domingo, 13 de setembro de 2009

Molecagem

Eu não tinha mais que doze anos. Naquela época não havia Bina. A segurança em passar trotes era grande. Embora os pulsos telefônicos fossem caros, a molecada abusava. Existiam os trotes bem bolados, daqueles capazes de fazer um motorista de guincho sair de madrugada no inverno para gastar gasolina e não encontrar nenhuma batida. Também existiam aqueles aptos a tirar o sujeito de casa para se encontrar com uma fulana que só o conhecia de vista, mas que, garantia, tinha enorme atração por ele. Era sacanagem, é claro!

Os trotes mais rápidos, aqueles que não tinham nenhuma estratégia, geralmente não surtiam efeitos. Eram os trotes de imbecis que, por conseguinte, atingiam somente os bobos.

Pensei num número qualquer e arrisquei.

- De onde fala?

- Da oficina do Carlinhos.

- Quem tá falando?

- É o Carlinhos.

- Carlinhos, você é um filho da puta! Vá tomar no seu cu.

- Quem está falando?

- Não interessa quem está falando. O que interessa é que você é um filho da puta! Vá se foder!

O Carlinhos, do outro lado da linha, não tinha a menor noção do que estava acontecendo. Mesmo assim, reagiu:

- Vá se foder, você, seu viado!

- Vou nada, quem tem que se foder é você e essa sua oficina de merda.

Ele estava levando a sério a provocação. Foi ousado:

- Por que você não vem aqui me dizer isso pessoalmente?

- Eu vou. Onde fica a porra da sua oficina?

Não acreditei! Não é que o Carlinhos me passou o endereço?

- Fica aí me esperando. Vou arrebentar sua cara, seu bunda mole! – afirmei com convicção.

Desligamos o telefone. É claro que não passou pela minha cabeça ir até a oficina do Carlinhos. Mas eu não podia recuar depois de ter feito tudo aquilo. Seria como provocar alguém e sair correndo. Ao menos na aparência eu deveria parecer corajoso.

Em poucos segundos, contudo, veio-me à cabeça um daqueles sentimentos de culpa, de arrependimento mesmo. Fiquei meio chateado. Ainda que fosse mal-educado, o Carlinhos estava trabalhando. Devia ter serviço para entregar, compromissos para honrar. Justamente na hora de seu trabalho, um vagabundo como eu resolveu importuná-lo. E era uma agressão gratuita, sem nenhuma razão. Fiquei com pena do coitado do Carlinhos.

Aquele sentimento começou a me corroer. Eu não conseguiria ficar em paz se não me desculpasse. Liguei de novo:

- Quem fala? É o Carlinhos?

- É. Quem tá falando?

- Ô Carlinhos, fui eu que te liguei agora há pouco. Tô ligando para te pedir desculpas. Você estava trabalhando e eu liguei para te encher o saco.... Desculpe. Eu achei que....

Mal terminei minhas desculpas, ouvi o Carlinhos vociferar:

- É isso aí! Eu acho bom mesmo você pedir desculpas. Senão eu quebro sua cara!

Quebrar a minha cara? Como? Onde? Quando? O Carlinhos nem sabia quem eu era. Como poderia me ameaçar daquela forma? Não teria aceitado minhas desculpas? Não lhe passara pela cabeça que eu estava arrependido? Não deixei por menos. Mandei o arrependimento às favas:

- Carlinhos! Ô Carlinhos!

Silêncio. O Carlinhos não falou nada. Repeti:

- Carlinhos! Ô Carlinhos!

- Fala, pode falar, seu filho da puta! – ele estava aguardando.

- Você acreditou? Carlinhos, você acreditou? Você é um bosta, um filho da puta! Vá se foder, enfie essa sua oficina no cu.

Enquanto o Carlinhos gritava do outro lado da linha, eu gargalhava. E ele se enfurecia....

É como eu disse: havia um imbecil e um bobo....

4 comentários:

Marocas disse...

Nossa esse texto removeu alguns escombros da minha memória... mandava sempre aquela infame "tem um carro gelo parado aí na frente? Não? Derreteu..." Putz acho melhor recuperar os escombros rsrsrrs
Grande abraço!

Anônimo disse...

Haha... Depois de tanto tempo, finalmente, encontrei você!
Agora sou eu quem vai quebrar-te a cara, seu filho da puta.
Aguarde-me.

Att.
Carlinhos

Ronaldo Brito Roque disse...

Muito divertido, com uma dinâmica muito bem construída. Gostei.

Antonio Ozaí da Silva disse...

Caro Roberto,

me diverti com o seu texto. Parabéns pela coragem em relembrar e publicizar suas molecagens. Isto e importante até porque no campo acadêmico parece que esquecem que fomos crianças, moleques, alunos, jovens... Há uma certa sisudez na academia... sem falar no doutorismo... Vc foge à regra, por isso gosto de ler suas crõnicas...

abraços e tudo de bom,