Em julho de 2003 o Rio tinha cara de um pretenso inverno. Fomos jantar no Leblon. Ao fundo do restaurante, avistamos Cony e uma moça, provavelmente sua mulher. Ele não jantou, apenas balançou as pernas com evidente sinal de impaciência. Estava, por certo, ansioso. Ela também não jantou. Ficaram algum tempo conversando baixo, discretamente. De repente, ela se levantou. Serviu-se de um doce e voltou para a mesa.
Naquela época, as reflexões do doutorado ainda ecoavam na minha cabeça. É provável que já estivesse pensando em rever a tese para submetê-la à apreciação de alguma editora. Ela seria, afinal, publicada um ano depois, pela Annablume. Embora o texto tratasse de intelectuais antigos (Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Paulo Duarte e outros) a temática era atualíssima e suscitava uma questão interessante: qual é a função social dos intelectuais em uma determinada conjuntura histórica?
Ter visto Cony ali, disposto, reservado, aguçou-me a curiosidade. Um homem que presenciou os grandes momentos da história do século XX, que resistiu a sucessivas prisões arbitrárias da ditadura militar, que conviveu com os escritores mais importantes do país, que trafegou pela crônica, pelo romance, pelo jornalismo... Enfim, um homem como ele certamente poderia responder aquela questão.
Num rompante, pensei em abordá-lo. Invadiria a intimidade daquela mesa de canto, quase isolada. Imaginei que, impaciente, balançaria as pernas com mais avidez, talvez reclamasse do meu jeito intrometido. Indagaria qual era a legitimidade da minha interpelação. Diria que aquilo era pergunta para o "Liberdade de expressão", da CBN.
Supus que, em poucos instantes, pudesse desenhar sua trajetória para explicar a função do intelectual na sociedade brasileira. Mas isso também seria impossível em tão pouco tempo... Reparei bem no movimento de suas pernas e amedrontei-me com elas. Temi uma reprimenda. Acovardei-me.
Surpreso, percebi que Miúcha estava ao nosso lado (o encontro merece outro post, naturalmente). Conversamos com ela. Falamos do Chico, que terminava de escrever um livro em Paris. Não sabíamos, ainda, que era Budapeste. Nem ela sabia.
Jantamos, tomamos um café e fomos embora, sem a resposta do Cony.
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