaz de atenuar aquela dor. A secretária dele sugeriu que eu passasse pelo consultório para pegar a receita de um remédio potente, apto a elidir o sofrimento. Como teria de ir até lá, não custaria nada que o médico me visse. Cuidando-se de encaixe, tive de esperar na antessala por algum tempo. A dor, que era enorme – reitere-se – continuava.

Quando, enfim, o médico me examinou, disse-me que não acreditava como estava aguentando a dor. Metade do epitélio do meu olho direito não existia. Ou seja, no processo da infecção, o epitélio se rompeu e eu fiquei sem proteção na área central do olho. Não era por outra razão que eu não enxergava nada, absolutamente nada com o olho direito.

Quanto ao olho esquerdo, tive outro problema: uma pequena infiltração tinha acontecido. A infecção tinha atingido uma das camadas da córnea (foi isso que entendi).

Para recuperar o epitélio, foi-me indicado o Epitezan, uma pomada rica em vitamina “A” que ajuda a “reepitelização” do olho. Numa pessoa que não tenha problemas no epitélio, esse processo de reconstituição não demora mais do que 24 ou 48 horas. Para mim, demorou mais de uma semana.

No dia 09/05, resolvi trocar de médico. Conforme já disse, não vou declinar o nome daquele que fez a cirurgia em mim. Não o considero um mal profissional, mas, por motivos pessoais, preferi recorrer a outro médico que já havia me atendido. Foi com ele que terminei o tratamento da fase aguda. É ele, aliás, que está me acompanhando até hoje e que merece elogios aos magotes. 

Voltando ao assunto. Com o olho direito sem epitélio e o esquerdo ainda infectado, minha visão era demasiado precária. Não conseguia abrir o olho direito e, para reconstituir seu epitélio, deveria ficar o mais que pudesse com ele fechado. O esquerdo me possibilitada ver o básico, andando sem esbarrar em nada e tomar banho.

A sensação que se tem ao ficar cego de um olho é horrível. Quem tem os dois olhos funcionando bem, não faz ideia do que é perder a quase totalidade da visão de um deles. Pois a minha visão foi voltando aos poucos, exigindo de mim muita paciência. No início, não via nada. Depois, um vulto. Após algum tempo, o vulto começava a assumir uma forma. Mais adiante, a forma passava a ser dotada de cor e limites. Depois, só depois de um bom tempo, a visão voltou ao “normal”.

Era impressionante a resistência da infecção. Debelá-la parecia impossível, mesmo com tantos cuidados, administração rigorosa de remédios e fé. Quando se imaginava que as coisas caminhavam para o desfecho, abria-se nova situação com problema diverso. A sensação de impotência era enorme e bastante opressora.

A essa altura do campeonato já não sei mais dizer como deveria ser minha visão após a cirurgia. Hoje, ainda faço tratamento para que os olhos não fiquem inflamados (estou usando corticoide). Todavia, a visão ainda está por se “acomodar”, agora de maneira mais rápida e, felizmente, sempre progressiva.

A dois dias de completar quatro meses de cirurgia, estou com o olho esquerdo muito bom para enxergar para longe. O direito ainda tem um sutil embaçamento que talvez decorra da má qualidade do epitélio. Quando preciso ler alguma coisa de perto, uso óculos de um grau de hipermetropia. É certo que ainda há tempo para ver o que acontecerá. Creio numa recuperação lenta, mas capaz de me atribuir uma visão muito boa nos dois olhos. 

Muitas sensações, expectativas e insegurança rondaram minha consciência durante o tempo em que enfrentei esses problemas todos. Cheguei mesmo a imaginar que a infecção poderia chegar a tal ponto que ficaria cego dos dois olhos. Em princípio, a ideia pode parecer absurda, mas, para quem está no olho do furação, é de se perdoar eventual exagero.

Embora saiba que esse relato é singular, não servindo para outra pessoa balizar qualquer conduta, tenho a convicção de que ele poderá ser útil de alguma forma. Publicá-lo aqui no blog não era minha intenção. Todavia, em virtude dos motivos apresentados no início deste post, entendi por bem não me furtar a fazê-lo.

Por fim, não poderia deixar de registrar e agradecer às pessoas que tiveram participação fundamental na minha recuperação, inclusive outros médicos (um deles me atendendo até por telefone). Igualmente, agradeço aquelas que, embora não contribuindo diretamente para meu restabelecimento, resolveram problemas rotineiros que eu não poderia resolver. Não preciso citar seus nomes. São pessoas queridíssimas. Cada uma delas sabe a medida da ajuda que me deram. Espero que tenham ciência do tamanho do meu carinho por todas elas.

Em tempo: o título deste post foi propositalmente feito como uma espécie de key-words para auxiliar a quem procure por material sobre o assunto. E nisso, repito, não há nenhuma pretensão de ordem médica.