Hoje, com tanta tecnologia à nossa volta – computadores com editores de texto, celulares, internet, e-mails e os cambau – fico pensando em como era pacata a vida no passado. Não penso num passado muito remoto, o que, em si, já seria razão para morrer de tédio. Imagino o meu passado sem nada disso. Uma retrospectiva sempre me arrebata a memória, fazendo-me acreditar que hoje vivemos tempos mais ditosos.
Quando eu tinha meus seis anos, havia em casa uma televisão valvulada, branca e preta. Nem sei quantas polegadas tinha, mas era pequena. Logo depois, um ou dois anos, tivemos uma TV colorida. Era uma novidade sensacional. Ver desenho em cores era algo absolutamente distinto daqueles movimentos monocromáticos que só prendiam a atenção da criança pela trama. Em matéria de plasticidade, houve um enorme progresso.
Os telefones eram compostos por um disco que, quando posto em ação, exigia um tempo considerável para voltar ao seu ponto de partida. Somente quando isso acontecesse é que o usuário poderia discar outro número. Um ansioso dos tempos de hoje certamente se tornaria inimigo daquele aparelho. Vieram as teclas e, bem depois, ouvi dizer que existia um mecanismo que identificava o número que originava as chamadas. Era a tal da Bina. A molecada passou a temer a aplicação de trotes, malgrado tenha se recusado a parar com eles.
Computadores já existiam, mas longe estavam do poder aquisitivo da classe média. Nem mesmo as universidades públicas os tinham em quantidade. Eram restritos. Em 1987, tive aula de computação na escola. Estava no primeiro colegial e não achava nenhuma utilidade para os programas de XP que os professores insistiam em nos ensinar. Apenas a idéia de um editor de texto me fascinava. Imagine: substituir máquinas datilográficas!
Em 1992, aqui em Campinas fiquei surpreso ao imaginar que teria encontrado uma funcionária de supermercado educadíssima. Disse-me que eu não precisaria preencher o cheque para pagar a compra. Ela mesma o faria. Quanta gentileza! Tratava-se de uma pequena máquina que imprimia o cheque inteiro, bastando o consumidor assiná-lo. Logo, as cidades de médio porte passaram a ter essas máquinas. Hoje, elas quase não existem.
E as balanças digitais! Creio que foi por causa delas que o mundo da alimentação teve significativa alteração. Os restaurantes, até então, só funcionavam no esquema a la carte ou buffet. A refeição a quilo certamente aumentou a possibilidade de consumo em muitos restaurantes. Não creio ser exagero a afirmação de que muita gente deixou de cozinhar em casa para frequentar aquele restaurante que oferecia um ótimo custo-benefício. Eu mesmo fui, por dez anos, escravo dos restaurantes a quilo.
Chegamos aos computadores. Em 1991, ainda na faculdade, atrevi-me a mexer em um editor de texto. Era um Word cuja tela era preta e as letras, verdes. Acho que era o DOS. Os disquetes eram finos, flexíveis e tinham um diâmetro considerável. A vista de quem ficava em frente ao computador logo se cansava. Afinal, era tudo monocromático, tal como as antigas televisões.
Em 1994, decidi abandonar minha Olivetti. Os microcomputadores – à época chamados de PCs – começaram a baratear e a invadir os lares. Em pleno momento de implantação do Plano Real, comprei meu primeiro computador. Era um 386 com monitor preto e branco. Já estávamos na plataforma Windows e tudo em matéria de computação era mais lúdico. Até mesmo a paciência digital – Freecell e Solitarie – poderia ser jogada vendo as cartas todas na mesma cor. Pouco importava.
O Word foi a grande revolução para quem desenvolve qualquer atividade ligada à escrita. Mexer no texto, arrastar frases, movimentar parágrafos, incluir rodapés.... tudo isso era facílimo. E, sinal de relevo, não exigia papéis. Poderíamos editar de fato o texto até sua forma final. Somente depois é que teríamos de imprimi-lo. E imprimíamos, ao menos num primeiro momento, rodeados de barulho pelas impressoras matriciais. Aquilo era um horror que só foi atenuado com as impressoras jato de tinta. Todavia, já não se pensava mais em escrever à máquina, amassar várias folhas com redação equivocada, retomar o texto do ponto de partida....
Tive o primeiro contato com e-mail quando minha irmã me mostrou, numa sala da USP, que iria mandar uma mensagem instantânea a um colega que estava no computador do outro lado do departamento. Naquele dia foi difícil imaginar a dimensão do que seria, hoje, uma mensagem de correio eletrônico – o já velho e bom e-mail.
Também foi necessário algum tempo para a consagração dos e-mails. No início, eles eram usados numa tela preta, exatamente como o antigo DOS. Meu primeiro endereço eletrônico foi criado em 1995. Eram poucas as pessoas que tinham e-mail e, geralmente, eram e-mails corporativos, ligados a universidades públicas ou empresas grandes.
A internet funcionou em casa apenas em 1999. Diverti-me bastante procurando informações na rede. Pouco tempo foi necessário para perceber que tais informações eram, em sua maioria, de duvidosa qualidade. A pesquisa acadêmica ainda era restrita por meio da internet. Bibliografias, artigos, textos e materiais de ciências humanas foram paulatinamente ganhando espaço na rede.
Um dia me disseram que eu poderia esquecer o fichário da biblioteca. Poderia consultar o acervo pela internet, anotar o número do livro e ir diretamente até a estante para retirá-lo. Que maravilha! Os ácaros daquelas fichinhas puídas devem ter se refestelado, trancados nos armários de metal.
Seria ocioso falar sobre as infinitas vantagens da internet. Uma criança, na década de oitenta, pouquíssima informação tinha a sua disposição. Foi uma geração formada pela pesquisa em bibliotecas, nos verbetes da Barsa ou de qualquer congênere. E muita coisa – muita coisa mesmo – ficou alijada das informações pretendidas. Lembro-me, por exemplo, do dia em queria conhecer a letra de Luiza, do Tom Jobim. A música foi gravada para novela Brilhante, da Globo, e a versão que eu possuía era o registro de um gravador mono colocado ao lado do auto-falante da televisão. Em um determinado trecho, ouvia-se, de modo precário, "embaixo dessa neve mora um coração". Fiquei na dúvida se aquilo era "neve" ou "nave". Devia ser neve, é claro, mas a dúvida me perturbou. Houvesse o Google, pronto: ela não resistiria a nem uma hora. Diga-se o mesmo para as músicas estrangeiras ouvidas em rádios. Sem inglês fluente, quem se arriscaria a cantar a música sem cometer deslizes quanto à letra? Ninguém.
Quanto às questões de sexualidade, tudo era também mais difícil. Tínhamos as Playboys impressas que, diga-se de passagem, eram caras. O acesso a elas era feito quando íamos ao barbeiro e as folheávamos com um misto de excitação e constrangimento. Hoje é desnecessário falar de como as fotos de mulheres desnudas são facilmente vistas pela molecada (e também por adultos, é óbvio). São trocadas por e-mail, sem custo, sem constrangimento, sem impedimentos de qualquer natureza.
Enfim, creio mesmo que era chato ser criança sem essa tecnologia toda. Hoje o mundo é mais lúdico, a informática é mais atraente e possibilita uma infindável rede de comunicação e informação.
Já me perguntei, por várias vezes, se não nasci na hora errada. A despeito da chatice da infância faltosa de tecnologia, minha resposta foi negativa. É gratificante acompanhar essa permanente transição que o mundo vive atualmente.
4 comentários:
Roberto,
gostei e me diverti com o seu texto. Parabéns!
Também andei me perguntando questões semelhantes por estes dias...
Abraços e tudo de bom,
Pito, é prazeroso ler-te. Mas não fico a repetir esse aspecto dos teus textos por aí, pois com prazer é mais caro.
À propósito, pode ser que a gente pense ter nascido em hora errada, pela mesma razão em não acreditar morrer na hora certa.
Aquele abraço pernóstico.
Oi, Roberto!!
Amei, seu texto... Fantástico!!
Claro, tenho 53 anos... hehehe
PARABÉNS!
Ok, Adna!
Muito obrigado pela leitura.
Apareça sempre!
Roberto.
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