Tio Harlan 4: o carismático - Roberto Barbato Jr
O tio Harlan realmente impressiona. Ele causa frisson na mulherada e nos incautos. Sabe aquele sujeito que, no primeiro encontro, parece ser agradável, boa pinta e elegante? Aquele homem com o qual todos se deliciam, por tão agradável que parece ser? O tio Harlan é assim.
Quando é apresentado para alguém, ele faz de tudo: conta piada, narra histórias, fala de suas viagens à Europa e aos Estados Unidos. As pessoas chegam a acreditar nele. Ok: o cara é megalomaníaco, mas nem tanto. No fundo, sabe que se a mentira for grande, não será crível. Então, quando percebe a iminência do exagero, refreia seus impulsos. Menos mal.
Além das histórias de vida, o tio Harlan sabe contar piadas como ninguém. Ele tem a manha. Nunca se embaralha ao fazer a narrativa. Toda a trama é contada com coerência, sem enganos, sem avanços, sem tropeços. O final é sempre surpreeendente. Mais que isso, ele nunca – nunca mesmo – explica a piada. Se você ouviu uma anedota da boca dele, por mais infame que seja, a gargalhada será sua reação. Niguém jamais precisou fazer qualquer tipo de explicação.
Por fim, há nele uma outra grande virtude: ele sempre sabe quando parar. Ao perceber que as risadas começam a rarear, aborta a missão. Tem senso de percepção. Você pode não acreditar, mas ele tem.
Seu único escorregão nesse terreno cômico é que nunca deixa de contar uma piada de Joãozinho. Aquela que mais gosta é a do teste da memória. Ela nem tem graça, mas ele adora e conta com frequência. E o pior é que todo mundo ri.
É mais ou menos assim....
“Joãozinho, Pedrinho e Juquinha apostavam quem tinha uma memória melhor.
- Eu consigo me lembrar perfeitamente - gabava-se o Pedrinho – do tempo que a minha mãe me dava de mamar. Se eu fecho os olhos sou capaz de sentir o calor do seu peito...
- Isso não é nada - retrucou Juquinha. - Pois eu me lembro no dia em que eu nasci... Aquele túnel escuro... e o médico me segurando pelas pernas...
- Isso não é nada - argumentou Joãozinho. - Eu me lembro de ter ido num piquenique com o meu pai e voltado com a minha mãe!”
Se eu contasse essa piada, certamente ninguém riria.
Enfim, é por essas e outras que as pessoas adoram o tio Harlan quando o conhecem. Ele é o cara mais legal do mundo no primeiro encontro. Só aos poucos é que se percebe que o sujeito é um picareta. Mesmo assim, pasme, tem um número significativo de fãs, dentre os quais eu, naturalmente, não me incluo.
Minha opinião é inarredável: o tio Harlan é um filho da puta.
"Modelando o artista ao seu feitio/ O tempo, com seu lápis impreciso/ Põe-lhe rugas ao redor da boca/ Como contrapesos de um sorriso. "Tempo e artista" - Chico Buarque/1993
domingo, 8 de maio de 2011
terça-feira, 3 de maio de 2011
Sabiá versus Caminhando e Cantando
Georg Lukács escreveu um belíssimo artigo intitulado “Arte livre versus arte dirigida”. Não me recordo ao certo a que conclusão teria chegado o crítico húngaro. Tampouco me recordo do teor do texto. Todavia, seu título, vira e mexe, me sugere algumas reflexões.
Em 1992, a TV Globo passou o seriado “Anos rebeldes”, cujos protagonistas João Alfredo e Maria Lúcia – interpretados por Cássio Gabus Mendes e Malu Mader – discutem sobre o resultado do festival de 1968. As músicas finalistas eram “Sabiá”, de autoria de Tom Jobim e Chico Buarque, e “Caminhando e Cantando” (“Para não dizer que eu não falei de flores”), de Geraldo Vandré.
“Sabiá” foi a vencedora.
Na trama de Gilberto Braga, João Alfredo - militante sectário, intransigente - bradava em tom colérico para sua namorada Maria Lúcia que “Sabiá” jamais poderia ter sido a campeã do festival. Dizia que “Caminhando e Cantando” era um hino à liberdade. Representava, ademais, o momento político por que passava a sociedade brasileira naquele momento.
Maria Lúcia rechaçava os argumentos de João Alfredo dizendo que “Sabiá” era, esteticamente, muito mais densa, mais bonita, enfim.
Ao final da série, quando a relação dos dois se mostra impossível, João Alfredo se reporta à antiga discussão para concordar com Maria Lúcia. Ela tinha razão: “Sabiá” merecia ter sido a vencedora.
A leitura que fiz do embate entre as duas obras primas é bastante simplória. Enquanto a composição de Vandré dava voz aos gritos sufocados de liberdade na época da ditadura militar - assumindo, portanto, nítidos laivos políticos -, “Sabiá” se mostrava muito mais bela, melhor trabalhada e, esteticamente, muito superior. Tratava-se, naturalmente, da contraposição entre a arte dirigida, feita com propósitos interessados, e a arte livre, despojada de qualquer pretensão contestatória.
Em tempo: “Caminhando e Cantando”, tornou-se, mesmo após o regime de exceção, um hino de manifestação estudantil. Na minha época de estudante, constituía um inenarrável porre ouvir a acéfala geração cara-pintada cantar “vem, vamos embora que esperar não é saber....”. Mal sabe Vandré a quais propósitos sua música serviu nos anos 1990....
Em 1992, a TV Globo passou o seriado “Anos rebeldes”, cujos protagonistas João Alfredo e Maria Lúcia – interpretados por Cássio Gabus Mendes e Malu Mader – discutem sobre o resultado do festival de 1968. As músicas finalistas eram “Sabiá”, de autoria de Tom Jobim e Chico Buarque, e “Caminhando e Cantando” (“Para não dizer que eu não falei de flores”), de Geraldo Vandré.
“Sabiá” foi a vencedora.
Na trama de Gilberto Braga, João Alfredo - militante sectário, intransigente - bradava em tom colérico para sua namorada Maria Lúcia que “Sabiá” jamais poderia ter sido a campeã do festival. Dizia que “Caminhando e Cantando” era um hino à liberdade. Representava, ademais, o momento político por que passava a sociedade brasileira naquele momento.
Maria Lúcia rechaçava os argumentos de João Alfredo dizendo que “Sabiá” era, esteticamente, muito mais densa, mais bonita, enfim.
Ao final da série, quando a relação dos dois se mostra impossível, João Alfredo se reporta à antiga discussão para concordar com Maria Lúcia. Ela tinha razão: “Sabiá” merecia ter sido a vencedora.
A leitura que fiz do embate entre as duas obras primas é bastante simplória. Enquanto a composição de Vandré dava voz aos gritos sufocados de liberdade na época da ditadura militar - assumindo, portanto, nítidos laivos políticos -, “Sabiá” se mostrava muito mais bela, melhor trabalhada e, esteticamente, muito superior. Tratava-se, naturalmente, da contraposição entre a arte dirigida, feita com propósitos interessados, e a arte livre, despojada de qualquer pretensão contestatória.
Em tempo: “Caminhando e Cantando”, tornou-se, mesmo após o regime de exceção, um hino de manifestação estudantil. Na minha época de estudante, constituía um inenarrável porre ouvir a acéfala geração cara-pintada cantar “vem, vamos embora que esperar não é saber....”. Mal sabe Vandré a quais propósitos sua música serviu nos anos 1990....
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