domingo, 10 de fevereiro de 2008

O taxista carioca

Numa crônica da Folha de S. Paulo, da semana passada, Drauzio Varella escreveu sobre um taxista sempre cheio de certezas. O sujeito era divertidíssimo e, segundo consta, tinha solução para todas as mazelas do país. Não é difícil encontrar gente como ele...

Lembrei-me das inúmeras vezes em que coloquei-me a falar com taxistas, sobre assuntos os mais variados. Eles, afinal, sempre têm algo a dizer. Alguns são calados e não escondem que não estão dispostos a nenhum tipo de conversa. A outros, ao contrário, basta uma pergunta para iniciar aquilo que poderá se converter num debate. Existem, também, aqueles que nem precisam ser provocados. Perguntam-nos de onde viemos, a razão da viagem (se passeio ou trabalho), se moramos aqui ou lá, o que fazemos da vida, enfim.

Acho que a maioria se compraz em falar do tempo, tema universal para momentos em que predomina aquele silêncio insosso... O curioso é que, ao menos comigo, nunca ninguém teve critérios razoáveis para explicar as variações de temperatura.

Num mês de chuvas freqüentes, ao cair da tarde, perguntei ao chofer como esteve o tempo naquele dia, se bom ou ruim. Numa resposta precisa e lacônica, ele asseverou: "Mais ou menos". Não esperei que fosse completar a explicação. Passamos a corrida calados.

Às vezes também desejo sossego. Fico quieto. Se o taxista puxa conversa, tudo bem, vamos lá... Foi o aconteceu no Rio, em agosto de 2006.

Eu havia ido para lá a fim de dar uma palestra no Museu da República, sobre Mário de Andrade, os intelectuais e o Departamento de Cultura. A palestra fazia parte de um seminário muito bem organizado pela turma do CPC Aracy de Almeida. Terminado o evento, passei rapidamente pelo centro e ali, perto da Biblioteca Nacional, acenei para o taxista.

O sujeito não parou de falar... Perguntou tudo sobre mim. Quando disse que era de Campinas, próximo a São Paulo, indagou a respeito do clima pesado que acometia a população naqueles dias. O PCC havia prometido outra refrega. A população devia estar desesperada!

- E depois falam que o Rio é violento! – regozijou-se.

Pronto, havia irrompido o assunto que dominaria a cena até minha chegada ao Aeroporto Tom Jobim: Rio versus São Paulo. Não me incomodei porque, diz o bom senso, discutir aquilo seria uma enorme besteira. Ademais, sou apaixonado pelo Rio e por São Paulo.

- É, m' ermão! Depois os paulistas dizem que isso aqui é que é violento!

Meu livro sobre a criminalidade do tráfico carioca e sobre o PCC estava no forno. A despeito disso, não seria conveniente que eu lançasse mão dos argumentos lá contidos para aquela conversa. Ele não entenderia. Deixei que continuasse...

- Isso aqui é uma maravilha! São Paulo não tem tanta coisa boa como no Rio.

Foi nesse momento que resolvi lhe perguntar:

- O senhor seria capaz de apontar cinco coisas boas do Rio de Janeiro?

Ele aceitou a provocação:

- Claro! O Rio é uma cidade linda, maravilhosa. A beleza natural daqui não existe em nenhum lugar do mundo. Essas praias, os morros, o sol... São Paulo não é bonita assim.

Dei-lhe razão, obviamente.

- E a segunda coisa boa?

- Bom... a segunda coisa boa... No Rio tem muita coisa para se fazer de graça. Você pode passear com a sua família em bosques, parques, morros. Também tem as praias. Não precisa de muito dinheiro para se divertir. É tudo barato ou de graça! O Rio é uma cidade democrática!

Daí para o assunto da política foi um pulo. Começou a falar do Lula, do FHC, do Garotinho, do Cesar Maia, da Benedita... Falou dos impostos, da educação, da saúde. Esqueceu as coisas boas do Rio.

Quando chegávamos à Ilha do Governador, não perdoei:

- Até agora o senhor só falou duas coisas boas do Rio. E as outras três? Não eram cinco?

Ele, então, olhou para um lado, para o outro... E, a contragosto, respondeu:

- Pois é: cinco coisas boas do Rio é muita coisa boa! O Rio não tem tanta coisa boa...

É só... Por ora é só...

2 comentários:

Anônimo disse...

Me amarro em papos de motoristas de taxi mesmo qdo estou de mau humor (ou eles) conhecemos um ótimo em Salvador no ano passado.Acho que todo motorista de taxi deveria se casar com manicures.
Grande abraço!

Flavio Aniceto disse...

Eu tento fugir de "conferências nos taxis" ate pq. aproveito o tempo nestes para contar dinheiro na carteira, organizar cadernos, separar as compras do mercado, enfim, as coisas mais praticas.

E se o cara/taxista for um siderado que não respeita o mau-humor alheio, saco o celular e começo a resolver as coisas de trabalho, marcar cinema, etc.

Mas com a nova onda de mudanças nas cidades, ao menos aqui no RJ, temos muitos jovens taxistas que alem de não terem conversar como as relatadas por Barbato, não sabem andar na rua. Dai eu fico entre bater no cara, pegar outro ou qualquer alternativa a ter que explicar o basico, como chegar a lugares tão tradicionais e banais do RJ.

A falta de cultura e de noção desta galera, me da saudades daqueles velhos fanfarrões e falastrões que são taxistas desde as bigas, tilburis e carros de boi e com esta autoridade, opinam sobre tudo.

Abraços cariocas, Flavio Aniceto.

ps: obrigado pela citação de nosso CPC Aracy.

Axe e Ate.