Dorinha: deve ser sonho
mesmo - Roberto Barbato Jr
Você pensa que foi
fácil? Não. Não foi. Fiquei ali, esperando, esperando. Até perguntei pra
vendedora, Ei, a Dorinha vem sempre aqui? A Dorinha? É. A da televisão? É. A
que fez a Jujú naquela novela das oito? É, ela vem sempre aqui?, perguntei. Não
sei, ela respondeu. Pergunta pra sua colega, pedi. Ela foi lá pra dentro.
Enquanto esperava (a
Dorinha ou a vendedora), fiquei ensaiando mentalmente. Olha, Dorinha,
desculpe-me pela inconveniência [ela para, dá uma
risadinha e fica esperando que eu fale]. É o seguinte, eu te vi aqui num desses
sábados, com seus filhos, fazendo compras. Antes, veja bem, eu me encontrei com
você no corredor. Podia ter falado alguma coisa, mas vou ser honesto, não te
reconheci. Depois, nossa, fiquei boquiaberto ao perceber que a moça do corredor
era você, a Dorinha. Aí, te vi aqui na loja. Não quis ficar olhando, porque
você podia pensar que eu era um paparazzo ou um caipira. Fui embora, tipo nem te ligo, mas me dei conta de que
eu estava apaixonado por você. Aliás, não era paixão.
A vendedora volta.
A Dorinha vem aqui,
sim. Vem? Vem. Sempre? Não, de vez em quando, parece que veio no mês passado.
Ah. Dizem que é ela é bonita mesmo. Bonita? É linda, falei meio irritado. Vocês
têm o cadastro dela na loja? Cadastro? É, cadastro, nome, endereço, telefone.
Ah, deve ter, claro. Mas é confidencial, não podemos dar pra ninguém, ela
explicou. Não, imagine, nem pensei nisso...
Parecia mágica.
Quando terminei de falar, a Dorinha apareceu. Acredite. Sozinha, sem filhos,
sem bolsa. Calça jeans, tênis, celular no bolso traseiro e camiseta. Simples,
sem maquiagem, de cara lavada. Uma mulher que é bonita assim, é bonita mesmo,
não tem truque, não tem grupo, como diziam os mais antigos. E pensar que ela
aparecia na televisão, era vista por milhões de pessoas. A Dorinha, a Dorinha
mesmo (juro que era ela), estava ali, de novo. Bem diante de mim.
O que eu fiz? Cheguei
perto dela, trêmulo, extasiado. Disse Oi e vi seu rosto sendo desfeito, se
pulverizando. Aos poucos, na minha frente, ela foi sumindo, como o final de uma
personagem, o ocaso de uma trama. Não sei porque isso aconteceu, mas ainda vou
esperar por ela. Se não vier no sábado que vem, virá no outro. Será sempre um
devir. Não interessa, vou esperar. A vida inteira.
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