sábado, 16 de abril de 2011

Impressões tardias sobre a guerra no Rio

Agora que o assunto não está mais no centro dos debates nacionais, que as discussões já serenaram e que a mídia não mais se preocupa tanto, gostaria de fazer sumárias - e tardias - observações sobre aquilo que se convencionou chamar de a “Guerra contra o tráfico”, ocorrida nos meses finais de 2010.

Em 2006, quando publiquei meu livro (Direito informal e criminalidade: os códigos do cárcere e do tráfico), trabalhei com uma premissa básica e já bastante divulgada por outros autores: a de que a população das comunidades faveladas permeadas pelo narcotráfico geralmente apóia a conduta de seus líderes e repudia as iniciativas da polícia e/ou do poder estatal. Esta postura só se explica pela absoluta ausência do Estado nessas comunidades. Ante as lacunas deixadas pelo poder oficial, é sintomático que irrompam formas alternativas de resolução dos conflitos sociais no morro. A partir de benfeitorias assistencialistas (construção de quadras poliesportivas, pagamento de material escolar a familiares que contribuem para o “movimento”, organização de bailes funks, saneamento, asfalto, etc), os líderes do tráfico logram obter uma legitimidade que seria motivo de inveja a vários políticos do cenário brasileiro.

Essa tese, factível e verificável até os dias atuais, suscitou, com o novo embate entre o Estado e o Tráfico, algumas reflexões. Primeiramente, são dignas de notas as manifestações positivas da população em relação às investidas da operação conjunta entre Polícia Militar, Exército e Polícia Federal. Segundo consta das notícias midiáticas, vários foram os moradores da Favela do Cruzeiro e também do Complexo do Alemão que mostraram deliberadamente sua expectativa de que a força do poder oficial pudesse solapar, de vez, os desmandos do narcotráfico em suas comunidades. É bem verdade que não se pode deixar de mencionar, também, que abusos por parte da polícia foram registrados por moradores. Mas isso, por si só, renderia nova discussão.

Outro aspecto dessa “guerra” que suscita debates é a eficácia das ações estatais para o combate ao tráfico. Sempre ouvi dizer, dos ingênuos desejosos de paz, que, a qualquer momento, a polícia poderia invadir os morros cariocas e acabar com tudo aquilo. Leia-se: acabar com o narcotráfico. Ou seja, acreditava-se que a polícia poderia arrostar o poder paralelo e minar suas bases. Para isso, diziam os incautos, bastaria que houvesse, por parte do Estado, vontade política.

Nessas discussões, sempre argumentei que a polícia não tinha sequer equipamento (armas de fogo) suficiente para uma investida eficaz nas favelas. Anotei também no meu livro – e isso é bastante sabido – que os armamentos mais sofisticados, muitos deles privativos de forças militares estrangeiras, constituem a base da beligerância do tráfico. Ora, se o fuzil mais sofisticado do mundo pertence aos líderes do narcotráfico carioca, não é com pistolas de calibre baixo que o aparato policial conseguirá êxito em um confronto armado.

Pois é.... a experiência recente de ocupação dos morros mostrou que, em conformidade com o que muita gente pensava, bastou haver a tão propalada vontade política, organização e ação para que algo realmente significativo fosse feito. Em outros termos, aqueles que defendiam o grande poderio do tráfico ficaram perplexos com a facilidade policial para promover o êxodo de alguns traficantes de seus redutos. Hoje, certamente, aqueles que acima qualifiquei de incautos, devem estar vociferando, dizendo que tudo é muito simples. Num momento de desvario, cheguei mesmo a perguntar se eles – os tais incautos – não teriam razão.

Por fim, um último comentário. Atualmente, há uma ilusão de que as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) conseguirão manter os traficantes longes do morro. Até segundo aviso, não pretendo acreditar rigorosamente nisso. Caso não haja ação constante e presença do Estado para preencher as lacunas que geraram o assistencialismo dos narcotraficantes, a antiga estrutura irromperá novamente. Estaremos, portanto, diante de um círculo vicioso

O problema é, enfim, estrutural e não episódico.

Um comentário:

Joaninha disse...

ROBERTO, Belo Dia!!!

Obrigada pela "precisa" oportunidade de conhecer mais você como escritor.
A leitura de seu Post de hoje,cabe de forma interessante e posso lhe dizer intensa,aos olhos de uma sociedade que necessita escolher o que lhe apetece como efeitos sociais e aqueles ditos especiais, baseada naquilo em que entende como "imprecisões e precisões fundamentais para a sua própria vida".(Sim, estou falando da Sociedade como um todo.)
Saber mais de sua literatura social é e foi para a Jô desbravar-se num mundo que ela conhece, mas não tão "precisamente" fácil de se comunicar sobre as "pressões" evolutivas do/no estado de Poder em que vivemos!!
Só posso afirmar após a sua leitura de que :

"SIM, É PRECISO LER ...SIM!!!"
Portanto o LÁPIS que precisamos nesse momento ROBERTO,"é sim precioso" em suas mãos, SIMMMMM!!!

Com Amor amiga sempre Jô
(e não é loucura da joaninha)