Língua brasileira 5: O acordo ortográfico, ainda
Não sei até quando conseguirei resistir às normas do tal acordo ortográfico. Não quero parecer rebelde ao recusá-las. Tampouco gostaria de aceitar tudo de primeira hora, como se concordasse com as inconvenientes mudanças. Jurei que até 2012 permanecerei com as normas antigas.
Lembro-me que em 1993 os rumores sobre um projeto ortográfico para os países lusófonos já existia. À época, havia comentários de toda sorte. Um deles residia no fato de que o acordo atenderia, caso aprovado, ao interesse econômico de algumas editoras e sobrelevaria, ainda mais, a notoriedade do saudoso Antônio Houaiss. É óbvio que essa hipótese era absurda, ao menos no que toca ao filólogo.
Escrevi no verão daquele ano um artigo que foi publicado no jornal de Tambaú. Como o periódico era de parca circulação (em âmbito nacional, bem entendido), tenho a certeza de que o estrago de minhas idéias foi restrito. Para ser franco, nem me lembro exatamente de seu conteúdo. Sei, entretanto, que sustentei alguma contrariedade. Passado tanto tempo e agora já com o acordo quase em vigência, volto ao assunto. O estrago aqui perpetrado também não será grande: a audiência do meu blog é ainda mais restrita do que a circulação do simpático jornal.
Creio que algumas normas são uma aberração pela incapacidade prática de atribuir, àqueles que se comunicam, valores precisos de linguagem e pronúncia. Não discordo que a língua deva ser viva, autêntica e possa mudar. Já me manifestei sobre isso nesse blog. O que me deixa inquieto é suprimir pequenos sinais que fazem muita diferença na hora da leitura.
Hoje, fico imaginando a molecada, no início da alfabetização, escrevendo "estreia" e falando "estrêia"; escrevendo “joia” e falando “jôia”. Muitos escreverão "ideia", mas terão mesmo "idêia". Parafraseando o fantástico crítico Roberto Schwarz, as idéias parecem “estar fora de lugar”. A falta de diferenciação da tônica dessas palavras me deixa inquieto.
Além disso, há outro problema: embora se diga não ser obrigatório, o tal acordo se transformou numa tirania: os jornais, a televisão e os romances recentemente publicados estão adotando as novas regras! Já existem até legendas de filmes estrangeiros com a nova grafia do português.
Parece um complô. Ninguém tem coragem de peitar essa baboseira, ao menos até que ela se formalize e passe a ser exigida de fato?
Salvo engano, o professor Pasquale ficou de resistir. Li, em algum lugar – também salvo engano, fique claro – que não adotaria as novas normas. Fiquei um bom tempo sem ler sua coluna na Folha. Recentemente, apenas para tirar a prova dos nove, dei uma olhada em alguns de seus artigos. E não é que ele já virou a casaca? Teria cedido a injunções editoriais ou se seduzira mesmo pela novidade?
E quanto aos jornalistas e cronistas que todo dia publicam algo? Devem escrever do modo antigo e precisam submeter seus textos a algum revisor contratado especialmente para tirar os acentos e os hífens, agora supérfluos. Penso no Ruy Castro adequando a grafia nova à sua pequena coluna na contracapa do jornal. Penso no Cony, que já se manifestou a respeito do acordo. Com sua simpática ranhetice, deve brigar constantemente com as palavras. Penso no Nelsinho Motta, no Clóvis Rossi....
Só não consigo imaginar o que passava pela cabeça do Luiz Inácio ao assinar o acordo ortográfico.
2 comentários:
O Lula não sei bem o que pensa, mas desconfio que há um orgulho meio besta nessa ideia (olhaí!) de unificar tudo. Aliás, os linguistas (com ou sem trema) verde-amarelos sabem muito bem que os portugueses levam tudo como provocação, afinal são "eles", mais que "nós", que terão que mudar as plaquetas aqui e ali, adequando-as à nova grafia. Mas, como disse o sempre genial Mia Couto, a questão é que um dia o Brasil "aconteceu", e o filho era maior que o pai... O diabo é que os filhos sempre acreditam nessa fantasia de serem maiores que os pais. E alguém nega que o acordo tem um gostinho brasileiro que todo mundo terá que engolir?
Não vamos seguir esse acordo ortográfico totalmente descabido. Vamos manter a ortografia antiga!
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