domingo, 28 de fevereiro de 2010

Os males da tecnologia

No post passado falei sucintamente da presença da tecnologia na minha vida. Foi com algum otimismo e euforia que a saudei. Esqueci-me, contudo, de assinalar os efeitos da tecnologia na vida de parcela significativa da sociedade. Não me estenderei.

Ainda moleque abri uma conta de poupança. Sempre que possível, passava pela Caixa Econômica Federal e depositava uns cobres. Quando queria saber meu saldo, entrava na fila e solicitava ao funcionário do caixa a informação. Ele ia até um fichário, pegava o papel com minha ficha, olhava o saldo, anotava-o num papel e me falava o valor.

Em 1988, abri uma conta corrente no Banespa. O procedimento para saber o saldo bancário era exatamente o mesmo. Havia funcionários que ali estavam para exercer esse papel. Já no ano seguinte, instalaram uma máquina na agência e cada correntista tinha um cartão e uma senha. Preciso dizer o resto?

A máquina naturalmente passou a executar as tarefas dos funcionários do banco. Algo semelhante à Revolução Industrial, guardadas as devidas proporções, estava em curso. Uma grande massa de desempregados bancários foi o resultado do impacto da tecnologia nas agências.... Processo semelhante já havia sido diagnosticado pelo velho Marx, quando analisou o impacto da manufatura na produção do capitalismo nascente. Em O capital, assevera que aquele "proletariado, livre como pássaros, não podia ser absorvido pela manufatura nascente com a mesma velocidade com que foi posto no mundo" (MARX, Karl. O capital. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, Vol. II, Tomo II, p. 265).

Recentemente, li, sem muita surpresa, uma manchete sobre a queda, em 50%, do faturamento das vídeo-locadoras. Pudera! Depois que a molecada passou a baixar filmes da internet, o consumo teria que cair. Quanto aos CDs, nem é preciso dizer nada. A discussão sobre a legitimidade dos programas aptos a baixar música da internet é longa....

Enfim, o impacto da tecnologia na sociedade pode ser devastador. Há sempre quem pague por isso.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Tecnologia: nasci na hora errada?

Hoje, com tanta tecnologia à nossa volta – computadores com editores de texto, celulares, internet, e-mails e os cambau – fico pensando em como era pacata a vida no passado. Não penso num passado muito remoto, o que, em si, já seria razão para morrer de tédio. Imagino o meu passado sem nada disso. Uma retrospectiva sempre me arrebata a memória, fazendo-me acreditar que hoje vivemos tempos mais ditosos.

Quando eu tinha meus seis anos, havia em casa uma televisão valvulada, branca e preta. Nem sei quantas polegadas tinha, mas era pequena. Logo depois, um ou dois anos, tivemos uma TV colorida. Era uma novidade sensacional. Ver desenho em cores era algo absolutamente distinto daqueles movimentos monocromáticos que só prendiam a atenção da criança pela trama. Em matéria de plasticidade, houve um enorme progresso.

Os telefones eram compostos por um disco que, quando posto em ação, exigia um tempo considerável para voltar ao seu ponto de partida. Somente quando isso acontecesse é que o usuário poderia discar outro número. Um ansioso dos tempos de hoje certamente se tornaria inimigo daquele aparelho. Vieram as teclas e, bem depois, ouvi dizer que existia um mecanismo que identificava o número que originava as chamadas. Era a tal da Bina. A molecada passou a temer a aplicação de trotes, malgrado tenha se recusado a parar com eles.

Computadores já existiam, mas longe estavam do poder aquisitivo da classe média. Nem mesmo as universidades públicas os tinham em quantidade. Eram restritos. Em 1987, tive aula de computação na escola. Estava no primeiro colegial e não achava nenhuma utilidade para os programas de XP que os professores insistiam em nos ensinar. Apenas a idéia de um editor de texto me fascinava. Imagine: substituir máquinas datilográficas!

Em 1992, aqui em Campinas fiquei surpreso ao imaginar que teria encontrado uma funcionária de supermercado educadíssima. Disse-me que eu não precisaria preencher o cheque para pagar a compra. Ela mesma o faria. Quanta gentileza! Tratava-se de uma pequena máquina que imprimia o cheque inteiro, bastando o consumidor assiná-lo. Logo, as cidades de médio porte passaram a ter essas máquinas. Hoje, elas quase não existem.

E as balanças digitais! Creio que foi por causa delas que o mundo da alimentação teve significativa alteração. Os restaurantes, até então, só funcionavam no esquema a la carte ou buffet. A refeição a quilo certamente aumentou a possibilidade de consumo em muitos restaurantes. Não creio ser exagero a afirmação de que muita gente deixou de cozinhar em casa para frequentar aquele restaurante que oferecia um ótimo custo-benefício. Eu mesmo fui, por dez anos, escravo dos restaurantes a quilo.

Chegamos aos computadores. Em 1991, ainda na faculdade, atrevi-me a mexer em um editor de texto. Era um Word cuja tela era preta e as letras, verdes. Acho que era o DOS. Os disquetes eram finos, flexíveis e tinham um diâmetro considerável. A vista de quem ficava em frente ao computador logo se cansava. Afinal, era tudo monocromático, tal como as antigas televisões.

Em 1994, decidi abandonar minha Olivetti. Os microcomputadores – à época chamados de PCs – começaram a baratear e a invadir os lares. Em pleno momento de implantação do Plano Real, comprei meu primeiro computador. Era um 386 com monitor preto e branco. Já estávamos na plataforma Windows e tudo em matéria de computação era mais lúdico. Até mesmo a paciência digital – Freecell e Solitarie – poderia ser jogada vendo as cartas todas na mesma cor. Pouco importava.

O Word foi a grande revolução para quem desenvolve qualquer atividade ligada à escrita. Mexer no texto, arrastar frases, movimentar parágrafos, incluir rodapés.... tudo isso era facílimo. E, sinal de relevo, não exigia papéis. Poderíamos editar de fato o texto até sua forma final. Somente depois é que teríamos de imprimi-lo. E imprimíamos, ao menos num primeiro momento, rodeados de barulho pelas impressoras matriciais. Aquilo era um horror que só foi atenuado com as impressoras jato de tinta. Todavia, já não se pensava mais em escrever à máquina, amassar várias folhas com redação equivocada, retomar o texto do ponto de partida....

Tive o primeiro contato com e-mail quando minha irmã me mostrou, numa sala da USP, que iria mandar uma mensagem instantânea a um colega que estava no computador do outro lado do departamento. Naquele dia foi difícil imaginar a dimensão do que seria, hoje, uma mensagem de correio eletrônico – o já velho e bom e-mail.

Também foi necessário algum tempo para a consagração dos e-mails. No início, eles eram usados numa tela preta, exatamente como o antigo DOS. Meu primeiro endereço eletrônico foi criado em 1995. Eram poucas as pessoas que tinham e-mail e, geralmente, eram e-mails corporativos, ligados a universidades públicas ou empresas grandes.

A internet funcionou em casa apenas em 1999. Diverti-me bastante procurando informações na rede. Pouco tempo foi necessário para perceber que tais informações eram, em sua maioria, de duvidosa qualidade. A pesquisa acadêmica ainda era restrita por meio da internet. Bibliografias, artigos, textos e materiais de ciências humanas foram paulatinamente ganhando espaço na rede.

Um dia me disseram que eu poderia esquecer o fichário da biblioteca. Poderia consultar o acervo pela internet, anotar o número do livro e ir diretamente até a estante para retirá-lo. Que maravilha! Os ácaros daquelas fichinhas puídas devem ter se refestelado, trancados nos armários de metal.

Seria ocioso falar sobre as infinitas vantagens da internet. Uma criança, na década de oitenta, pouquíssima informação tinha a sua disposição. Foi uma geração formada pela pesquisa em bibliotecas, nos verbetes da Barsa ou de qualquer congênere. E muita coisa – muita coisa mesmo – ficou alijada das informações pretendidas. Lembro-me, por exemplo, do dia em queria conhecer a letra de Luiza, do Tom Jobim. A música foi gravada para novela Brilhante, da Globo, e a versão que eu possuía era o registro de um gravador mono colocado ao lado do auto-falante da televisão. Em um determinado trecho, ouvia-se, de modo precário, "embaixo dessa neve mora um coração". Fiquei na dúvida se aquilo era "neve" ou "nave". Devia ser neve, é claro, mas a dúvida me perturbou. Houvesse o Google, pronto: ela não resistiria a nem uma hora. Diga-se o mesmo para as músicas estrangeiras ouvidas em rádios. Sem inglês fluente, quem se arriscaria a cantar a música sem cometer deslizes quanto à letra? Ninguém.

Quanto às questões de sexualidade, tudo era também mais difícil. Tínhamos as Playboys impressas que, diga-se de passagem, eram caras. O acesso a elas era feito quando íamos ao barbeiro e as folheávamos com um misto de excitação e constrangimento. Hoje é desnecessário falar de como as fotos de mulheres desnudas são facilmente vistas pela molecada (e também por adultos, é óbvio). São trocadas por e-mail, sem custo, sem constrangimento, sem impedimentos de qualquer natureza.

Enfim, creio mesmo que era chato ser criança sem essa tecnologia toda. Hoje o mundo é mais lúdico, a informática é mais atraente e possibilita uma infindável rede de comunicação e informação.

Já me perguntei, por várias vezes, se não nasci na hora errada. A despeito da chatice da infância faltosa de tecnologia, minha resposta foi negativa. É gratificante acompanhar essa permanente transição que o mundo vive atualmente.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Novelas

Quando eu ainda não gostava de ler (como faz tempo!), a música popular brasileira – sobretudo a obra do Chico – e as novelas eram uma espécie de horizonte literário do qual eu desfrutava. Pode parecer estranho, já que novelas não se confundem com literatura. Todavia, é da literatura que elas surgem, é a atividade literária que enforma a trama da teledramaturgia.

Assim, a despeito da repulsa que uma parcela da intelectualidade brasileira tem em relação ao folhetim televisivo, ele é um instrumento de reflexão acerca de temas da atualidade e pode se prestar, evidentemente, a algum objetivo dirigido, interessado; enfim, político.

Algumas novelas nacionais poderiam ser comparadas a obras literárias de alto quilate, seja por seu conteúdo subjacente, seja por sua capacidade de entretenimento. Assinalo alguns autores e novelas adiante, sem nenhum compromisso analítico.

Na década de oitenta, a exibição de Roque Santeiro foi paradigmática. A novela de Dias Gomes já havia sido proibida na época da ditadura. Em 1986, foi ao ar com toda a liberdade possível. Por que colocá-la entre aquelas novelas capazes de questionar a vida nacional, mostrar suas mazelas? Porque sugeria uma série de características da brasilidade. Mostrava o coronelismo, o patrimonialismo, criticava um Brasil com resquícios de país rural. Evidenciava a necessidade de se preservar os mitos para a manutenção da ordem social capitalista. Já falei dela aqui no blog ("Os mitos sobrevivem – 24/11/2008"). Creio que a maior parte dos telespectadores jamais tenha atentado para esses detalhes. A novela foi famosa pelos tipos que encarnavam seus personagens: o coronel Sinhozinho Malta, a viúva Porcina, o irônico Roque Santeiro, o usurário Zé das Medalhas, o professor Astromar – exemplo típico de intelectual ornamental com sua insossa verborragia.

Em 1988, Vale Tudo, novela de Gilberto Braga, partindo de outra perspectiva, também teria uma acidez crítica fantástica. O contexto retratado era o de um país da sacanagem, do jeitinho brasileiro, da astúcia usada para ludibriar os incautos. Era a nação de Odete Roitman que via nela todo tipo de vício canhestro, mas que, também hipócrita, se beneficiava de toda sorte de ardis para garantir seu status quo.

Gilberto Braga construiu ali aquilo que muitas obras sociológicas tentam explicar: o Brasil real versus o Brasil ideal. Ou, talvez até de modo maniqueísta, o Brasil honesto contra o Brasil da corrupção, das artimanhas, da velhacaria. Ivan (Antônio Fagundes) e Rachel (Regina Duarte) expressavam a esperança de um país sério, que não se renderia aos oportunismos de ocasião e à impunidade. Brasil, a música de abertura, de autoria de Cazuza, reforçava ainda mais o conteúdo da obra. Nunca houve tamanha sintonia entre um tema de novela e a letra de uma música.

Gilberto Braga, depois disso, fez algo bastante relevante no campo das minisséries (Anos Rebeldes, 1992). Voltaria, em 2003, com Celebridade, novela que mostrava a ânsia dos mortais comuns pela fama. O genial Renato Mendes (Fábio Assunção) era editor da Revista Fama, cujo grupo editorial era presidido por seu tio Lineu Vasconcelos (Hugo Carvana). Foi Mendes quem, num episódio dramático, redigiu um apelativo artigo sobre o fato de Zeca – filho do depressivo jornalista Cristiano (Alexandre Borges) – ter caído em um poço no bairro do Andaraí. A situação era idêntica à de A montanha dos sete abutres, de Billy Wilder. O editor da revista explorou a tragédia humana para poder estourar nas vendas de jornais e revistas.

Emblemática também foi a cena em que ele andava com seu conversível pela orla carioca após ter sido empossado momentaneamente vice-presidente do grupo Vasconcelos. Sozinho, aos berros, gritava que a partir daquele momento definiria o que a população iria ler, do que iria gostar, como leria, como gostaria. Mostrava, afinal, que o poder midiático seria capaz de influenciar diretamente a vida das pessoas.

Sílvio de Abreu, o mais paulista de todos os autores de novelas, não pode ser esquecido. Ocorre, todavia, que jamais me simpatizei com os pastelões anteriores à Rainha da Sucata. Guerra dos Sexos e Cambalacho, por exemplo, a despeito de todo sucesso conquistado, jamais me prenderam a atenção. Já em A próxima vítima, de 1995, Sílvio passou a ser outro autor, ao menos para mim. A trama policial misturada com uma comédia serena rendeu alto ibope televisivo. O mistério final – quem seria o "assassino em série" do Opala preto – fez com que houvesse tanto suspense quanto a revelação da assassina de Odete Roitman, em Vale Tudo.

Sílvio foi capaz de construir, ainda em A próxima vítima, um dos personagens mais contraditórios da novela brasileira: Juca, o quitandeiro do Mercado Municipal de São Paulo. Embora rude, ignorante e preconceituoso, amava óperas e se identificava com a sensibilidade das obras eruditas.

Torre de Babel (1998), seguiu na mesma trilha. Depois, veio Belíssima (2005) cujos capítulos iniciais mostravam o confronto entre a postura sórdida e ardilosa de Bia Falcão (Fernanda Montenegro) e a ingenuidade de sua neta Júlia, interpretada por Glória Pires. Em tom sóbrio e com ironia fina, Bia diria à neta para que ela não levasse tão a sério as aulas de catecismo, incongruentes com as finalidades do mundo empresarial. A racionalidade da grande matriarca deveria preponderar sobre a imaginação anódina da neta. Apenas esse diálogo seria suficiente para alçar Sílvio de Abreu à categoria dos grandes autores brasileiros.

Sílvio também sempre utilizou-se de referências cinematográficas para suas tramas. Tirou de À meia luz, obra prima do cinema noir com Ingrid Bergman (1944), a idéia do marido que muda os objetos em sua casa sem avisar a mulher, justamente para enlouquecê-la. Renata Sorrah não é uma Ingrid Bergman, mas o personagem lhe caiu muito bem em Rainha da Sucata.

Não sou fã de Manoel Carlos, mas suas novelas têm dois trunfos que, pessoalmente, me prendem: o clima Bossa Nova (respira-se a música do Maestro Soberano Tom Jobim), e as imagens idílicas, paradisíacas do Rio de Janeiro, sobretudo do Leblon. Afora isso, é claro que o autor tem seus méritos....

Glória Perez? Não assisto suas novelas. É uma questão de falta de afinidade. Quando há algo dela no ar, tiro férias da teledramaturgia.

Enfim, gosto de novelas. As boas, somente as boas. Não partilho da opinião intelectualóide de que não assisti-las seja um procedimento de higiene mental. Tanto quanto outro instrumento de ficção, elas são capazes de nos fazer penetrar em sua trama e preterir algumas agruras da rotina. Também se prestam a espelhar a realidade em que vivemos. Não é, afinal, para isso que serve a ficção?

Mas, então, o problema não é o gênero novela e sim o conteúdo de suas espécies.

Em tempo: na USP há, se não me engano, um grupo de estudos sobre novela brasileira. Ouvi dizer que ali existem ricas análises da realidade brasileira, não encontrada em outras produções científicas.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

História do passado



Não sou ligado a turismo; sobretudo a turismo ecológico. Todavia, não há como fugir de alguns programas que, vez por outra, quase nos são impostos pelo destino. Em janeiro passado, fui para Poços de Caldas e lá encontrei um desses programas. O esquema é aquele básico: uma van com curiosos forasteiros e um guia turístico extremamente simpático, sabedor das histórias locais.

Fomos visitar a "Fonte dos Amores", uma belíssima fonte de água mineral. Clóvis Bueno, o nosso guia, narrou a história de amor do século XIX que teria inspirado a escultura ali exposta, de autoria do artista italiano Giulio Starace (vejam a foto acima).

A narração dele - autorizada, é claro! - está no vídeo abaixo. Quem tiver interesse....