domingo, 27 de março de 2022

A bissexualidade do Carva

 A BISSEXUALIDADE DO CARVA

             Carva me confidenciou que tinha apreço por homens quando já tínhamos mais de 40 anos. Para ele, foi muito difícil confessar aquilo. Seu pai era um machão, sujeito rude, e não admitia o que chamava de safadeza. Sua mãe era uma coitada, não tinha voz em casa. Pessoa simples, não conseguiria entender o que era bissexualidade. Diante disso tudo, Carva não tinha com quem se abrir. Um dia, do nada, me contou sobre um relacionamento que estava tendo com um personal trainer, o Murilo.

            O rapaz era garoto de programa de luxo. Saía com os frequentadores da academia onde trabalhava. Em pouco tempo, se afeiçoou ao Carva e percebeu que, às custas de seu ciclo de amizades, poderia se dar bem. Por um laivo de ingenuidade, Carva não demorou para apresentá-lo ao Gênova. Imaginava que, assim, pudesse tentar alguma ocupação para o amante na empreiteira.

Quando o italiano bateu os olhos no Murilo, ficou arrepiado de tesão e mal conseguiu esconder o rubor. Gaguejou, titubeou e desmunhecou.... Já com o casamento desgastado, Gênova queria uma aventura e apostou naquela oportunidade. Pulou de cabeça! Murilo pediu as contas na academia e passou a ficar as tardes na empresa à espera do chamado do novo patrão. Fornicavam nos fundos da sala da presidência. E, no final do mês, era grandemente recompensado...

A moral da história é que o Carva nem sequer imaginava a triangulação amorosa à qual havia dado ensejo. Pensava que Murilo era exclusivamente dele e que Gênova lhe fizera um favor ao contratar o rapaz. Não era uma situação segura e Carva pagaria por ela....

 

sexta-feira, 18 de março de 2022

Carva e os negócios

CARVA E OS NEGÓCIOS 

Gênova, sócio majoritário da Gênova Incorporações LTDA sabia que Carva tinha boas relações com políticos de todos os escalões, de vereadores a senadores. Chamou-o para engendrar um esquema de negociatas que implicava fraudes a licitações. A empreiteira seria selecionada para a execução de obras de várias prefeituras e levaria uma bolada.

No início, visaram a região metropolitana da cidade, composta por quinze municípios. Em cada prefeitura, havia alguém disposto a direcionar o certame para a empreiteira. Esse alguém era contatado pelo Carva, a ponte imprescindível do negócio. Ele combinava preços, formas de pagamento e outras benesses. Conhecia todas as etapas e personagens do plano. Nada acontecia se ele não desse o comando. Tinha o controle de absolutamente tudo. Se alguém caísse nas graças dele, poderia abocanhar as polpudas vísceras do erário.

Meses antes de sua morte, Carva resolveu voar alto. Fechou um acordo coletivo com oito prefeitos. Só ele ficaria com 60% de todo o capital envolvido. O restante, que não era pouco, seria dividido entre os prefeitos, agentes públicos e ainda sobraria para realizar, com folga, os empreendimentos. Enfim, uma tacada de gênio.

            O que o Carva não conseguiu prever é que um sistema corrompido de cima a baixo sempre tem um delator. Naquele caso, tinha um delator traído, o Léo.

A mulher do Léo era uma mulher tão sedutora quanto mentirosa. Luize se envolveu com o Carva por meses e não fez esforços para acobertar o relacionamento. Quando o Léo ficou sabendo, decidiu vingar-se do Carva. Mas não usou de violência. Preferiu juntar provas de que Gênova seria passado para trás e as guardou para usar oportunamente.

        Carva não perderia por esperar.

sábado, 12 de março de 2022

Carva e as drogas

CARVA E AS DROGAS

             Carva viveu intensamente. Excedia-se em tudo. Com as drogas não seria diferente. Quando passou a experimentar a dificuldade material, decidiu adotar uma estratégia para garantir o consumo da droga. Inicialmente, comprava de um fornecedor e pagava à vista. Consumia o que lhe era possível, mas dava um pouco para os amigos saberem que o produto era de qualidade. Quando o dinheiro rareava, ele apresentava aqueles amigos para o fornecedor. Garantia que iriam comprar em grande quantidade. O fornecedor, é claro, viu naquela sistemática uma maneira de ganhar mais dinheiro. Passou a encarar o Carva como um parceiro da mercancia.      A lógica toda ruía quando os amigos também paravam de pagar o fornecedor. Conclusão, de parceiro, o Carva passou a ser perseguido com um traidor.

            Como era insistente e não podia se livrar do vício, Carva imaginou que, se a estratégia dava certo com um fornecedor, daria com outros. Não hesitou em replicar seu modus operandi com as demais bocas de fumo da cidade. Até que a dinâmica se esgotasse com cada um deles, estaria tranquilo. No fundo, ele alternava fornecedores que participavam de facções rivais. Assim, mandava recado a alguns em nome de outros. É óbvio que todo mundo queria a cabeça do meu amigo.

            Agora, o pulo do gato de toda essa odisseia era o fato de que nenhum dos fornecedores conheceu a fuça do Carva. Quando era instado a responder a alguma mensagem, ele colocava uma foto de perfil diferente, geralmente de um desafeto seu. Para cada fornecedor, um rosto. Para cada encrenca, um filho da puta.

            Pelo que fiquei sabendo, o Solda, que era o maior traficante da região, teve um papo reto com o Minhão e lhe deu 24 horas para apresentar o corpo do Carva. Só que ninguém sabe onde está o Minhão. Nem eu.

sexta-feira, 4 de março de 2022

Missa de Sétimo Dia do Carva

 CONVITE PARA MISSA DE SÉTIMO DIA DO CARVA


O convite para a Missa de Sétimo Dia do Carva foi de uma cafonice sem igual:

É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, por que se você parar para pensar, na verdade, não há. (Renato Russo)

 

A família convida todos os amigos e parentes para a Missa de Sétimo dia de João Carvalho Filho, o querido Carva. Ele deixa pais e esposa. E também muitos amigos que o amavam.

 Não sei quem mandou o texto para o jornal, mas tenho certeza de que não foi a Juliana. O Carva odiava o Renato Russo e as músicas da Legião Urbana.

terça-feira, 1 de março de 2022

A morte do Carva

 A MORTE DO CARVA


    Porra, Carva! Assim, você vai se foder!

    Foram as últimas palavras que falei para o Carva naquela noite, ainda na festa. No dia seguinte, a notícia de sua morte consternou a todos. A necrópsia constatou que ele foi friamente torturado. Sofreu muito, o coitado. Depois, incineraram o corpo. Ficou irreconhecível.

    Liguei para Juliana, sua esposa.

    - Estou bem, sim. Vou superar tudo isso.

    As mais diversas hipóteses sobre a motivação do homicídio começaram a chegar até mim. Eu só ouvia...

    - O Carva foi assassinado por um traficante. Nos últimos anos, estava cheirando muito e todos sabiam que ele não pagava pelas encomendas. O Minhão deve saber de alguma coisa. Era o avião.

    - O Carva? Esse foi morto pelas mãos de um marido traído. Bonito e gostoso, era também um sedutor. Meu Deus! Só eu, tenho três amigas que se envolveram com ele. Não me arrisquei porque o Léo é muito violento e, se soubesse, certamente acabaria com o Carva.

    - Só tem uma explicação: a impaciência do Gênova, o empreiteiro. Muita coisa ficou sem explicação sobre a época em que o Carva trabalhou na empresa dele. Foi o período de maior crescimento do patrimônio do italiano. Aí tem.

    - Quem matou o Carva? Só pode ter sido um garoto de programa! Quase ninguém sabia, mas ele era bi. Tinha cacho com o Murilo, um personal trainer que também fazia michê. Verdade! O Murilo era um Apolo. Uma noite, vi os dois juntos num motel. O Carva era dado a putarias de toda sorte.

    - Foi a mulher, a Juliana. Apanhava demais e tinha medo de avisar a polícia. Às vezes, ficava reclusa em casa. Quando saía, sempre usava óculos escuros. Eu gostava muito dela e disse que poderia ir até a Delegacia de Defesa da Mulher para ajudá-la a dar queixa. Mas ela resistia. Dizia que não seria capaz. Amava o Carva. Mas tem uma hora...

    - Prefiro nem falar no assunto. Sei que tem até político envolvido nisso. Gente de cima, de poder mesmo. A coisa é pesada.

    A morte do Carva foi um grande mistério. Até que...