Lembro-me de ter lido, no início da década de 1990, a entrevista de um jornalista que estava prestes a assumir um cargo público em São Paulo. Seu pai, àquela época já falecido, foi um comunista bastante ativo. Costumava dizer aos filhos (um dos quais, filósofo marxista) que quando alguma coisa estivesse errada, seria preciso olhar em direção ao Kremlin. Um dia, o jornalista resolveu romper com o comunismo. Abandonara as convicções que sempre deram sentido à vida do pai. Ideologicamente, distanciou-se dele e do irmão.
Na entrevista, o tal jornalista contou que tivera um sonho bastante significativo a respeito de seu rompimento com as tendências de esquerda: num quarto branco, sóbrio, sem cores, ele levantava o pai pelo colarinho e gritava:
- Você me enganou! Você me enganou!
O pai, provavelmente ciente de que escolhemos ideologias por afinidades e devemos recusá-las quando desejamos, apenas respondeu:
- Homem não chora! Homem não chora!
Hoje, quando olho para trás, relembro minhas opções políticas sem arrependimento. Mas, quando vejo que os representantes que ajudei a eleger servem para perpetuar o que há de mais atrasado na política brasileira e ainda reivindicam o monopólio da moralidade pública, confesso que tenho vontade de chorar.
É nessas horas que lembro da lição do velho comunista: homem não chora!
5 comentários:
Caro Pito, quem é o jornalista em questão?
Há algo já de muito interessante em alguém que se lança a um cargo público e lembra de um sonho conflitivo com o pai, não é?
Não deixa de ser duro, em todo caso, que não haja mais Kremlin algum para onde olhar e dirigir as nossas preces. Mas estou com você: homem não chora.
Roberto,
Ótimo reflexão! Parece que vivemos a época dos pesadelos! Mas não adiante chorar, temos que tentar compreender. Também não me arrependo do meu passado, mas não me reconheço nos que se dizem "representantes" - e há muito que não voto neles (voto nulo).
Abraços e tudo de bom,
Antonio Ozaí da Silva
blog http://antonio-ozai.blogspot.com
último texto publicado: Aos jovens petistas!
Nêgo, pensei no Florestan Fernandes Jr... Enfim, porque não te filias ao DEM? Tanto faz.
Às vezes, estranho a razão em ainda se manter a representatividade política. Esse sistema tem mais de duzentos anos. Isso que é ortodoxia, de fato. A que e a quem representam os representantes? Príncipe moderno? Pra lá de hi-tech:
piririm,
piririm,
piririm,
alguém votou em mim!
abraços de uma velha besta.
Caro Pito, ainda emocionado "capturei" seu texto para lançá-lo e dar luz ao que eu tentava expressar no último "post" do meu blog. Espero que não fique ofendido com a "colagem", é por uma boa causa e profunda admiração. Um abraço!
Caríssimo comungo desse mesmo sentimento e lhe pergunto: para onde olhar?
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