quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Não prometo

Não prometo fazer uma série de coisas em 2009!

Não prometo que vou parar de fumar, porque já parei há três anos. Se conseguir continuar a vida assim, tanto melhor. Se fumar é bom demais, deixar de fazê-lo é melhor ainda! Acreditem....

Não prometo que não vou comer carne vermelha, porque não faço isso há muito tempo. Isso nada tem a ver com religião ou com a tentativa de ter uma vida saudável. Simplesmente não gosto de carne vermelha. Nunca gostei!

Não prometo que vou fazer regime. Hoje, com excessivos 75 quilos, sou um gordo feliz que se recusa a deixar de consumir refrigerantes e chocolate. Mesmo depois de ter sido aceito, ainda que timidamente, ao clube dos obesos, continuo sem me preocupar com a quantidade de calorias que tem um determinado alimento ou bebida. Assim, não prometo que vou olhar com atenção os níveis de calorias impressos nas embalagens que habitam o nosso mundo.

Não prometo que vou adorar fazer ginástica. Recuso-me a acreditar que, de uma hora para outra, irromperá em mim uma enorme vontade de fazer exercícios físicos. Que eu precise deles, não se discute. Tampouco se discute que eu os odeie, porque sou avesso a qualquer forma de esforço físico que não resulte em prazer. Aquela droga natural a que chamam de Endorfina, e que é liberada com alguns minutos de movimentação intensa, é algo que jamais logrei experimentar. Não me venham com aquele papo de que ela entra na corrente sangüínea e nos oferece uma sensação de bem-estar. Bem-estar é, aliás, algo totalmente diferente disso. Seja como for, tentarei movimentar-me com mais assiduidade.

Não prometo esquecer que o Corinthians esteve na segunda divisão durante todo o ano de 2008. Não prometo deixar de admitir que o gorducho Ronaldinho poderá trazer novos ares para a Fiel Torcida e para o espírito do próprio Timão. O menino já superou limites muito maiores do que reerguer um time com fracassos momentâneos.

Não prometo que vou deixar de me irritar com as sandices do Molusco Barbudo, porque, acreditem, ele demonstrou ter uma capacidade ímpar de me incomodar com seus comentários estúpidos. Não prometo, por conseguinte, que continuarei acreditando que o partido dele ainda prima pela ética, pela construção de valores democráticos e, sobretudo, pela lisura no trato da coisa pública.

Não prometo que vou esquecer que um dia discuti, esbravejei e briguei por uma idéia de política que se revelou uma falácia e mostrou que seus autores eram tão parecidos ou iguais aos canalhas que eu, do lado de cá, reputava uns verdadeiros imbecis. Não prometo que deixarei de me irritar com discursos que não têm o menor significado prático e que são, na maioria das vezes, produto de retórica ordinária.

Não prometo que vou continuar defendendo a necessidade do voto obrigatório como instrumento (ainda que autoritário!) de educação para cidadania. Não prometo isso porque realmente as escolhas políticas estão cada vez mais difíceis de serem tomadas e, ao contrário do que sempre professei, tenho visto políticos sem vocação, sem vontade de transformar a sociedade e sem aptidão para promover o bem comum.

Não prometo que passarei a acreditar na justiça e na capacidade do Judiciário albergar as demandas dos desvalidos e daqueles que nem sequer sabem o que é cidadania. Não prometo, também, que ficarei conformado com as arbitrariedades que cotidianamente se cometem no Brasil apenas porque já se sacramentou que a justiça é morosa, de difícil acesso e funciona de modo seletivo.

Não prometo que serei paciente com os dogmas religiosos que concorrem para tornar a humanidade atrasada. Não prometo que aceitarei discursos em desfavor da saúde e das possibilidades de cura dos males que são combatidos há séculos por gente que dedica a vida a isso, de corpo e alma.

Não prometo que manifestarei tolerância com aqueles que fazem guerras apenas por estarem envolvidos com crenças que, tirante algum valor cultural, são inúteis e perniciosas, já que pretendem legitimar as mortes de inocentes como se fossem realmente necessárias.

Não prometo que deixarei de acreditar na força do diálogo, da manifestação das idéias e do debate franco, sincero e aberto.

Não prometo que deixarei de amar as pessoas que convivem comigo e que sempre são capazes de me mostrar que vale a pena acreditar na bondade humana.

Não prometo nada disso!

domingo, 28 de dezembro de 2008

Na verdade, o caralho

Língua Brasileira 4: Na verdade, o caralho

A frase-título desse post não é minha e tampouco a pronuncio. Embora possa soar mal-educada e até mesmo grosseira, é necessária! Explico...

O uso do "na verdade" tornou-se tão banal e rotineiro que perdeu seu sentido. São vários os incautos que iniciam frases com "na verdade".

Não parece razoável que a expressão deva contradizer alguma coisa sujeita à dúvida? É óbvio que ela pressupõe alguma condição ou frase prévia. Tal como as conjunções adversativas "contudo", "entretanto", "não obstante", "todavia", o "na verdade" deveria se opor a alguma idéia. Deveria, ao menos, servir para exprimir alguma ressalva. Não é o que acontece...

Um amigo me confessou que tem uma fantasia: diante de um "na verdade" despropositado, gostaria de dizer um "Na verdade, o caralho!". Não seria necessário explicar a presença do caralho. Havendo bom senso, disse-me, as vítimas do protesto logo entenderiam o que o caralho faz numa frase como essa.

Sugeri que, em vez do "caralho", usasse um "caramba". Ele, mestre em piadas sem nenhuma graça, me saiu com essa:

- Caramba, o caralho!

Nessas horas fico pensando o que fazem da nossa língua....

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Gerundismo insuperável

Língua Brasileira 3: Gerundismo insuperável

Que o tal gerundismo seja uma praga horrível – e já contestada até mesmo por quem não tem lá muitas noções sobre a língua portuguesa – não se discute. Infelizmente, somos vítimas constantes desse vício hediondo.

Minha lava-louça pifou. Liguei para a assistência técnica e expliquei a situação. A funcionária disparou:

- O senhor tem que estar trazendo a máquina aqui.

Respondi, comicamente:

- Minha senhora, seu eu for ficar levando a máquina aí, nunca vou chegar.

Ela bateu o telefone na minha cara.

No dia seguinte, recebi um telefonema. Não, não era da assistência da lava-louça.

- Eu gostaria de estar passando ao senhor as nossas ofertas, para estar dando a oportunidade do senhor estar vindo aqui na loja, para estar olhando.....

Já um pouco irritado, perguntei logo qual era o produto em questão.

- Alarmes!

Encerrei o papo. O que faria com um alarme? Moro em apartamento.

Já ouvi, também, várias inovações. O gerúndio parece ser mesmo bastante flexibilizado pela turma do "ando", do "endo e do "indo". É possível enfiá-lo em qualquer trecho, frase ou título.

Recentemente, contudo, ouvi algo inédito. Fantástico! De uma criatividade ímpar. O sujeito deveria ganhar algum prêmio pela insuperável invenção. Não era um gerúndio comum. Não se tratava de um "endo" simples. Era algo cujo conteúdo, de tão sofisticado, fugia à minha capacidade de imaginação. Sim, porque todos nós seríamos capazes de interpretar a frase. O problema reside justamente na imaginação, ou seja, na idealização da situação narrada pelo rapaz sapiente. Só mesmo um gênio seria capaz de construir aquela frase....

Pois o gênio era balconista de uma farmácia. Ao ser indagado sobre a disponibilidade de um remédio para venda, respondeu:

- Eu não vou estar tendo!

Convenhamos: essa foi insuperável!

domingo, 21 de dezembro de 2008

O poeta e o maestro

Língua Brasileira 2: O poeta e o maestro

Escrevo muito pouco sobre o Chico aqui justamente para não cansar os leitores do meu blog. Todos sabem a admiração que tenho por ele e a importância de sua obra na minha formação cultural. Fica, portanto, muito chato reiterar incessantemente os elogios ao poeta.

Então, na trilha sintética que pretendo imprimir à essa coluna, limito-me a reproduzir as palavras do Maestro Soberano sobre seu parceiro:

"O que eu acho mais extraordinário aqui no meu amigo e parceiro Chico Buarque é que ele fala português. É um negócio extraordinário. Quando ele faz uma letra.... assim.... eu.... fico.... incrível, eu fico louco, eu fico louco. Não só pra mim, pro Francis, pro Edu Lobo e tudo. Claro que eu tenho ciúmes, mas aprecio, né? Aprecio bastante, né? O português, essa esquecida linguagem...."


Fonte:

BUARQUE, Chico. Anos dourados. DVD. Direção: Roberto de Oliveira. Emi Music. 84 minutos. 2005.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Bacharelei-me, de novo

Ontem colei grau de novo e tornei-me, também, bacharel em Direito.

Antes da colação pensei em desabafar aqui, falar umas besteiras sobre a vida acadêmica, vociferar.... Queria gritar contra as formalidades inúteis dos acadêmicos de Direito. Onde já se viu vestir beca num calor desses? Pra que tanto discurso, tanto blá-blá-blá? Não estava disposto a participar da festa. Mas....

Fui para lá convencido de que a colação de grau era realmente importante para meus colegas. Se para mim pouco importava, para a maioria dos formandos aquele era um momento mágico. Embora com algum fastio, à medida que o tempo avançava percebi que estava envolvido pelo clima de festividade.

Os discursos – que há pouco chamei de blá-blá-blá – foram sintéticos e alguns chegaram mesmo a chamar minha atenção. Assinalaram valores nos quais realmente acredito.

Agora, festa acabada, vieram-me à cabeça as palavras de Brás Cubas quando conseguiu seu diploma. Tirante algumas poucas idéias, identifico-me com parcela significativa de seu discurso. Ei-lo:

"A Universidade esperava-me com suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades – principalmente de saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estróina, superficial, tumutuário e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas. No dia em que Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. Explico-me: o diploma era uma carta de alforria; se me dava a liberdade, dava-me a responsabilidade. Guardei-o, deixei-o as margens do Mondego e vim por ali fora assaz desconsolado, mas sentindo já uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar os outros, de influir, de gozar, de viver – de prolongar a Universidade pela vida adiante...." (ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Porto Alegre: LP&M, 1997, p. 57)

Em tempo, o nome do capítulo do livro é "Bacharelo-me". Daí o título deste post.

Abraços a todos!

sábado, 13 de dezembro de 2008

AI-5: Chico, Carvana e Passarinho

Hoje faz 40 anos que o AI-5 foi decretado. Os jornais estão falando no assunto com frequência. Ontem mesmo, Cony publicou na Folha uma belíssima crônica sobre o episódio. Não deixem de ler....

De minha parte, como ainda não existia, tudo que sei são informações de leitura, histórias e lendas. Conheço duas frases emblemáticas sobre a implantação do ato institucional. As duas traduzem as posições políticas daquele momento.

Diz a lenda que Jarbas Passarinho participou da reunião que culminou na edição do AI-5. Nessa ocasião teria dito:

- Às favas com os escrúpulos de consciência.

Na noite de 13 de dezembro de 1968, Hugo Carvana estava na casa do Chico Buarque. Quando os dois viram na TV o ministro da Justiça anunciar o AI-5, Carvana disparou:

- Estamos fodidos.


Fontes das frases:

http://www.unb.br/unb/historia/entrevistas.php (Entrevista com Jarbas Passarinho)

BUARQUE, Chico. Letra e música. São Paulo: Companhia das letras, 1989, p. 82.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Língua Brasileira

Como já escrevi vários posts que versam sobre a língua portuguesa, é possível que dê a impressão de que reivindico um posto que não é meu e que jamais – jamais mesmo! – desejei: o de comentador sobre a Língua Portuguesa.

O professor Pasquale, tão conhecido da população brasileira, tem grandes méritos ao difundir algumas dicas e regras do nosso idioma. Não tenho dúvida de que exerça aquilo que Gramsci qualificou como "sentimento nacional-popular", ou seja, "a consciência de uma missão dos intelectuais para com o povo". Em outros termos, o professor Pasquale cumpre a função de difundir e vulgarizar (atente-se para o real significado do termo) a língua portuguesa. Para um país como o nosso, ainda com milhares de analfabetos, essa é uma iniciativa realmente nobre.

Feitos os esclarecimentos necessários, manifesto minha intenção de criar mais uma coluna de sucesso no blog. Trata-se da coluna "Língua Brasileira".

Poderia parecer um contra-senso que, na iminência de vigorar o acordo ortográfico entre países lusófonos, alguém se dispusesse a recusar a existência de uma língua portuguesa. Não se trata disso, em absoluto.

Para justificar a expressão "Língua Brasileira" bastaria reconhecer que, há tempos, o Brasil logrou romper com a dependência intelectual de Portugal. Em clássico ensaio, o mestre Antonio Candido notou que, com o advento do modernismo brasileiro, o diálogo com Portugal não "ia além da conversa de salão". Portugal deixou de constituir-se de referência lingüística para os brasileiros. Assim, no início do novecentos já não nos preocupávamos mais com injunções intelectuais da metrópole. Hoje, naturalmente, o assunto parece superado. Todavia, volvamos atenção ao que dizia Mário de Andrade.

Em seus fantásticos escritos do Diário Nacional, o líder modernista não se furtou a falar sobre o rompimento entre a língua brasileira e a língua de Portugal. Na crônica "Fala brasileira I", datada de 25/05/1929, asseverou:

"É por isso principalmente que possuímos língua brasileira. Tenhamos a coragem de acabar com sentimentalismos pelo menos inúteis. Nós estamos hoje, nacionalmente falando, por completo divorciados de Portugal. A língua que os dois países falam, prá grande maioria dos homens e das nações evoca o Brasil. Porque o Brasil importa atualmente mais que Portugal. (...) Coincidir ou não com a língua portuguesa e os termos vindo dela: não nos importa socialmente nada". (ANDRADE, Mário de. Táxi e crônicas no Diário Nacional, São Paulo: Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976, p. 112).

Creio que a citação de Mário, embora possa ressoar um tanto anacrônica e ter ares de resistência cultural hoje descabida, é mais do que suficiente para justificar o título da coluna Língua Brasileira!

Aproveito a deixa, para citar mais uma preciosidade do Mário sobre o embate entre Brasil e Portugal. Em carta a Manuel Bandeira, disse o poeta paulistano:

"Foi uma ignomínia a substituição do na estação por à estação só porque em Portugal paisinho desimportante pra nós diz assim. (...) Não estou pitorescando o meu estilo nem muito menos colecionando exemplos de estupidez. O povo não é estúpido quando diz 'vou na escola', 'me deixe', 'carneirada', 'manfiar', 'besta ruana', 'farra', 'vagão', 'futebol'. É antes inteligentíssimo nessa aparente ignorância porque sofrendo as influências da terra, do clima das ligações e contatos com outras raças, das necessidades do momento e da adaptação, e da pronúncia, do caráter da psicologia racial modifica aos poucos uma língua que já não lhe serve de expressão porque não expressa ou sofre essas influências e a transforma afinal numa outra língua que se adapta a essas influências". (ANDRADE, Mário de. Apud FERNANDES, Lygia (org.) - Setenta e uma Cartas de Mário de Andrade, Rio de Janeiro, Livraria São José, s.d., págs. 71, 72 e 73).

Alguém ainda tem dúvidas de que a língua deve ser um fenômeno vivo, fluido, mutável e útil?

Bom final de semana!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A morte do Maestro Soberano

08 de Dezembro de 1994.

Havia chegado em Campinas naquele ano e ainda não sabia exatamente que aqui o aniversário da cidade (14/07) é comemorado no dia da Padroeira, ou seja, em 08 de Dezembro. Achei um feriado estranho, meio indefinido. Grande parte do comércio central estava em pleno funcionamento. Eram poucos os estabelecimentos fechados.

Precisávamos de dinheiro – cash – para comprar passagens. Iríamos para as casas de nossos pais no mesmo dia. Estávamos no Pão de Queijo Mineiro, da Glicério, quando tive impressão de ter ouvido, pelo rádio, uma notícia absurda. Uma estupidez inacreditável: Tom Jobim havia morrido em Nova Iorque. Tudo foi dito rapidamente, sem explicações. Vinheta e nova música. Não dava tempo de questionar.

- Você ouviu isso?

- O quê?

Uma rádio com programa humorístico, aventei a possibilidade. Ninguém seria tão irresponsável. Então, ele não morreu. Deve ter acontecido outra coisa. Havia pouco dera entrevista ao "Roda Viva", animadíssimo, esbanjando saúde, com a ironia de sempre. O CD "Antonio Brasileiro" estava saindo do forno....

Não era possível.

Deveríamos buscar notícias. Em 1994 ainda não existia internet, ao menos no Brasil. Dependíamos de jornais e rádios. Se Tom tivesse morrido, poderíamos ver algo na TV, em algum plantão jornalístico. Alguma outra rádio poderia, também, matar nossa curiosidade. Os jornais só se manifestariam no dia seguinte.

Sacamos dinheiro, pegamos as malas e fomos para a rodoviária. Será que o Tom morreu?, dava medo perguntar. Ninguém falava sobre o assunto. Um sujeito como o Tom, quando morre, devia ensejar comentários em todos os cantos, todos os volumes, todos os tons. Não ouvíamos ninguém falar sobre ele. Buscávamos informações em conversas alheias. Pensei em perguntar para alguém, mas a indagação certamente não seria entendida.

- Você ouviu alguma coisa sobre o Tom?

- Que Tom?

- Que Tom? O Tom Jobim, oras!

Chegamos na terrinha. Nenhuma notícia. Liga o rádio! Nada. Liga a TV! Nada. Devia mesmo ter sido algum engano, uma brincadeira de mau gosto. Se o Tom tivesse morrido, teríamos como saber. Já havia passado mais de duas horas. Notícias ruins correm rapidamente e todo mundo, todo mundo mesmo, fica sabendo.

Minha mãe conversava ao telefone tranquilamente com minha irmã.

- Pergunta pra ela se o Tom morreu!

- Que isso, menino, tá louco?

- Pergunta!

Silêncio.

- Ah... em Nova Iorque?

Era a confirmação.

Naquele momento, numa fração de segundos, lembrei-me da primeira vez em que prestei atenção a uma letra do Tom. Era 1981. O gravador mono cassete, no qual eu ouvia reiteradamente a fita do LP "Vida", do Chico, servia também para gravações canhestras. A abertura de "Brilhante", novela da Globo, era feita com "Luiza", recentemente composta mas ainda não registrada em LP. Gravei a música em som ambiente e lá fui para o escritório do meu pai ouvir em aparelho mais confiável.

Tom Jobim havia morrido Não podia acreditar. Ainda havia tempo para ele. E para nós, é claro. Fiquei acabado, indignado. Além das músicas, ecoavam-me na cabeça suas frases de conteúdo simples, sempre ditas com ênfase e empolgação.

À noite passei a procurar por ele em algum canto do céu, o charuto na boca, o riso largo, a dedicação ao piano, o humor inabalável, a leveza espontânea.

Embora imortais, algumas pessoas deviam ser proibidas de morrer. Tom era uma delas.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Sartre, ainda

Cenas da Literatura IV: Sartre, ainda

A idade da razão continua sendo um dos meus livros favoritos. Além do parágrafo já citado aqui no blog, assinalo as reflexões de Mathieu sobre o destino e a função dos intelectuais na sociedade moderna.

"Escritores de domingo! Pequeno-burgueses que escreviam anualmente um conto, ou cinco ou seis poemas, para pôr um pouco de ideal na vida. Por higiene. Mathieu estremeceu.
- Refere-se a mim? – indagou rindo...".

(SARTRE, Jean-Paul. A idade da razão. Trad. Sérgio Milliet. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. 89).

Ainda há escritores de domingo!