No último dia do ano pipocam nos jornais, na internet e na TV um balanço do que se passou. Todo mundo se arrisca a avaliar experiências pessoais, procedimentos da equipe econômica da presidência da República, o comportamento do mercado de aplicações financeiras, o mercado imobiliário, o tempo e o vento, enfim.
Há exatos três anos, escrevi o post “Não prometo”, enumerando coisas que não faria em 2009. Hoje, volto aqui para não prometer nada. Tampouco para fazer balanços.
Venho lamentar a morte do Dr. Socrátes, da Amy Whinehouse, do Steve Jobs e das crianças na escola do Realengo. Lamento também o câncer do Gianecchini, do Lula e da nossa vizinha Cristina Kirchner. Esqueci-me de outro lamento importante?
É claro que teria muitas coisas a comemorar. Mas, quanto a elas, torço para que continuem dando certo. Vamos em frente, com saúde, sempre! Feliz 2012!
"Modelando o artista ao seu feitio/ O tempo, com seu lápis impreciso/ Põe-lhe rugas ao redor da boca/ Como contrapesos de um sorriso. "Tempo e artista" - Chico Buarque/1993
sábado, 31 de dezembro de 2011
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Meu carrinho de rolimã
Meu avô era médico, mas tinha alguma vocação para a engenharia. Provavelmente, só a descobriu tarde, quando, já formado e estabelecido em Rio Preto, montou uma oficina bem equipada em sua casa: havia torno, esmeril, máquina-de-não-sei-o-que-lá e uma infinidade de ferramentas. Depois de aposentado, com tempo totalmente livre, colocou-se a fazer todo tipo de engenhoca. Uma delas foi o meu carrinho de rolimã, produzido, salvo equívoco, no verão de 1978. Eu tinha 6 anos.
O carrinho era um arraso. Bem diferente dos tradicionais, ele tinha direção, breque de mão e lugar para apoiar os pés. Tinha também um banco – vejam só: banco! – com espaldar baixo. Além de tanto requinte, haveria de ter um pouco de conforto. Só não era uma máquina, porque não tinha motor.
Quem já viu um carrinho de rolimã deve saber que sua direção está no próprio eixo dianteiro, onde se colocam os pés para determinar o sentido do trajeto a ser percorrido. São também os pés que servem de freio, bastando apertar a sola do tênis contra o asfalto. Banco? Imagine.... O tradicional carrinho de rolimã é uma tábua sobreposta em dois eixos e nada mais.
Pois o meu carrinho foi um sucesso quando chegou em São Carlos. A molecada do prédio não conseguia compreender como ele poderia ser tão ousado. Criou-se fila para dar uma volta, ou seja, para descer o quarteirão final da rua Manuel de Souza Lima. Todo mundo ficou impressionado com o veículo. Os meninos divertiram-se à farta, malgrado o ciúme que me despertaram naquele dia.
Pouco tempo depois, marcou-se uma corrida. Eu tinha confiança de que meu carrinho, com toda aquela estrutura, não me deixaria na mão. Certamente, seria o primeiro a chegar. Não era para menos: com tanta tecnologia envolvida em sua produção, o sucesso era certo. Eu o dava como favas contadas! O resultado, entretanto, foi catastrófico: fui o último a cruzar a linha de chegada. Como se explicava aquilo?
Certamente, meu avô fizera o veículo como um ornamento ou, quando muito, um brinquedo que pudesse me oferecer segurança. Não deve ter passado por sua cabeça que a competitividade seria grande, sobretudo quando vissem que aquele carrinho destoava dos demais e oferecia, ao menos em tese, uma ameaça às construções rudimentares que eram feitas pela meninada. Tivesse ponderado sobre o assunto, teria feito algo mais leve, realmente capaz de ganhar uma corrida. Enfim, o projeto não foi desenvolvido para competir, mas para passear ou brincar. Por melhor que fosse o condutor, o resultado das corridas seria sempre o mesmo: o último lugar.
Além da frustração das corridas, havia um detalhe que me deixava desgostoso: as cores do meu possante. Quando meu avô estava prestes a pintá-lo, pedi que fossem branco e preto, em homenagem ao Corinthians. Ele, de pronto, rechaçou a ideia com alguma rabugice. Disse que o carro teria de ser preto e amarelo, a exemplo das máquinas da Copersucar. Eu nem sabia que raios eram a tal Copersucar. Sabia apenas que já era corintiano. Queria meu carrinho em preto e branco e alimentei a ilusão de que, quando me fosse entregue, estaria de acordo com a minha vontade. Infelizmente, meu avô não abriu mão da sua posição. E ainda tive que ouvir de meus amigos a pergunta fatal: por que amarelo e preto?
Tinha intenção de colocar aqui no blog as fotos da “máquina”. Sucedeu, todavia, que, estando na casa dos meus pais recentemente, obtive a informação de que o carrinho está guardado no cume de um armário. Na frente dele, há tantas outras coisas difíceis de remover. Tirá-lo dali, portanto, seria uma tarefa bastante árdua para um período de Natal. Eu até estava disposto. Contudo, minha mãe, impiedosa, me ameaçou: se o carrinho sair de lá, terá de levá-lo para sua casa. Como espaço por aqui é artigo raro, deixei a preciosa invenção do meu avô trancada às quatro chaves. Mas, juro que ela existe!
O carrinho era um arraso. Bem diferente dos tradicionais, ele tinha direção, breque de mão e lugar para apoiar os pés. Tinha também um banco – vejam só: banco! – com espaldar baixo. Além de tanto requinte, haveria de ter um pouco de conforto. Só não era uma máquina, porque não tinha motor.
Quem já viu um carrinho de rolimã deve saber que sua direção está no próprio eixo dianteiro, onde se colocam os pés para determinar o sentido do trajeto a ser percorrido. São também os pés que servem de freio, bastando apertar a sola do tênis contra o asfalto. Banco? Imagine.... O tradicional carrinho de rolimã é uma tábua sobreposta em dois eixos e nada mais.
Pois o meu carrinho foi um sucesso quando chegou em São Carlos. A molecada do prédio não conseguia compreender como ele poderia ser tão ousado. Criou-se fila para dar uma volta, ou seja, para descer o quarteirão final da rua Manuel de Souza Lima. Todo mundo ficou impressionado com o veículo. Os meninos divertiram-se à farta, malgrado o ciúme que me despertaram naquele dia.
Pouco tempo depois, marcou-se uma corrida. Eu tinha confiança de que meu carrinho, com toda aquela estrutura, não me deixaria na mão. Certamente, seria o primeiro a chegar. Não era para menos: com tanta tecnologia envolvida em sua produção, o sucesso era certo. Eu o dava como favas contadas! O resultado, entretanto, foi catastrófico: fui o último a cruzar a linha de chegada. Como se explicava aquilo?
Certamente, meu avô fizera o veículo como um ornamento ou, quando muito, um brinquedo que pudesse me oferecer segurança. Não deve ter passado por sua cabeça que a competitividade seria grande, sobretudo quando vissem que aquele carrinho destoava dos demais e oferecia, ao menos em tese, uma ameaça às construções rudimentares que eram feitas pela meninada. Tivesse ponderado sobre o assunto, teria feito algo mais leve, realmente capaz de ganhar uma corrida. Enfim, o projeto não foi desenvolvido para competir, mas para passear ou brincar. Por melhor que fosse o condutor, o resultado das corridas seria sempre o mesmo: o último lugar.
Além da frustração das corridas, havia um detalhe que me deixava desgostoso: as cores do meu possante. Quando meu avô estava prestes a pintá-lo, pedi que fossem branco e preto, em homenagem ao Corinthians. Ele, de pronto, rechaçou a ideia com alguma rabugice. Disse que o carro teria de ser preto e amarelo, a exemplo das máquinas da Copersucar. Eu nem sabia que raios eram a tal Copersucar. Sabia apenas que já era corintiano. Queria meu carrinho em preto e branco e alimentei a ilusão de que, quando me fosse entregue, estaria de acordo com a minha vontade. Infelizmente, meu avô não abriu mão da sua posição. E ainda tive que ouvir de meus amigos a pergunta fatal: por que amarelo e preto?
Tinha intenção de colocar aqui no blog as fotos da “máquina”. Sucedeu, todavia, que, estando na casa dos meus pais recentemente, obtive a informação de que o carrinho está guardado no cume de um armário. Na frente dele, há tantas outras coisas difíceis de remover. Tirá-lo dali, portanto, seria uma tarefa bastante árdua para um período de Natal. Eu até estava disposto. Contudo, minha mãe, impiedosa, me ameaçou: se o carrinho sair de lá, terá de levá-lo para sua casa. Como espaço por aqui é artigo raro, deixei a preciosa invenção do meu avô trancada às quatro chaves. Mas, juro que ela existe!
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
A tal cultura popular....
Sempre fui um defensor inconteste da cultura popular. Minhas maiores referências culturais são de extração popular: Chico Buarque e Mário de Andrade. Também sou daqueles que acham que a cultura não tem gradações. Não existe uma cultura melhor do que outra. Tampouco existe cultura mais importante que as demais. Cultura é cultura e, por mais idiota que isso possa parecer, a maioria das pessoas não entende essa simples assertiva. Ok, não vamos falar nos frankfurtianos para não estender o assunto sem necessidade.
A cultura popular, é fato, se assemelha a um quadro composto por um sem-número de matizes. Nela, de maneira bem pragmática, tudo aquilo que não for erudito, poderá ser considerado popular. Por aí se vê a vastidão de manifestações que, sem receio algum, podemos qualificar de populares.
Na música, por exemplo, a cultura popular é capaz de “acolher” desde Chico Buarque a Zeca Pagodinho, de Tom Jobim ao Bonde do Tigrão, de Noel Rosa a Lobão, de Cartola a Zezé de Camargo e Luciano, de Edu Lobo até Beto Barbosa, de Paralamas do Sucesso até a.... Banda Calypso.
Dizer que as culturas são diferentes e que não há, entre elas, nenhum tipo de hierarquia não é o mesmo que deixar de reconhecer que existe, do ponto de vista de sua composição, uma diferença significativa. É indiscutível que a elaboração de algumas obras populares demandem mais esforços de inteligência e talento do que outras.
Exemplificando, não dá para comparar a qualidade literarária de uma letra de música que diz “Ergueu no patamar quatro paredes sólidas, Tijolo com tijolo num desenho mágico, Seus olhos embotados de cimento e lágrima” (Chico Buarque) com outra que diz “Vem, vem, Tchutchuca, Vem aqui pro seu Tigrão, Vou te jogar na cama, E te dá muita pressão!” (Bonde do Tigrão). Em que pese a importância e o necessário respeito à música do Bonde do Tigrão, seus versos muito se distanciam (estou sendo eufêmico) do requinte da produção do Chico.
Diga-se o mesmo de uma melodia qualquer de Tom Jobim e de uma música de Rock ‘n Roll que, em tese, está respaldada numa estrutura de três minguados acordes. Ou, por fim, uma composição de Edu Lobo para teatro e algo da lavra de um Latino.
Seja como for, a cultura popular é como coração de mãe: nele cabem muitos filhos que merecem respeito. Mesmo assim, preconceitos à parte, confesso que às vezes é difícil suportar algumas composições. Recentemente, tive a infelicidade de ouvir um cantor chamado Miguel Teló cantando o seguinte: “Delícia, delícia, Assim você me mata, Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”.
“Ai se eu te pego, ai, ai, se eu te pego”????
Aí, não dá! É de foder!
A cultura popular, é fato, se assemelha a um quadro composto por um sem-número de matizes. Nela, de maneira bem pragmática, tudo aquilo que não for erudito, poderá ser considerado popular. Por aí se vê a vastidão de manifestações que, sem receio algum, podemos qualificar de populares.
Na música, por exemplo, a cultura popular é capaz de “acolher” desde Chico Buarque a Zeca Pagodinho, de Tom Jobim ao Bonde do Tigrão, de Noel Rosa a Lobão, de Cartola a Zezé de Camargo e Luciano, de Edu Lobo até Beto Barbosa, de Paralamas do Sucesso até a.... Banda Calypso.
Dizer que as culturas são diferentes e que não há, entre elas, nenhum tipo de hierarquia não é o mesmo que deixar de reconhecer que existe, do ponto de vista de sua composição, uma diferença significativa. É indiscutível que a elaboração de algumas obras populares demandem mais esforços de inteligência e talento do que outras.
Exemplificando, não dá para comparar a qualidade literarária de uma letra de música que diz “Ergueu no patamar quatro paredes sólidas, Tijolo com tijolo num desenho mágico, Seus olhos embotados de cimento e lágrima” (Chico Buarque) com outra que diz “Vem, vem, Tchutchuca, Vem aqui pro seu Tigrão, Vou te jogar na cama, E te dá muita pressão!” (Bonde do Tigrão). Em que pese a importância e o necessário respeito à música do Bonde do Tigrão, seus versos muito se distanciam (estou sendo eufêmico) do requinte da produção do Chico.
Diga-se o mesmo de uma melodia qualquer de Tom Jobim e de uma música de Rock ‘n Roll que, em tese, está respaldada numa estrutura de três minguados acordes. Ou, por fim, uma composição de Edu Lobo para teatro e algo da lavra de um Latino.
Seja como for, a cultura popular é como coração de mãe: nele cabem muitos filhos que merecem respeito. Mesmo assim, preconceitos à parte, confesso que às vezes é difícil suportar algumas composições. Recentemente, tive a infelicidade de ouvir um cantor chamado Miguel Teló cantando o seguinte: “Delícia, delícia, Assim você me mata, Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”.
“Ai se eu te pego, ai, ai, se eu te pego”????
Aí, não dá! É de foder!
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